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Rodada de Doha: crônica do fracasso

Pascal Pascal tenta explicar o fracasso das negociações em Genebra. Keystone

Golpe severo para a tentativa de liberalizar o comércio mundial: Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), confirma que as negociações da Rodada do Desenvolvimento de Doha fracassaram.

China, Índia e Estados Unidos vetaram o acordo após desavenças sobre proteção de pequenos agricultores. Os 153 países-membros devem voltar à mesa de negociações a partir do outono.

As negociações para a abertura do comércio mundial, na chamada Rodada de Doha da OMC, foram abruptamente interrompidas no seu nono dia sem nenhum resultado prático. “Nós estivemos tão perto de concluir”, afirmou aos jornalistas a representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, ressaltando, porém, que a oferta do seu país “continua na mesa”.

Nos círculos das delegações, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, informou os países que nenhum acordo pode ser alcançado. As negociações devem continuar a partir do outono.

Segundo informações da agência de notícias AP, a razão do colapso foi a disputa entre os Estados Unidos, Índia e a China sobre a importação de produtos agrícolas. Várias questões – como a subvenção da produção de algodão nos EUA, o regime de importação de banana ou salvaguardas para a importação de alimentos aos países em desenvolvimento – permaneceram insolúveis. Apesar dos prenúncios de um consenso, vários sinais já indicavam que os países se mantêm atrás das trincheiras na defesa dos seus mercados.

Desconforto no Salão Verde

Eles se apertavam no recinto como sardinhas em lata. Por falta de assentos mais agradáveis, o traseiro sofria sobre cadeiras extremamente duras, contou um deles aos jornais suíços. Isso, pois tudo era feito no mítico Salão Verde (“Green Room”) da OMC em Genebra para tornar inconfortável a posição dos negociadores e obrigá-los a chegar a um acordo o mais rápido possível. Nove dias de tortura não foram o suficiente.

Na segunda-feira (28 de julho), com as declarações de uns e outros, do Norte ao Sul, os mais crédulos chegavam a acreditar que um acordo estava próximo. Uma primeira reunião a sete (Estados Unidos, União Européia, Austrália, Japão, Brasil, China e Índia) ocorreu ao meio-dia. Foi desse grupo restrito que surgiu um “pacote” de propostas que havia feito soprar um vento de esperança para o Ciclo de Doha.

Porém pouco depois a discórdia geral tomava conta do ambiente. A reunião do chamado G7 (grupo dos sete países mais ricos) foi suspensa nesse dia por volta das 17 horas. Ela só foi retomada no início da noite, antes de dar espaço a uma outra reunião, dessa vez com 30 ministros no Green Room. Nela as discussões se estenderam madrugada adentro sem nenhum resultado concreto.

O ambiente era tão pesado, que o porta-voz da OMC, Keith Rockwell, só pode fazer uma análise lacônica. “A situação está muito tensa. O resultado é incerto.” Segundo a BBC, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, chegou a afirmar que as negociações da Rodada de Doha “estavam por um fio”.

Discórdia

Os diferentes grupos de negociadores pareciam querer se manter nos extremos opostos. “Estamos muito preocupados pela orientação tomada por dois países”, ressaltou a representante norte-americana Susan Schwab. Para ela, os dois vilões eram a China e a Índia.

A China batia o pé para proteger sua produção de arroz, algodão e açúcar, contrariando profundamente vários países exportadores de alimentos. A justificativa? Os Estados Unidos não reduzem suficientemente os subsídios dados aos seus agricultores.

A França, que preside atualmente a UE, chegou a anunciar que não iria assinar “cegamente” o projeto da OMC. O presidente Nicolas Sarkozy chegou mesmo a pedir ao negociador europeu que se apresentasse em Paris para esclarecer os pontos do debate. Peter Mandelson respondeu com diplomacia que iria “com prazer”, mas que seria “estranho” sair no meio das negociações.

Prelúdio do fracasso

Na terça-feira, as negociações pareciam tomar um rumo mais positivo, mas por poucas horas. A China e a Índia disputavam-se contra os exportadores de alimentos, como os Estados Unidos ou o Brasil, a respeito de salvaguardas para os seus pequenos agricultores.

O ponto sensível era o teto de 40% de crescimento das importações em três anos para permitir o aumento das tarifas alfandegárias. A Índia acha que ele era alto demais e exigia veementemente sua redução para patamares mais seguros ao seu mercado.

Essa proposta queria garantir que países em desenvolvimento pudessem tomar medidas para frear a importação de um produto agrícola, “logo que este é importado em quantidades, a um preço ou sob condições tais que possam causar danos demonstráveis à sua segurança alimentar”, especificava o texto.

Ameaça de plebiscito

A Itália e Portugal também opuseram às proposições da Comissão Européia. O Japão também manifestou que não deixaria de proteger seus produtos considerados “sensíveis”.

Na Suíça, as críticas mais pesadas vieram do setor agrícola. Os horticultores ameaçaram lançar um plebiscito se o acordo abrisse as portas para “importações descontroladas”. O governo suíço tentou frear os receios, lembrando que o acordo que poderia ter sido aprovado em Genebra só iria entrar em vigor a partir de 2016.

“Guerra da banana”

Outro pomo da discórdia era relacionado à fruta exótica mais consumida no Primeiro Mundo: a banana. Vários países africanos se opunham a um acordo referente ao seu comércio. Na segunda-feira, países do grupo África-Caribe-Pacífico (ACP) abandonaram a sessão plenária em protesto contra um acordo quase fechado entre os países latino-americanos e europeus quanto ao regime de importação de banana na União Européia.

Os países da ACP, cujas bananas entram sem imposto alfandegário na UE, haviam concluído que a negociação estava terminada e que eles não tinham mais possibilidade de influenciar o dossiê. “Esses países africanos saíram da sala para protestar contra a atitude da União Européia, que os persuadiu que iria continuar a negociar com eles”, revelou um diplomata em Genebra.

A UE e os países latino-americanos chegaram a um acordo na OMC acabar com a chamada “guerra da banana”, que durou 25 anos. O acordo previa a redução gradual, até 2016, das taxas alfandegárias da UE a 114 euros por tonelada, contra os 176 euros atuais. O acordo ainda não foi assinado.

Os países do ACP consideraram inaceitável este calendário por achar que o mesmo não permite que adaptem sua produção para fazer frente à concorrência dos produtos latino-americanos. No domingo à noite apresentaram uma contraproposta que levaria aos 109 euros, mas em 2017, o direito tributário europeu.

swissinfo com agências

A rodada de Doha das negociações da OMC visa diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo, com foco no livre comércio para os países em desenvolvimento. As conversações centram-se na separação entre os países ricos, desenvolvidos, e os maiores países em desenvolvimento (representados pelo G20). Os subsídios agrícolas são o principal tema de controvérsia nas negociações.

A rodada de Doha começou em 2001 em Doha (Catar), e negociações subseqüentes tiveram lugar em Cancún (México), Genebra (Suíça), Paris (França), Hong Kong (China) e Potsdam (Alemanha).

Quase sete anos depois, os países envolvidos nas discussões ainda não conseguiram chegar a um acordo. As negociações foram paralisadas em julho de 2006. O prazo inicial para finalização das negociações era janeiro de 2005.

Até agora, as discussões têm girado principalmente em torno do tamanho dos cortes nos subsídios à agricultura por parte dos países desenvolvidos e do grau de liberalização do setor de serviços.

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