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Por que concordamos em discordar sobre as crises sanitárias globais

Imogen Foulkes

Todos querem ter acesso à saúde e afirmam que os outros também devem ter, mas ninguém concorda em como fazer isso, opina Imogen Faulkes.

O fato de que nossos sistemas de saúde não são tão bons quanto deveriam ser reflete-se no fato de que as Nações Unidas incorporaram melhorias em seus objetivos de desenvolvimento sustentável; o 3º objetivo visa “garantir vidas saudáveis e promover o bem-estar para todos em todas as idades”.

Uma ambição nobre, que a ONU acredita que só pode ser alcançada através da garantia de uma “cobertura universal de saúde e acesso a serviços de saúde de qualidade. Ninguém deve ser deixado para trás”.

Mas o fato é que a saúde é uma mercadoria, cujo acesso tende a depender de quanto dinheiro você tem e onde você mora. Os Estados Unidos são uma superpotência econômica, ainda assim, milhões de seus cidadãos não podem pagar o seguro de saúde. Em países de baixa renda, as mulheres jovens ainda morrem no parto porque não têm acesso aos cuidados pré-natais básicos. Na Europa, agora é comum que os idosos gastem toda a sua poupança garantindo apenas os cuidados mais básicos durante seus últimos anos de vida.

A saúde estava repleta de problemas, desigualdades e dilemas políticos mesmo antes da Covid-19, mas a pandemia evidenciou ainda mais todos esses problemas – ela revelou falhas sistêmicas em todos os patamares. Quando você vê que os serviços de saúde mais bem financiados do planeta, os que conseguem realizar transplantes de coração e de fígado, fraquejam diante de um surto de doença infecciosa, você sabe que há algo muito errado.

Lições da pandemia

Na Assembleia Mundial da Saúde, que terminou no dia 1º de junho e reuniu 194 países-membros da OMS, aprender as lições da pandemia estava no topo da pauta. Como declarou Suerie Moon, do Centro de Saúde Global em Genebra: “O que precisamos fazer para consertar um sistema quebrado? Que a Covid tem mostrado reiteradamente que não está funcionando?”

Suerie foi nossa convidada no nosso último podcast Inside Geneva, junto com Maria Guevara, do Médicos sem Fronteiras, e Thomas Cueni, da Federação Internacional de Fabricantes e Associações Farmacêuticas (IFPMA, na sigla em inglês), para falar sobre as opções que os países-membros têm diante de si.

Discutimos o apoio surpreendente dos EUA à suspensão de propriedade intelectual das vacinas. Cueni explica por que, em sua opinião, isso não fornecerá “sequer uma dose” a mais para países de baixa renda desesperados por suprimentos. Moon rebate, afirmando que suspensões de propriedades intelectuais poderiam – e provavelmente deveriam – ser a base para um novo “contrato social” durante crises globais de saúde, especialmente quando, como no caso da Covid-19, os governos (contribuintes) assumiram o risco financeiro de desenvolver as vacinas.

Guevara alerta que a Covid-19 mostra que não apenas nos tornamos “complacentes”, mas estamos enfrentando “uma crise de humanidade”, na qual não respeitamos uns aos outros, ou o direito do outro à saúde.

O futuro da OMS

A assembleia certamente discutiu a própria OMS, em meio a apelos para sua reforma. Já sabemos que o painel independente (IPPPR, na sigla em inglês), criado para analisar como lidamos com a pandemia, recomendou mais poderes para o órgão internacional, como um conselho de ameaças globais à saúde com o poder de responsabilizar os países-membros, e um sistema de vigilância de doenças que pode publicar informações sem a aprovação do país em questão.

Mas será que os países-membros concordarão com isso? A única coisa sobre a qual os governos realmente concordam é a relutância em dar a um órgão da ONU mais poder para criticá-los. Moon lembra que, após a Ebola, eles tiveram a oportunidade de tornar a OMS mais independente dos países que a financiam, mas optaram por não o fazer.

E quanto ao tratado pandêmico? Pelo menos 25 países o apoiaram, pedindo “um grande aumento da cooperação internacional para melhorar, por exemplo, os sistemas de alerta, compartilhamento de dados, pesquisa, além da produção e distribuição local, regional e global de medidas de combate médicas e sanitárias, tais como vacinas, medicamentos, diagnósticos e equipamentos de proteção pessoal”.

Tedros, diretor da OMS, apoia tal tratado, provavelmente avaliando que ele fortalecerá sua posição se (ou como a maioria dos epidemiologistas nos diz, quando) a próxima pandemia vier. No entanto, grandes potências como os Estados Unidos e a China ainda não se comprometeram com o tratado, e Thomas Cueni, da IFPMA, alerta contra qualquer precipitação no tipo de acordo internacional vinculante que normalmente leva meses, senão anos, para ser negociado.

Nitidamente, há enormes desafios pela frente. Ainda assim, Maria Guevara, do Médicos sem Fronteiras, argumenta que “a Covid é uma oportunidade” que devemos aproveitar, sobretudo para reconhecer que “nossa segurança depende de nossa solidariedade”. E, como ninguém quer outro ano como o último, com todas as perdas, desgostos e dificuldades que ele acarretou, mudanças e reformas são realmente a única opção, ou, como diz Maria, “não temos escolha”.

Adaptação: Clarice Dominguez

Adaptação: Clarice Dominguez

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