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Senador suíço ataca medidas da ONU contra terrorismo

Dick Marty fustiga as consequências da "lista negra" Keystone

Senador do Tessino (Sul), Dick Marty fez com que o Parlamento suíço adotasse, em março, uma moção para limitar na Suíça os abusos causados pelas medidas antiterrorismo do Conselho de Segurança em Nova York.

Resultado: certos nomes foram removidos da lista negra da Organização das Nações Unidas. Entrevista.




















A Suíça foi o único país a ter adotado, em março, uma proposta limitando a ação contra os “presumíveis terroristas” da lista negra do Conselho de Segurança da ONU.

A existência dessa lista é percebida por Berna como uma ferramenta eficaz na luta contra o terrorismo. Mas, para Dick Marty, é intolerável que a Suíça se alinhe sem ressalvas às disposições da ONU, que espezinham os princípios básicos do direito internacional. Entrevista.

Como essa lista viola os princípios da ONU?

Dick Marty: A lista em si não é problemática, mas a maneira como ela é gerida. Um Estado membro do Conselho de Segurança pode facilmente registrar um nome nela. Basta que ele declare, sem precisar apresentar provas, ao Comitê de Sanções (composta por 15 Estados-Membros) que essa certa pessoa apoia a Al-Qaida ou uma rede de terroristas.

A pessoa passa, então, a figurar na lista, sem ser informada ou ouvida. Ela não pode saber os detalhes da acusação, considerada segredo de Estado, nem pode recorrer a uma autoridade independente para se defender. É completamente arbitrário.

O que isto significa constar, na prática, nessa lista negra?

 

DM: Todos os seus bens são penhorados, não se pode ter cartão de crédito ou conta bancária, nem trabalho remunerado. A pessoa recebe só o que é estritamente básico para viver. E ela não pode passar a fronteira. Essas restrições não estão sujeitas a nenhum limite de tempo. Para algumas pessoas, essas medidas podem levar a ruína total.

Como sua moção foi recebida no Parlamento?

DM: O Conselho dos Estados (Senado) aprovou por unanimidade. Quando o caso foi submetido ao Conselho Nacional (Câmara dos Deputados), o Ministério das Relações Exteriores fez pressão para que ela não passasse tal qual, embora ela dê primazia ao direito internacional. A Suíça aspira em se tornar membro do Conselho de Segurança, por isso era difícil tomar um caminho divergente.

O Conselho Federal (executivo) quis que eu abrandasse o texto. Mas recusei. O Conselho Nacional acabou aprovando a proposta em março passado, apesar da pressão do governo suíço.

Qual foi o impacto?

DM: A moção fez com que a ONU agisse: alguns nomes foram retirados da lista negra. Note-se que a delegação suíça em Nova York, liderada pelo embaixador Peter Maurer, trabalhou muito para que o Conselho de Segurança pusesse limites às penalidades relacionadas a lista. A ONU também tem um ombudsman, um canadense. Mas ele apresenta apenas um parecer consultivo. Portanto, não se trata de um órgão de recurso de verdade. A Organização também descobriu que pessoas mortas há muito tempo continuam figurando na lista. Isso prova a seriedade de Nova Iorque sobre o assunto.

Os 15 membros do Comitê de Sanções são representantes de Estados. Isso não gera um problema de independência?

 

DM: Com certeza, o Comitê trabalha em um sistema de negociação: você me deixa pôr “o meu terrorista na lista, que eu deixo você pôr o seu terrorista” quando for a sua vez… Esta maneira de trabalhar, dentro do Conselho de Segurança, é um escândalo.

Esta abordagem arbitrária da lista negra não ajuda a aumentar o abismo entre o Ocidente e o mundo muçulmano?

DM: Sim, e os governos, especialmente os europeus, não mostram nenhuma coragem para serem coerentes com os princípios pregados por eles. Agindo dessa forma, eles dão uma legitimidade ao terrorismo, a do combate aos Estados que recorrem a métodos ilegais: lista negra, voos secretos da CIA, prisões secretas. Esse sistema ilegal está se estendendo.

Pessoas foram sequestradas em nome da luta contra o terrorismo, ficaram detidas anos sem ordens judiciais. Foram libertadas após nove anos por falta de provas. Nenhum pedido de desculpa, nem um dólar de compensação. Isso cria uma onda de simpatia pelos terroristas, que é uma das coisas mais perigosas.

Como explicar essa fraqueza dos países ocidentais?

DM: Uma explicação que me decepciona muito: essas medidas, até agora, afetaram apenas os muçulmanos. Se um cidadão ocidental cristão estivesse envolvido, faria com certeza mexer as coisas.

Youssef Nada. Foi o caso do ítalo-egípcio Youssef Nada que fez com que Dick Marty apresentasse sua moção parlamentar. Ela prevê que, se depois de 3 anos, o caso de uma pessoa “listada” não for transferido para uma autoridade judicial ou se a pessoa não pôde recorrer a uma autoridade independente, Berna tem que retirar as sanções do Conselho de Segurança.

Na lista negra. Youssef Nada, residente no enclave de Campione d’Italia, Tessino, foi incluso na lista negra – e proibido de viajar – em 2001. Ele foi acusado de ter financiado os atentados do 11 de setembro de 2001. O empresário havia trabalhado 30 anos na Suíça sem problemas.

Não há provas. A pedido das autoridades dos EUA, juízes suíços e italianos abriram inquéritos contra ele. Após 4 anos de investigação, a Justiça Federal em Bellinzona decidiu arquivar o processo por falta de provas. Mesma conclusão da justiça italiana. Youssef Nada, que continuou na lista negra, se dirigiu ao Conselho Federal e a Justiça Federal para ter seu nome riscado da lista. Como resposta, foi-lhe dito que a lei da ONU é que prevalecia.

Em Estrasburgo. Após a moção parlamentar de Dick Marty, o nome Youssef Nada foi retirado da lista, entre outros oito. Mas o ítalo-egípcio levou o caso a Corte Europeia dos Direitos Humanos, em Estrasburgo. Uma audiência pública deve ser realizada em março de 2011.

Procurador. Nascido em 1945 no Tessino (Suíça italiana), foi substituto, em seguida, procurador de 1975 a 1989.

Senador. Membro do governo cantonal do Tessino de 1989 a 1995, foi eleito em 1995 ao senado pelo partido radical (PRD/direita)

Europa. Deputado europeu desde 1999, Dick Marty preside desde 2005 a Comissão dos Assuntos Jurídicos e Direitos Humanos do Conselho da Europa (CE).

CIA. Instruído por este último para investigar as prisões secretas da CIA na Europa, publicou em 2006 um relatório irrefutável contra 14 países.

Kosovo. Após uma investigação para o CE, publicou no dia 16 de dezembro de 2010 um relatório sobre tráfico de órgãos no Kosovo.

Adaptação: Fernando Hirschy

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