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Relatório do CICV revela tortura em prisões da CIA

Cartaz de protesto colocado frente à Casa Branca em outubro de 2006. Reuters

Um relatório secreto vazado da Cruz Vermelha Internacional sobre maus tratos é devastador, com evidências suficientes para abrir uma investigação criminal, afirmam organizações de defesa dos direitos humanos.

Trechos publicados do relatório do órgão contém narrativas detalhadas na primeira pessoa sobre as técnicas de interrogatório da CIA.

O relatório afirma que essas técnicas “constituíam em tortura”

O relatório da CICV foi obtido por Mark Danner, um escritor americano e professor da Universidade da Califórnia em Berkeley, e aparece na edição deste mês da “New York Review of Books” em um artigo intitulado “Tortura americana: vozes dos sítios negros”.

“As revelações são devastadoras para a administração do presidente George W. Bush. É o prego no caixão”, declarou Reed Brody, porta-voz europeu da ONG Human Rights Watch. “É significativo e realmente confirma tudo o que nós havíamos escutado das fontes. Agora estamos recebendo-as da boca dos detentos”.

“A conclusão inevitável é que os funcionários americanos foram envolvidos em atividades criminosas violando leis internacionais e americanas”, explica Brody, que é autor de inúmeros livros sobre o abuso com prisioneiros.

O relatório dá nova munição para os pedidos de processar altos funcionários da administração Bush pelo seu comportamento, afirmam ativistas de defesa dos direitos humanos.

“Existem evidências suficientes para uma completa investigação criminal sobre o que realmente ocorreu no programa secreto americano de detenções desde o 11 de setembro”, diz Rob Freer da Amnesty International.

“Quando o CICV utiliza a palavra tortura, ela não o faz levianamente. Tortura é um crime nas leis internacionais e quando as alegações de tortura são verossímeis, os EUA têm a obrigação de investigar e levar à Justiça os autores”.

Técnicas “reforçadas”

As revelações do CICV foram baseadas no seu acesso aos 14 prisioneiros considerados pela CIA de “alto valor”, mantidos em prisões secretas. Eles foram entrevistados após terem sido transferidos para a prisão de Guantánamo, em Cuba, em 2006. O CICV tem um papel internacional de monitorar as normas do tratamento de prisioneiros e assegurar o cumprimento das Convenções de Genebra por parte dos países signatários.

De acordo com o relatório de 2007, como citado por Danner, os prisioneiros relataram separadamente e de forma consistente o confinamento em solitária por longos períodos, a aplicação de “waterboarding” (uma técnica de tortura que consiste em simulação de afogamento), colocação em posições de estresse, nudez forçada prolongada, espancamentos, privação de alimentos sólidos e outras formas de abuso.

“As alegações de maus tratos de prisioneiros indicam que, em vários casos, os ele era submetidos a eles durante o período que estavam detidos através do programa da CIA, individualmente ou combinados, constituíam tortura. Além disso, eram vítimas de tratamento cruel, desumano ou degradante”, afirma o relatório, segundo Danner.

Funcionários do CICV não contestam a autenticidade do relatório, porém um porta-voz na sede da organização em Genebra lamenta que o documento tenha sido publicado. A CIA negou-se a comentar as acusações.

Responsabilização

Em 2006, o presidente George W. Bush admitiu o uso de táticas coercitivas de interrogatório a membros importantes da Al Qaeda detidos pela CIA logo após os atentados de 11 de setembro. Bush certificou em 2007 que o programa de interrogatórios da CIA respeitava as Convenções de Genebra.

A administração do atual presidente Obama ordenou que as prisões secretas – também chamadas de “sítios negros” – fossem fechadas e instruiu a CIA a utilizar somente os métodos de interrogatório aprovados pelo Exército americano, até que uma revisão completa do programa fosse realizada.

Há especulações de que o relatório do CICV tenha sido revelado por funcionários da atual administração em meio ao debate político sobre as políticas de detenção e responsabilização.

Alguns democratas no Congresso pediram a instauração de uma comissão para investigar uma série de abusos supostamente cometidos pelo antigo governo como parte da chamada “guerra ao terror”, incluindo os interrogatórios feitos pela CIA em prisões secretas. Políticos republicanos consideram o pedido uma “caça às bruxas”.

Obama acolheu friamente a idéia de instaurar uma comissão de inquérito, mas não descartou completamente possíveis acusações, declarando que ninguém está acima da lei. Entretanto, o presidente declarou no mês passado que estava “mais interessado em olhar para a frente do que para trás”.

“Eu entendo o dilema político enfrentado pela nova administração que quer olhar para frente com uma vasta agenda além dos direitos humanos”, avalia Brody. “Mas para os EUA recuperarem sua credibilidade, a investigação e processo contra esses crimes seriam um importante passo para mostrar ao mundo que não apenas achamos esses atos incorretos, mas também que estamos nos dedicando a punir os funcionários que foram engajados em tais atividades antiamericanas”.

swissinfo, Simon Bradley

Acusações de que a CIA detinha suspeitos de pertencerem à Al Qaeda na Europa do leste, Tailândia e Afeganistão foram relatadas pela primeira vez no jornal “Washington Post” em 2 de novembro de 2005.

De acordo com a reportagem, os centros, também chamados de “sítios negros”, foram criados logo após os atentados de 11 de setembro de 2001. Egito, Jordânia, Marrocos e outros países também foram denunciados como destino para esses prisioneiros.

O senador suíço Dick Marty foi indicado pelo Conselho da Europa em novembro de 2005 para investigar as denúncias de que a CIA estava mantendo prisões secretas na Europa do leste.

No seu relatório inicial, publicado em junho de 2006, Marty concluiu que 14 países europeus cooperaram com os Estados Unidos em uma “teia de aranha” de abusos dos direitos humanos. Marty declarou que outros países, incluindo também a Suíça, se envolveram ativamente ou passivamente na detenção ou transferência de pessoas desconhecidas.

Em setembro de 2006, o presidente Bush admitiu pela primeira vez que a CIA estava mantendo suspeitos de terrorismo em prisões secretas. Ele também anunciou que 14 prisioneiros – incluindo o suposto “cérebro” dos atentados de 11 de setembro, Khalid Sheikh Mohammed – haviam sido transferidos para a prisão da Baía de Guantánamo, em Cuba. Entretanto, Bush não revelou a localização desses diferentes centros de detenção.

Em dezembro de 2007, Bush refutou as denúncias de que sua administração utilizou tortura e defendeu os métodos da CIA.

Barack Obama ordenou o fechamento no prazo de um ano da prisão militar da Baía de Guantánamo e dos “sítios negros”. Ele também instruiu a CIA a utilizar os métodos de interrogatório do exército americano até uma completa revisão do programa secreto.

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