A eclosão de confrontos entre eritreus na Suíça
Confrontos entre apoiadores e opositores do governo da Eritreia eclodiram em vários países nos últimos meses. Recentemente, os ânimos também se exaltaram na Suíça, lar de uma grande diáspora eritreia que nem sempre está de acordo com a política do seu país de origem.
No sábado passado, 2 de setembro, cerca de 200 eritreus se enfrentaram em Opfikon, um município perto de Zurique. O confronto provocou uma grande operação policial e deixou pelo menos 12 pessoas feridas.
O incidente está longe de ter sido o único. No mesmo dia, ocorreram confrontos na Noruega e em Israel. Todos eles vieram na esteira do 30º aniversário da chegada ao poder do presidente eritreu, Isaias Afewerki, e tiveram dois grupos como protagonistas: os apoiadores e os opositores do atual líder do país.
Suíça: destino privilegiado
Quando se tornou governante da Eritreia em 1993, Afewerki foi aclamado como herói da independência do país, mas, desde então, ele tem sido acusado de liderar uma ditadura repressiva, onde, nas palavrasLink externo do Conselho de Refugiados da Suíça, “as violações dos direitos humanos estão na ordem do dia”. O país não tem poder legislativo nem judiciário independente. Segundo grupos de direitos humanos, homens e mulheres são detidos e forçados a servir indefinidamente nas forças armadas, com aqueles que fogem do recrutamento sendo frequentemente presos e torturados. Há 20 anos, também se instaurou uma política de mandar opositores políticos e jornalistas para a prisão.
Grupos de direitos humanos também afirmam que o exército da Eritreia cometeu crimes de guerra contra civis durante um conflito em andamento na região do Tigré, do outro lado da fronteira com a Etiópia.
Para os milhares de eritreus que fogem do seu país todos os anos, a Suíça se tornou um destino privilegiado na Europa, principalmente devido à sua proximidade com a Itália, o primeiro país em que os eritreus chegam após atravessarem o Mediterrâneo.
Em 2015, 39.000 eritreus atravessaram o mar e desembarcaram na Itália. No ano seguinte, esse número caiu para cerca de 20.000. Consequentemente, o número de eritreus que procuram asilo na Suíça também diminuiu, passando de 9.950 pedidos em 2015 para apenas 1.830 em 2022.
A maioria das decisões em 2022 foi de conceder asilo ou admissão temporária aos eritreus, com uma taxa de proteção de 85%.
Tensões crescentes na diáspora
A Associação de Mídia Eritreia na Suíça (EMBS, na sigla em inglês), um grupo que visa facilitar a participação de eritreus no discurso público, dizLink externo que mais de 40.000 eritreus vivem na Suíça, embora o Ministério das Relações Exteriores da Suíça tenha estabelecido o número em 31.722 no final de 2020.
Apenas uma pequena minoria desses residentes manifesta apoio ou oposição ao atual governo eritreu, disseLink externo o governo suíço em 2022, em resposta a questionamentos do Parlamento. Não se sabe quantos eritreus apoiam Afewerki, mas, ainda de acordo com o governo suíço, a maioria deles chegou na Suíça antes de 1993.
Os membros dessa geração mais velha ainda consideram o presidente um herói e guerreiro da liberdade, escreveuLink externo o NZZ Magazin. Aqueles que chegaram na Suíça nos anos 2000, por outro lado, veem as coisas de uma maneira diferente, tendo experimentado a vida sob o governo de Afewerki. Eles argumentam que os festivais culturais eritreus organizados na Europa são “eventos de propaganda” utilizados para arrecadar doações para o governo. No ano passado, um festival desse tipo, realizado no cantão do Valais, contou com a presença de funcionários de alto escalão vindos da Eritreia, com o embaixador eritreu atuando como anfitrião do evento, relatou o NZZ.
Um festival eritreu estava marcado para sábado passado no cantão de St. Gallen, mas foi cancelado pelos organizadores devido ao alto risco de violência. Muitos dos participantes a favor do governo teriam ido então para OpfikonLink externo, onde entraram em confronto com opositores. Um festival semelhante havia sido planejado em Rüfenacht, perto de Berna, mas também foi cancelado por razões de segurança, informou a Keystone-SDA.
Além dos confrontos violentos ocorridos no final de semana passado em Bergen, na Noruega, e em Tel Aviv, em Israel, outros confrontos já haviam irrompido anteriormente em Estocolmo, capital da Suécia, e na cidade de Giessen, na Alemanha. A maioria desses incidentes ocorreu nos arredores de festivais eritreus, com dezenas de feridos relatados em cada caso. O risco de violência decorrente desses eventos é tão grande que os Países Baixos os proibiram.
Okbaan Tesfamariam, porta-voz da EMBS, disse à Keystone-SDA que o aumento da violência é resultado do número crescente de festivais que estão sendo organizados como parte da chamada “turnê de propaganda”. As tensões entre opositores e apoiadores de Afewerki vêm se acirrando há décadas, acrescentou, e muitos eritreus se sentem pressionados a doar dinheiro para o regime.
A SWI swissinfo.ch entrou em contato com a embaixada da Eritreia em Genebra solicitando um comentário sobre essas alegações, mas não obteve resposta.
Funcionários de alto escalão dialogam
O governo suíço, por sua vez, disse em 2022 que pode apenas “supor que […] festivais organizados de forma privada frequentemente representam uma fonte de arrecadação de moeda estrangeira para o governo eritreu”, mas que não tinha informações sobre quanto dinheiro era arrecadado nesses eventos e enviado para a Eritreia. Ele também indicou que não havia base legal para retirar o asilo de eritreus que optassem por participar de eventos pró-governo, como havia sugerido um parlamentar do Partido Liberal Radical (direita liberal).
Ainda assim, Berna não ficou imune a críticas. Depois de 2016, o governo deixou de conceder asilo apenas com base no fato de os eritreus terem deixado o seu país ilegalmente, uma política que foi apoiada pelo Tribunal Federal, mas criticada por grupos de refugiados. O tribunal também decidiu que o recrutamento iminente na Eritreia não impedia, em tese, a deportação de alguém que teve seu pedido de asilo rejeitado.
Os suíços também foram criticados por se encontrarem com Yemane Gebreab, conselheiro especial do presidente eritreu – e supostamente o segundo homem mais poderoso da Eritreia –, quando ele viajou para a capital suíça em outubro de 2021. Lá, ele se reuniu com a secretária de Estado, Livia Leu, e o então chefe da Secretaria de Migrações, Mario Gattiker. O Ministério das Relações Exteriores disse ao NZZ que os suíços haviam levantado “urgentemente” a necessidade de cumprir o direito humanitário internacional no contexto da guerra no Tigré.
Mas, durante a reunião, os suíços também levantaram a questão dos retornos forçados. A Suíça não tem conseguido realizar as deportações porque a Eritreia se recusa a aceitar retornos não voluntários de qualquer país, situação que persiste apesar das intervenções em alto escalão da Suíça.
(Adaptação: Clarice Dominguez)
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