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Filhos da resistência alemã em visita à Suíça

A fotografia no documento de viagem de Alfred von Hofacker. Alfred von Hofacker

Um capítulo suíço desconhecido na história da tentativa fracassada de assassinar Adolf Hitler em 1944 foi reaberto há pouco tempo.

Quando Claus von Stauffenberg no filme Valkyrie – interpretado pelo ator americano Tom Cruise – é executado, a câmara volta ao passado para mostrar uma cena de despedida de sua família. Mas o que aconteceu com as viúvas e crianças de muitos dos conspiradores executados pelos nazistas?

Até então desconhecido para os historiadores, dezenas de filhos dos membros executados da resistência alemã foram levados à Suíça no final dos anos de 1940 para recuperarem a saúde.

Quarenta deles retornaram no início de outubro passado para visitar as famílias no cantão de Berna que os acolheram e rever um abrigo de crianças nos Alpes bernenses, onde muitos foram atendidos.

“Quando nos reunimos na primeira noite para falar das nossas lembranças da Suíça como crianças entre 1947 e 1948, percebemos quantas emoções ainda temos e como somos gratos quando pensamos naquela época”, declara Hans-Manfred Rahtgens, presidente da associação que representa o grupo.

Rahtgens nasceu apenas poucos meses antes de seu pai, Karl-Ernst Rahtgens, ter sido executado e quase não tem recordação alguma dos tempos que passou na Suíça aos três anos de idade.

Mas as lembranças dos outros que eram mais velhos revelam quão traumatizados ficaram vários deles.

“Era terrível escutar tiros. E então eu me rastejava para baixo da cama e gritava ‘mamãe, mamãe, me ajuda, os russos estão chegando'”, conta Mechthild von Kleist, para descrever o medo que tinha ao ouvir as manobras de exercício dos soldados suíços no campo vizinho. Ela chegou mesmo a se recusar a sair debaixo da cama por dois dias.

Campo de concentração

Em 1944, durante as atividades dos conspiradores, Alfred von Hofacker testemunhou como sua mãe e seus irmãos mais velhos foram levados para um campo de concentração. Ele próprio foi levado a uma casa sem saber o que havia acontecido com eles e temia acabar em outro lugar, quando soube que iria fazer uma viagem à Suíça.

“Estava tão surpreso de ser recebido por uma família com uma criança na minha idade. Rapidamente nos tornamos amigos”, revela von Hofacker à swissinfo.ch

Esse amigo era Thüring von Erlach. “Eu sabia que seu pai havia sido executado. Isso me impressionou bastante. A gente não falava do assunto intencionalmente, pois sabíamos que ele estava conosco para recuperar suas forças”, diz.

O padrinho de von Erlach era Albert von Erlach, o controverso médico bernense e coronel, que usou suas conexões nos setores dos aliados na Alemanha ocupada e na Suíça para organizar a viagem suíça.

Simpatizante do nazismo

Ao lado do seu amor pelas crianças (o próprio von Erlach não teve filhos), não está claro porque um homem intimamente associado com grupos suíços simpáticos à Alemanha nazista iria ajuda os filhos dos oponentes de Adolf Hitler.

É provável que von Erlach tenha se inspirado no esforço helvético de pós-guerra na Alemanha, do qual fazia parte também a vinda de 44 mil crianças desnutridas e doentes à Suíça, onde iriam se recuperar.

Rahtgens lembra que os filhos dos resistentes provavelmente não teriam se qualificado para participar do programa frente às regras restritas da Suíça, voltada apenas para os meninos e meninas mais necessitados.

Mesmo se os Rahtgens, os von Hofackers e outras crianças dos membros da resistência cresceram em lares abonados na Alemanha, suas mães ficaram rotuladas como traidoras até 1952, lhes impossibilitando de receber rações alimentares ou moradia.

“A ajuda promovida pelos von Erlach não se enquadrava no amplo programa de ajuda, pois a Suíça havia elaborado critérios muito específicos sobre quem deveria ser beneficiado. Um dos principais era que questões políticas não deveriam ser levadas em consideração”, lembra o historiador alemão Markus Schmitz.

“O tratamento das crianças da resistência era bastante incomum dentro de todo o esforço suíço de ajuda pós-guerra. Talvez tenha sido essa uma razão para explicar o pouco interesse dos historiadores”, acrescenta.

Destaque

O retorno dessas pessoas à Suíça sessenta anos depois culminou com a visita ao antigo abrigo infantil no povoado de Habkern, nas cercanias de Interlaken, cidade turística nas proximidades dos Alpes bernenses.

Representantes do governo local estavam no local para receber a comitiva alemã, assim como von Erlach e duas mulheres que trabalharam no abrigo naquela época.

Para von Erlach, rever seu amigo de infância deu-lhe a impressão de que este nunca havia partido.

Um dos mais idosos ex-funcionários abraçou uma mulher, da qual lembrava ainda o nome. Ela contou-lhe suas lembranças e de outros “bem comportados filhos da resistência”.

De acordo com Rahtgens, o principal objetivo da associação que representa essas pessoas é de “informar a juventude de hoje”.

“Precisamos contar a eles o que nossos pais fizeram e porquê eles o fizeram. Sua resistência chegou muito tarde e foi um fracasso. Mas enfrentar esse regime desumano foi algo extremamente corajoso.”

“Se tivermos sucesso em convencer nossos filhos de que a integridade e o respeito do Estado de Direito são objetivos que valem a pena ser seguidos, estaremos seguros de saber que eles nunca serão forçados a tomar as decisões tomadas por eles”.

Dale Bechtel, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

Devido à sua neutralidade, a Suíça não participou da operação de assistência e reabilitação das Nações Unidas para a Europa devastada pela guerra, como explica o historiador alemão Markus Schmitz.

Ao contrário, a Suíça criou seus próprios programas. Na Alemanha foram construídos “vilarejos suíços” para abrigar e alimentar crianças órfãs ou abandonadas. As rações alimentares incluíram frutas frescas, pão, chocolate e até produtos tradicionais do país, como Ovomaltine. Centenas das crianças mais doentes foram levadas à Suíça para recuperar sua saúde. Também livros foram enviados às bibliotecas de universidades alemãs.

Schmitz afirma que a Suíça estava interessada em uma Alemanha pós-guerra estável por várias razões: era essencial para os interesses de segurança do país frente ao medo da influência crescente da União Soviética na Europa central. A Alemanha era, também, um dos mais importantes parceiros comerciais da Suíça, além de compartilhar a cultura comum através da língua germânica, assim como a Áustria.

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