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‘O medo de ser obrigado a deixar a Suíça está crescendo’

Bern
A Suíça tem cerca de 25% de estrangeiros. © Keystone / Gaetan Bally

"Entre os imigrantes, a pandemia tem aumentado o medo de perder o visto de residência", observa Francesca Chukwunyere. Para a especialista em integração, enquanto a crise econômica causada pelo coronavírus perdurar é necessário suspender os procedimentos legais que ligam a Lei de Imigração com as políticas de assistência social.

A etnóloga é vice-diretora da isaLink externo, o Centro Especializado em Imigração em Berna. Ela conhece bem as transformações e os problemas que a comunidade imigrante está enfrentando hoje devido às emendas à Lei de Estrangeiros e Integração (LEI) e à crise econômica provocada pela pandemia, que foi o tema desta entrevista:

swissinfo.ch: Qual é a maior preocupação hoje entre os estrangeiros que pedem conselhos no centro isa?

Francisca Chukwunyere: Cair na pobreza e o medo de ter que sair da Suíça por isso. A pandemia acentuou uma situação já existente: a nova Lei de Estrangeiros e Integração (LEI) vincula os auxílios sociais com a possibilidade de perder a autorização de permanência no país.

Com as mudanças na lei, temos uma situação que faz com que muitas pessoas não solicitem ajuda social por medo de colocarem sua autorização de residência em risco.

Francisca Chukwunyere
Francisca Chukwunyere (58) nasceu em Berna, como cidadã alemã. Aos 20 anos de idade, ela se tornou cidadã suíça. Há 20 anos ela trabalha em questões de imigração, também como chefe do centro de aconselhamento “isa” para estrangeiros em Berna, e em 2019 tornou-se membra do conselho municipal de Berna. swissinfo.ch

swissinfo.ch: A quem você está se referindo especificamente?

Estou me referindo àquelas pessoas que nossa sociedade emprega em condições de trabalho relativamente precárias, ou seja, uma grande parte da comunidade estrangeira que tem trabalhos temporárias ou renda mínima – famílias que necessitam de dois salários para alimentar seus filhos.

Elas são dupla e triplamente afetadas pela pandemia. São as primeiras a serem demitidas ou terem seu horário de trabalho significativamente reduzido. Por exemplo, uma mãe solteira que trabalha em um caixa e recebe por hora. Ou um pedreiro que tem um salário baixo.

São imigrantes que agora vivem o medo de perderem seus vistos de residência na Suíça.

swissinfo.ch:Como os imigrantes evitam esse risco no meio de uma crise econômica?

F.C.: Alguns evitam receber qualquer tipo de benefício social, não apenas um complemento de salário, mas também os benefícios suplementares – como descontos para seguro de saúde ou ajuda para o cuidado de crianças para os quais as pessoas de baixa renda têm direito. Esses pagamentos podem ser considerados como ajuda social em alguns cantões, embora isso não seja a norma.

A situação tem gerado uma grande insegurança entre os estrangeiros. Eles não querem fazer nada de errado ou correr riscos porque, para a maioria deles, manter o direito de permanência é sua maior prioridade.

Não devemos esquecer que, desde janeiro de 2019, os serviços de ajuda social são obrigados a comunicar os nomes das pessoas que recebem assistência social ou uma ajuda complementar às autoridades da imigração. E dependendo da situação de um indivíduo, as autoridades podem resolver reter o visto de residência ou substituir uma autorização de residência permanente por uma autorização anual. A mudança na lei afeta até mesmo os estrangeiros que vivem na Suíça há mais de 15 anos.

swissinfo.ch: Com base na lei atual, a sua organização pode fazer algo para amenizar esse problema?

F.C.: Temos que explicar repetidamente o que é permitido pela lei e o que não é. Entretanto, nem sempre temos certeza do que é permitido, porque a nova lei deixa muito espaço de manobra para os municípios e cantões. Há circunstâncias que não são regulamentadas até o último detalhe. E a lei pode ser interpretada de diversas maneiras.

Até agora, poucos casos foram tratados pelo Tribunal Federal Suíço. Portanto, também existe alguma incerteza jurídica para nós. Nem sempre temos 100% de certeza de que o que pensamos ter entendido é válido. O mesmo vale para os colegas de outros centros consultivos e serviços sociais.

swissinfo.ch: O que proporcionaria mais clareza?

F.C.: Haverá clareza somente quando os casos chegarem ao tribunal. E isto é difícil, porque se um estrangeiro leva uma autoridade de imigração ao tribunal, então ele está, de certa forma, desafiando o estado que o acolheu.

Acreditamos que é absolutamente essencial suspender a ligação entre os vistos de residência, as políticas de bem-estar social e a Lei de Imigração, até que a crise causada pela pandemia tenha terminado.

Além dos efeitos da assistência social sobre as autorizações de residência, a legislação civil suíça estabelece (desde 2018) que qualquer pessoa que tenha recebido assistência social nos três anos antes do pedido de naturalização ou que receba assistência social enquanto sua solicitação de cidadania estiver sendo processada, não atende ao padrão exigido de participação na vida econômica, a menos que a assistência social seja reembolsada integralmente (Art.7)

A maioria dos 26 cantões segue esta regra de três anos, exceto Basileia-Campo e a Turgóvia, que a estenderam para cinco anos, e Berna, Argóvia e Grisões, que a elevaram para 10 anos.

Neste contexto legal, e em vista da crise econômica causada pela pandemia, as autoridades federais aconselharam as autoridades cantonais de imigração a levar em conta estas circunstâncias extraordinárias e assegurar que os afetados não sejam prejudicados pela situação.

Em nível federal, uma iniciativa parlamentar apresentada em junho visa alterar a Lei de Estrangeiros e Integração para evitar que pessoas que residam na Suíça há mais de 10 anos sejam forçadas a deixar o país por serem beneficiárias da assistência social.


Adaptação: Clarissa Levy

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