
Suíça investe bilhões por ano em prevenção de catástrofes

Duas décadas após a enchente histórica de 2005, a Suíça mantém um sistema de seguros único que cobre mais de 95% dos imóveis contra desastres naturais. Baseado na solidariedade entre segurados e seguradoras, o modelo suíço serve de referência global em tempos de crise climática.
“O rio Aare se infiltrou nas ruelas e numerosas casas estão alagadas. A água alcançou o primeiro andar das residências”. Assim começava o artigo de um jornalista da Swissinfo, no centro histórico de Berna. O bairro da Matte havia ficado submerso após as chuvas torrenciais que atingiram a Suíça central e oriental nos dias 21 e 22 de agosto de 2005.
A enchente de 2005 é uma das piores catástrofes naturais da história recente da Suíça. Seis pessoas perderam a vida e os danos materiais chegaram a cerca de três bilhões de francos.
“As mudanças climáticas tornam cada vez mais difícil garantir os riscos relacionados a eventos extremos.”
Stefano Ceolotto
Vinte anos depois, as margens do Aare foram parcialmente reforçadas e o bairro de Matte recuperou seu antigo charme. Os reparos em propriedades privadas foram em grande parte cobertos pelo programa de seguro contra desastres naturais exclusivo da Suíça, que pagou 2,3 bilhões de francos.
O risco de outra grande inundação, em Berna, assim como em muitas outras regiões da Suíça, permanece. Inundações, deslizamentos de terra, granizo, incêndios florestais e outros eventos extremos estão se tornando mais intensos e frequentes em todo o mundo devido às mudanças climáticas. E também estão se tornando mais caros.
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Inundações nas cidades se tornam uma questão prioritária para a Suíça
No primeiro semestre de 2025, as perdas globais seguradas por desastres naturais atingiram 80 bilhões de dólares (64 bilhões de francos). Isso é quase o dobro da média para o mesmo período nos dez anos anteriores, de acordo com estimativas preliminares da resseguradora Swiss Re.

“As mudanças climáticas tornam cada vez mais difícil segurar os riscos ligados a eventos extremos, já que eles se tornam mais danosos, mais frequentes e mais variáveis”, afirma Stefano Ceolotto, pesquisador do Centro Euro-Mediterrâneo sobre Mudanças Climáticas.
Alguns seguradores reagem aumentando os prêmios, limitando a cobertura ou deixando de renovar as apólices em locais de alto risco. Nos Estados Unidos, por exemplo, os prêmios de seguro residencial cresceram quase 34%Link externo entre 2018 e 2023. Empresas privadas na Califórnia se recusam a oferecer novos contratos em regiões que consideram sob risco de incêndios.
O sistema suíço de seguros contra catástrofes naturais, por outro lado, parece capaz de absorver até mesmo os eventos mais devastadores, como no caso do deslizamento de terra que, no fim de maio, soterrou o vilarejo de BlattenLink externo, no cantão de Valais. Todas as localidades da Suíça continuam seguráveis, mesmo nas áreas expostas a alto risco de inundações, deslizamentos ou avalanches, afirmamLink externo especialistas do setor entrevistados recentemente pela Rádio e Televisão Suíça de língua francesa (RTS).
As companhias de seguros também desempenham um papel proativo na prevenção de danos, ajudando a limitar os custos causados por desastres naturais. É um sistema único no mundo, que poderia servir de inspiração para outros países.
Solidariedade entre os segurados
A característica especial do sistema suíço é o princípio da dupla solidariedade: todos os segurados e todas as seguradoras assumem o risco juntos.
Na maioria dos cantões suíços, os proprietários de imóveis são obrigados a contratar um seguro com um instituto cantonal de seguros. Trata-se de instituições públicas responsáveis por segurar edifícios contra riscos de incêndio e danos causados por elementos naturais. As taxas são fixadas por lei e baseiam-se no valor do imóvel. Elas não aumentam se o edifício estiver em uma zona de perigo, como perto de cursos d’água propensos a inundações.
O seguro obrigatório cobre uma série de eventos naturais, incluindo inundações, tempestades e granizo, mas exclui terremotos.
As taxas de cobertura são altas mesmo em cantões sem obrigação de seguro cantonal, como o Valais, onde o mercado é administrado por empresas privadas. Também neste caso, todos os proprietários pagam o mesmo prêmio. A taxa é definida pela Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro Suíço (FINMA), um órgão regulador independente. Hoje, mais de 95% do parque habitacional na Suíça está coberto contra desastres naturais.
Essa cobertura é vital. Mais da metade dos edifícios na Suíça correm risco de inundação, de acordo com a Associação Suíça de Seguros (ASS). A população suíça está entre as mais vulneráveis da Europa.
Solidariedade entre seguradoras
Nos cantões com seguro público obrigatório, os danos são cobertos pelas instituições públicas. Nos cantões com cobertura privada, os custos são compartilhados entre as seguradoras, proporcionando um nível adicional de solidariedade que torna o sistema suíço eficaz.
As 12 seguradoras que cobrem mais de 90% do mercado de riscos naturais nas áreas de cobertura privada contribuem para um fundo estabelecido pela ASS (Fundo ESLink externo). Essa associação voluntária teve início em 1936 como forma de otimizar a diversificação e a exposição a riscos.
Após uma catástrofe, as seguradoras do pool do Fundo ES arcam conjuntamente com 80% dos custos, proporcionalmente à sua participação de mercado. Os 20% restantes são suportados pela seguradora que forneceu a cobertura. O pool é um dos motivos pelos quais as seguradoras privadas continuam a oferecer apólices em áreas de alto risco, mesmo quando a cobertura não é exigida por lei.
“Este sistema garante prêmios acessíveis e sustentabilidade da cobertura contra riscos naturais, mesmo em áreas onde o risco está acima da média”, explica Eduard Held, diretor do pool ES.
Entre 1970 e 2023, as seguradoras participantes do pool pagaram cerca de sete bilhões de francos em indenizações. Na enchente de 2005, as indenizações a seguradoras privadas somaram mais de um bilhão de francos, com o restante pago por instituições públicas.

Baixa lacuna de seguro na Suíça
Em muitos outros países, como Itália, Japão e Estados Unidos, o seguro contra riscos naturais é opcional. Muitas vezes é administrado por empresas privadas e não está incluído em outros tipos de apólice.
Isso contribui para ampliar a chamada lacuna de proteção securitária, ou seja, a parcela de perdas não coberta por uma apólice. Uma lacuna elevada reduz a capacidade financeira de uma região – e da economia – de se recuperar após um desastre.
A lacuna de seguro para catástrofes naturais na Suíça era de 26% em 2024, segundo os dados mais recentesLink externo da Swiss Re. Isso significa que, a cada 100 francos em danos, 26 não estão segurados. É a menor proporção, junto com a do Reino Unido (22%), entre os 13 países considerados. A média mundial é de 43%.
Aprendendo com o modelo de seguro suíço
As seguradoras querem que os clientes paguem prêmios proporcionais ao seu risco, disseLink externo Eugenia Cacciatori, professora associada da Bayes Business School, em Londres, ao jornal The Guardian. “Mas isso cria problemas, porque aqueles que correm riscos muito altos tendem a ter dificuldade em obter o seguro de que precisam.”
O modelo em vigor na Suíça poderia ser uma alternativa, afirma Cacciatori. Como as seguradoras não podem aumentar os prêmios de acordo com o risco, elas investem na redução de perdas potenciais. “As seguradoras na Suíça estão fortemente envolvidas em discussões sobre padrões de construção, nas quais as seguradoras de outros países estão apenas começando a se envolver.”
Cacciatori afirma que replicar a abordagem suíça em países com sistemas de seguros consolidados e altamente competitivos é difícil. No entanto, ela ressalta que alguns aspectos poderiam ser considerados, como o compartilhamento de expertise entre as seguradoras e o incentivo à promoção conjunta da prevenção e da redução de riscos.
“A melhor proteção contra danos é a prevenção.”
Dominic Ramel, Mobiliare
“O sistema suíço se configura claramente como um dos mais eficientes da Europa”, afirma à Swissinfo Stefano Ceolotto. O elemento mais admirável é a colaboração entre o setor de seguros e os governos locais e nacional, por exemplo, no planejamento territorial e na elaboração de mapas de risco, ressalta.
“Esse envolvimento do setor de seguros para além da simples oferta de cobertura é o que outros países deveriam buscar replicar e incentivar”, sustenta Ceolotto.
Melhor proteção é a prevenção
A enchente de agosto de 2005 foi “um ponto de virada” para o setor de seguros suíço, afirma à Swissinfo Dominic Ramel, porta-voz da Mobiliare, a mais antiga seguradora privada da Suíça. “Desde então, investimos muito em prevenção.”
Desde o evento de 2005, a colaboração entre os cantões foi significativamente reforçada, “por exemplo, por meio de dias dedicados à segurança e de exercícios conjuntos”, destaca a ASA. Os mapas de risco foram atualizados e novas técnicas de avaliação foram aplicadas aos locais mais expostos.
Na Suíça, o setor público e o privado investem, juntos, cerca de 3 bilhões de francos por ano em medidas de prevenção contra riscos naturais. Hoje, graças a essas iniciativas e às novas pesquisas, os danos causados pela enchente de 2005 seriam um terço menores, segundo a ASA. “A melhor proteção contra os danos é a prevenção”, resume Dominic Ramel.
Edição: Gabe Bullard/Vdv
Adaptação: DvSperling

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