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O seu país tem comida suficiente para resistir a uma crise?

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Trabalhadores descarregam trigo nos silos de grãos de Banha, na província de Qalyubia, Egito, em 25 de maio de 2022. O Egito, maior importador de trigo do mundo, foi forçado pela guerra na Ucrânia a mudar radicalmente sua estratégia e a depender mais da colheita local do cereal como forma de reduzir sua dependência externa. EPA/KHALED ELFIQI

Mesmo com o aumento de incidentes de abrangência global, de guerras a colapsos climáticos, poucos países mantêm estoques públicos de alimentos. A Suíça segue entre o pequeno grupo dos governos que investem em segurança alimentar.

Após alguns anos de colheita ruim devido à baixa precipitação, o Iraque agora tem reservas suficientes de trigo. As reservas de grãos do país estão em 5,5 milhões de toneladas e são suficientes para abastecer o mercado interno por um ano. No entanto, o país tem um ponto fraco: ainda importa farinha de trigo, pagando cerca de US$ 750 milhões (CHF600 milhões) por ano, já que não tem silos e moinhos suficientes para armazenar e processar seu trigo. Agora, esse é um problema que o governo iraquiano quer resolver. 

Em 19 de junho, o primeiro-ministro Mohammed Shia Al-Sudani inaugurou um projeto de moinho de farinha do Grupo Etihad na província central de Babil, que produzirá um milhão de toneladas de farinha premium por ano, dando conta de metade da demanda do país.   

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O primeiro-ministro do Iraque, Mohammed Shia Al-Sudani, inaugura o moinho de farinha do Grupo Etihad na região central de Babil, em 19 de junho de 2025. Etihad Group

O moinho reúne seis linhas de produção de farinha fornecidas pela empresa suíça de tecnologia Bühler. A gigante do processamento de alimentos fabrica máquinas para processar grãos, leguminosas, cacau e café consumidos por dois bilhões de pessoas todos os dias. Atualmente, a Bühler está observando a demanda por redes de segurança alimentar crescer em todos os lugares, mas especialmente no Oriente Médio e na África. 

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“A Milling Solutions, a maior área de negócios da Bühler, registrou um crescimento de dois dígitos no volume de negócios (CHF 725 milhões, US$ 910 milhões, +17,1%), atingindo um recorde devido à demanda global por grandes projetos de processamento de grãos, incluindo muitas instalações novas”, diz o relatório anual da Bühler para 2024. 

Somente nos últimos dois anos, a empresa suíça garantiu mais de 150 projetos de moagem de trigo que somam 30.000 toneladas de capacidade de moagem por dia – o suficiente para alimentar 60 milhões de pessoas. 

“Há vários fatores que estão se somando. Em primeiro lugar, há uma população em rápido crescimento em países como Nigéria, Paquistão e Indonésia, e seus governos precisam de alguma forma alimentar seus cidadãos”, disse Thomas Widmer, chefe da unidade de negócios de manuseio de grãos da Bühler à Swissinfo. “O segundo fator que acelerou a demanda por nossos produtos foram eventos mundiais como a pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia e o bloqueio do Canal de Suez pelo navio porta-contêineres Ever Given por seis dias”. 

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Uma imagem de satélite mostra vários rebocadores posicionados ao lado do “Ever Given” e operações de dragagem em andamento, no Canal de Suez, Egito, em 27 de março de 2021. EPA/MAXAR TECHNOLOGIES

Com 400 metros de comprimento e 220.000 toneladas de peso, o Ever Given é um dos maiores navios porta-contêineres do mundo. Em 23 de março de 2021, o gigantesco navio operado por uma empresa taiwanesa encalhou devido aos fortes ventos de uma tempestade de poeira e ficou preso em uma parte estreita do Canal de Suez, bloqueando completamente a hidrovia. Nos seis dias que foram necessários para removê-lo, a interrupção do tráfego do Canal de Suez afetou diretamente 0,3% do comércio global de mercadorias.  

Cadeias de suprimentos vulneráveis

De acordo com o Think tank britânico Chatham House, cerca de 15% do comércio global de grãos passa pelo Canal de Suez. A dependência de tais “pontos de estrangulamento marítimo global” está tornando as cadeias de suprimento de alimentos mais vulneráveis.

“O tráfego pelos canais do Panamá e de Suez – artérias críticas do comércio global – caiu mais de 50% em meados de 2024, em comparação com os picos registrados. O declínio foi impulsionado pelos baixos níveis de água e pela eclosão de conflitos na região do Mar Vermelho que afetaram o Canal de Suez”, Link externoafirma um relatórioLink externo da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD).

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Levar as quantidades certas de alimentos para os lugares certos no momento certo está se tornando mais complicado. Para lidar com as incertezas, as reservas estratégicas de grãos (SGRs) estão se tornando mais vitais para a segurança alimentar, Link externoaponta um relatório recenteLink externo publicado em conjunto pelo Banco Mundial, pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e pelo Programa Mundial de Alimentos da ONU em abril.

As reservas estratégicas de grãos são definidas como “estoques de propriedade pública de grãos alimentícios mantidos em antecipação a episódios de insegurança alimentar aguda causados por interrupções no comércio e na cadeia de suprimentos”. Elas podem ser usadas para aumentar o suprimento de alimentos no mercado durante interrupções de curto prazo no comércio e na cadeia de suprimentos. Os SGRs também podem ser uma fonte provisória de grãos para programas de assistência alimentar durante interrupções no abastecimento e assumir a forma de estoques de distribuição pública ou estoques emergenciais de alimentos. 

Até mesmo os países ricos começaram a demonstrar interesse nos SGRs depois que seus consumidores enfrentaram o aumento dos preços dos alimentos no início da guerra na Ucrânia. A Noruega, que encerrou os estoques de armazenamento de grãos em 2005, começou a estocar 30.000 toneladas de grãos em 2024 e 2025. O país gasta 63 milhões de coroas (CHF5 milhões) anualmente no armazenamento de grãos para seus 5,6 milhões de habitantes por meio de contratos assinados com empresas privadas.

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“Agora vemos muitas iniciativas políticas e estratégicas para, mais uma vez, proteger reservas estratégicas de grãos em todo o mundo”, diz Widmer.

A Suíça vem mantendo estoques compulsórios de alimentos desde a Guerra Fria. Em qualquer momento, o país deve ter um estoque de três a quatro meses de trigo para pão, trigo duro, arroz, açúcar, óleos e gorduras de cozinha e até mesmo café. Cerca de 100 empresas, como moinhos de farinha, são compensadas por manter os estoques que custam CHF 7 por ano por residente. 

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Outros países ricos com reservas estratégicas de alimentos são a Coreia do Sul, o Japão e a Arábia Saudita. Mas a maioria das 30 nações com estoques públicos ativos de alimentos são países de renda média-baixa que dependem da importação de produtos básicos, como o trigo. A participação dos alimentos nas despesas domésticas pode variar de cerca de 20% na Indonésia a mais de 50% em Gana.  

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Preparando-se para o pior 

“Todos os países têm alguma reserva de alimentos e até mesmo lugares como o Iêmen terão algumas. Depois, é uma questão de saber quem está cuidando desses estoques e quem terá acesso a eles”, diz Monika Tothova, economista sênior da divisão de comércio e mercados da FAO. 

De acordo com Tothova, as reservas estratégicas de grãos não são um mecanismo para manter os preços dos alimentos sob controle ou alimentar a todos durante uma emergência. Em vez disso, elas costumam ser pequenas e atender a uma pequena parte da população por um período limitado. 

“Se você for um país rico do Golfo, provavelmente poderá atender a todos com suas reservas estratégicas”, diz ela. “Mas para os países mais pobres, as reservas estratégicas são pequenas e, se realmente houver uma emergência, você poderá liberar esses estoques para a população mais necessitada.”

A manutenção de reservas de alimentos é cara e logisticamente complexa. Grandes quantidades devem ser adquiridas, armazenadas com segurança e protegidas por longos períodos. Os grãos, por exemplo, podem ser armazenados por décadas se manuseados corretamente, pois não têm prazo de validade fixo. No entanto, as más condições de armazenamento podem levar a infestações – ratos, insetos e umidade podem comprometer o estoque ao longo do tempo, causando perdas significativas.  

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Controle de qualidade dos grãos armazenados sendo realizado no silo 2 da Rhenus Logistics em Basileia. É uma das cerca de 100 empresas responsáveis pelo armazenamento das reservas alimentares obrigatórias da Suíça. Keystone / Georgios Kefalas

Em 2024, a Suíça investiu CHF 60,3 milhões em pagamentos a empresas privadas para armazenar estoques obrigatórios. Outros países podem optar por investir em instalações de armazenamento e moagem para reduzir os custos ou devido à falta de parceiros do setor privado. Empresas como a Bühler, que fornecem esse tipo de solução, devem adaptar suas ofertas às condições locais para obter contratos com o governo. 

“Um silo ou moinho de farinha administrado pelo governo opera de forma diferente de uma empresa privada especializada que atende a um nicho de mercado. Isso se deve, em parte, ao fato de o tipo de farinha produzida ser moldado pelos hábitos alimentares locais – a farinha não é um produto padronizado globalmente, pois as preferências alimentares variam muito de uma região para outra”, diz Widmer, da Bühler.

A Bühler pode levar de 12 a 18 meses para montar uma instalação de armazenamento e moagem de última geração, dependendo do fato de o local já ter sido preparado com antecedência. 

“O que todos eles têm em comum é que, uma vez tomada a decisão de investir em infraestrutura, ela precisa ser construída rapidamente, entrar em operação rapidamente e ser realmente lucrativa o mais rápido possível”, acrescenta Widmer.  

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Um hangar usado para armazenar grãos fica danificado após um ataque com foguetes em Pisochyn, perto de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, em 26 de fevereiro de 2024. EPA/YAKIV LIASHENKO

E quanto aos países que não têm nenhuma reserva estratégica de alimentos ativa? Tothova, da FAO, recomenda enfaticamente a diversificação das fontes de importação. De acordo com o último relatório  semestral Link externoFood Outlook da FAOLink externo, de junho de 2025, 40 importadores líquidos de trigo dependiam da Rússia e da Ucrânia para 30% de suas necessidades de importação de trigo em 2021. Em 2024, 40 importadores líquidos de trigo dependiam dos dois países em guerra para 49% de suas necessidades de importação de trigo. Por exemplo, a Armênia, a Geórgia e a Mongólia dependiam totalmente das importações russas, enquanto a Turquia, o Paquistão e Israel compravam a grande maior parte de seu trigo da Ucrânia e da Rússia. 

“Não coloque todos os seus ovos na mesma cesta, porque foi isso que aconteceu em 2022. Depois que a guerra começou na Ucrânia, os países começaram a entrar em pânico sobre de onde iriam obter seus suprimentos”, diz Tothova. 

Edição: Virginie Mangin/fh

Adaptação: Clarissa Levy

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