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“Os suíços são como um cacho de cocos”

O autor Diccon Bewes tenta explicar a Suíça através de um desenho feito à mão. swisswatching.com

Como é possível garantir a desgraça social na Suíça? O que é a agitação de Interlaken? E por que os suíços parecem mais com um cacho de cocos? O livro escrito por um imigrante britânico dá respostas a essas questões.

Em “Observando os Suíços”, o autor Diccon Bewes oferece um “divertido e informativo” guia sobre o país dos Alpes, sua morada nos último cinco anos, e seus habitantes.

O ex-jornalista de viagens, de 42 anos, hoje chefe da seção inglesa da livraria Stauffacher em Bern, conta à swissinfo.ch como ele teve a ideia de escrever o livro.

“Eu adoraria dizer que já estava planejando fazer esse trabalho desde que me mudei para cá, mas estaria mentindo. Agora que vivo na Suíça não minto mais, obviamente…”

De fato, o germe da ideia foi plantado durante uma conferência de escritores de Genebra, realizada em fevereiro de 2008.

“Estava pensando em escrever um romance, mas por curiosidade acabei me inscrevendo em uma oficina de texto para escritores de relatos de viagem. No primeiro exercício tínhamos de escrever sobre choque de culturas”, revela (ouça o áudio em inglês na coluna à direita).

“Eu escrevi sobre uma das minhas primeiras semanas na Suíça, quando havia uma semana ‘Heidi’ no McDonald’s. Isso para mim é o que considero a Suíça hoje em dia: utilizar a personagem Heidi para vender uma marca americana. Essa passagem praticamente não foi modificada.”

As outras 300 páginas da obra são uma mistura de resumo de temas de política e história, relatos de viagens e antropologia social (conhecido também como observação de pessoas), tudo escrito de uma forma espirituosa, muito próxima do estilo sarcástico do escritor americano Bill Bryson. Para ouvir um trecho, clique no áudio no canto superior direito.

“É a Suíça real por trás dos clichês e além dos estereótipos. Todo mundo conhece o chocolate suíço ou a Heidi. Mas todo mundo acha também que os suíços são pessoas conservadoras, monótonas e sem humor”, diz.

“Espero que o livro mostre uma Suíça vista aqui de dentro, mas descrita por alguém que possa ter outra perspectiva e perceber todas as pequenas coisas que são interessantes para mim, como a nota de mil francos (870 dólares)!”

Dicas

Na realidade, qualquer pessoa que viveu na Suíça por um certo tempo irá se descobrir rindo e fazendo graça com várias das precisas observações: o Festival Eurovisão da Canção – a “única situação em que estrangeiros podem votar na Suíça”; “Rivella – a ‘marmite’ (calda amarga para passar no pão) das bebidas gaseificadas”.

Por que existem tão poucos programas sobre construção de casas na televisão suíça quando os canais britânicos estão cheios deles? Resposta: atualmente raros são os suíços proprietários das suas próprias casas.

E a agitação de Interlaken? Interlaken – “a Junção Clapham da Suíça (em alusão à estação de Clapham Junction, uma estação que pertence ao sistema de metropolitano da cidade de Londres) – onde os habitantes das cidades ao pé das montanhas têm de mudar de plataformas – e tem cerca de cinco minutos para negociar com massas de esquiadores que estão fazendo exatamente a mesma coisa…

Cada capítulo termina com uma “dica de observação da Suíça”, como a de se comportar em um domingo ou encontrar e saudar suíços (em uma festa, para evitar desgraças sociais como “tudo o que você precisa fazer antes de qualquer coisa e que inclui pegar algo para beber: apresentar-se a todos, não importando quanto tempo isso leve”).

Bewes afirma ter três leitores em mente: estrangeiros vivendo na Suíça e que desejam conhecer mais sobre o país, fãs de literatura de viagem e que talvez nunca tenham visitado a Suíça e os próprios suíços.

“Muitos deles leem em inglês e estão curiosos por saber o que as pessoas pensam dos nativos”, revela.

Burocracia

“Observando os Suíços” é bastante divertido e muito bem pesquisado – várias notas de rodapé fazem referência à swissinfo.ch, apesar de alguns não britânicos poderem se perder no meio das referências culturais próprias como Vicky Pollard, Ronnie Biggs e Dad’s Army.

Além disso, a obra não é tão crítica. “Para mim não existem muitas razões para ser crítico, embora não deixe de dar minhas pontadas em coisas que considero aborrecidas, muito mais do que horrorosas, como a burocracia. Isso é algo que me deixa louco.”

E ele diz no seu livro: “Burocracia suíça (red tape, ou ‘banda vermelha’) faz tudo parecer rosa”.

“Um exemplo é a exclusão de estrangeiros e imigrantes por 12 anos (até que eles possam pedir a naturalização). Você não tem direitos políticos por 12 anos”, ressalta.

“Incluí aspectos que vejo de uma maneira crítica. Mas esta não é para arrasar, pois não quero que seja vista como uma crítica destrutiva. Muitas coisas aqui são realmente boas. A democracia popular e o governo de coalizão são ideias fantásticas.”

Ele admite, porém, que a Suíça também tem seus defeitos. “Muito tem a ver com uma parte da sociedade que é, de certa forma, xenófoba como ficou demonstrado no voto do minarete (em novembro passado, 58% dos eleitores suíços votaram pela interdição da construção de minaretes no país) e outra parte que é bastante conservadora em relação a algumas coisas. Porém, a lei de parceria gay foi aprovada sem nenhum problema…”

Contradições

Bewes destaca outras surpreendentes contradições suíças, como o fato de ser um país neutro, mas também um grande exportador de armas.

“Penso que é o tipo de coisa que, a não ser que você viva aqui, a maioria não sabe que existe. Eu não tinha nenhuma ideia que o país fazia tanto dinheiro exportando a morte. Eles iriam dizer que ‘elas’ não são utilizadas em guerra, mas se o Paquistão é o seu comprador número um, essas armas muito certamente não ficam guardadas em um armazém em Islamabad”, retruca.

“É bonito de certa forma ver como eles são ingênuos e, do outro lado, dissimulados. É como todas aquelas histórias em relação ao ouro dos nazistas, que eu não tratei com profundidade, pois já foi tema de tantos livros. Mas isso mostra como os suíços conseguem jogar as coisas embaixo do tapete.”

Outro exemplo disso é, em sua opinião, a maneira como os suíços resguardam furiosamente a sua privacidade.

“Muitos dos meus amigos suíços nunca fazem amizades com seus colegas de trabalho. Não existe aquela saída de sexta-feira em um pub como costumamos fazer em Londres”, lamenta.

E isso explica porque os suíços são como cocos. Não é que eles seriam pequenos e cabeludos e que você quer bater nele. Ao contrário: é muito mais pelo fato de ser difícil de romper sua casca exterior e entrar na esfera privada. Mas a partir do momento que você conseguir fazê-lo, então tem um amigo para toda vida.

Já as sociedades anglo-saxônicas são como pêssegos – cada estranho é um potencial amigo – embora os britânicos, ele admite, são possivelmente mais parecidos com abacaxis: um pouco espinhosos no início, porém mais fáceis de atravessar do que uma casca de coco.

“Em todo caso, abacaxi e coco dão uma excelente piña colada.”

Thomas Stephens, swissinfo.ch
(Adaptação: Alexander Thoele)

Diccon Bewes cresceu em Hampshire, Inglaterra.

Ele se formou em relações exteriores no London School of Economics (LSE).

Uma odisséia ao redor do mundo de 18 meses trouxe inspiração para começar a escrever sobre viagens.

Depois de dez anos escrevendo para guias e revistas conhecidos como “Lonely Planet” e “Holiday Which?”, o inglês acabou parando na Suíça, onde hoje dirige uma livraria especializada em obras escritas em inglês.

“Swiss Watching” é seu segundo livro. Em 1997 foi co-autor de uma obra (“What Happened Where”) dedicada a temas do século 20.

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