
Giuseppina Antognini, a mecena suíça que amava Milão

Nascida na Suíça, amante da cultura e filantropa discreta, mas incansável: Giuseppina Antognini, a força motriz por trás da Fundação Pasquinelli, deixa um grande legado de obras-primas do século 20 e projetos sociais voltados para o futuro.
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Giuseppina AntogniniLink externo faleceu em 18 de abril, em Milão. Ela tinha 84 anos de idade. Companheira de longa data do empresário e colecionador Francesco Pasquinelli, essa mulher nascida no Ticino marcou profundamente a vida cultural e social de Milão, demonstrando que a filantropia pode ser uma poderosa ferramenta de renovação cívica.
Uma vida entre a Suíça e Milão
Nascida em 1940 em uma família com antigas raízes no Vale de Blenio, no cantão do Ticino, Giuseppina Antognini cresceu ao lado da famosa fábrica de chocolates Cima Norma, que na época pertencia à sua família. O destino a levou para Milão, aonde chegou no início dos vinte anos, depois de concluir sua formação escolar, para se juntar à irmã. O lugar que era para ser apenas uma etapa de sua jornada se tornou sua cidade preferida, onde ela construiria sua vida e seu extraordinário legado.

Foi em Milão que ela conheceu Francesco PasquinelliLink externo (1922-2011), um homem com uma trajetória profissional singular. Formado em música, ele abandonou a carreira no início da década de 1950 para se dedicar aos negócios. Graças à exploração de minas de perlita na Sardenha, Pasquinelli se especializou na área de isolamento termoacústico para construção e indústria. Sob sua liderança, as empresas do grupo (cujas atividades rapidamente se estenderam a outros setores) se estabeleceram nos mercados europeus e norte-africanos, construindo um império industrial que seria vendido por Francesco Pasquinelli a um grupo americano em 1995.
Apesar de ter se mudado para Milão, Giuseppina Antognini sempre manteve um forte vínculo com sua terra natal. Ela retornava regularmente ao Vale de Blenio e, seguindo os passos de seu pai, presidiu o conselho paroquial da cidade de Torre por muitos anos, até 2000.
O nascimento da coleção de arte
Quando Francesco Pasquinelli se aposentou, o casal embarcou em uma aventura cultural compartilhada: a criação de uma coleção de arte que viria a ser uma das mais importantes da Itália. Seguindo os passos do avô de Francesco Pasquinelli, um culto colecionador de arte, eles reuniram grandes obras do século 20, unindo um gosto refinado a uma visão de longo prazo.

Em sua elegante residência no Corso Magenta, rua histórica de Milão, pinturas de Rousseau, Picasso, Modigliani, Klee, Carrà, De Chirico, Miró, Magritte e Chagall dividem o espaço com uma impressionante coleção dedicada ao futurismo italiano, com obras de Balla, Boccioni, Sironi e Severini, formando um núcleo de grande importância para a história da arte italiana do início do século 20.
Uma coleção a serviço do público
“Milão me deu muito, quero retribuir”. Essa frase, lembrada por Alberto Fossati, atual presidente da Fundação Pasquinelli, resume o espírito de Giuseppina Antognini e sua profunda conexão com a cidade.
“Milão me deu muito, quero retribuir”
Giuseppina Antognini
O ano de 2011 marcou um ponto de virada na vida de Giuseppina. Com a morte de seu companheiro, Francesco, ela herdou um patrimônio artístico de valor inestimável. Onde muitos teriam visto um tesouro privado a ser zelosamente guardado, ela enxergou uma oportunidade de devolver à cidade aquilo que recebeu por tantas décadas.
Colecionador apaixonado, Francesco Pasquinelli sempre teve dificuldade de se separar de suas obras. Como Alberto Fossati revela, ele delegou à sua companheira a tarefa de tornar a coleção acessível ao público após sua morte. Uma responsabilidade que Giuseppina Antognini assumiu com grande determinação.
Fundação Pasquinelli: um lugar de cultura e solidariedade
E assim nasceu a Fundação PasquinelliLink externo, hospedada em um espaço de 500 m², completamente renovado, no Corso Magenta. Não se trata de um museu no sentido tradicional, mas de um lugar vivo onde a arte, a música e o compromisso social se entrelaçam em uma ação cultural contínua, concreta e discreta.
As atividades da fundaçãoLink externo se articulam ao redor de três áreas fundamentais: música, arte e engajamento social.
Música
Na área da música, a fundação tem o compromisso de manter vivo o espírito de Francesco Pasquinelli, que foi um talentoso concertista em sua juventude. Esse compromisso também é inspirado no pensamento do maestro italiano Claudio Abbado, que disse: “Fazer música juntos é, de fato, a educação mais eficaz para a vida comunitária, o respeito, a disciplina e, acima de tudo, para ouvir uns aos outros”.
Arte
“A profunda paixão de Francesco Pasquinelli pela arte – que ele cultivava com entusiasmo e uma habilidade rara – está na base das iniciativas artísticas promovidas na sede da fundação. As suas exposições são organizadas para um público atento e curioso, com um foco especial em crianças de ensino fundamental, sobretudo aquelas vindas da periferia de Milão.
Engajamento social
A fundação se propõe a ser uma presença concreta, ativa e responsável no contexto social, oferecendo recursos para apoiar projetos que atendam a necessidades reais. Ela também incentiva o fortalecimento das associações locais, orientando-as no caminho da autonomia e da sustentabilidade organizacional.
Com lucidez e visão, Giuseppina Antognini reuniu importantes figuras do cenário cultural de Milão: Daniela Volpi para repensar os espaços, o historiador da arte Antonello Negri como curador da exposição e a musicóloga Maria Majno para desenvolver uma escola de música voltada para crianças de ensino fundamental, com foco especial em alunos em situação de vulnerabilidade.
Em meio a essa enxurrada de iniciativas, Giuseppina manteve seu estilo discreto, mas eficaz, resumido no lema: “O que me importa é que as coisas sejam feitas, e bem-feitas. Não que as pessoas falem sobre elas”.
‘Novecentopiùcento’
Em 2019, sabendo que não havia herdeiros e preocupada com o destino da coleção, Giuseppina fez um gesto de grande generosidade. Ela se apresentou no gabinete do prefeito de Milão, Giuseppe Sala, com um objetivo claro: doar todo o conjunto de obras para a cidade, com a condição de que fosse realizada a ampliação do Museo del NovecentoLink externo, um projeto que ela mesma descreveu como “absolutamente necessário”. E para provar que suas palavras não eram vazias, ela imediatamente depositou um cheque de 5 milhões de euros.

Esse gesto catalisador deu origem ao projeto Novecentopiùcento, um concurso internacional que visava unir o Secondo Arengario, na Piazza del Duomo, ao já existente Museo del Novecento, criando, assim, um complexo unificado de museus [o Secondo Arengario é um dos dois edifícios idênticos construídos na entrada da Piazza del Duomo. O Museo del Novecento fica no outro edifício]. O concurso atraiu quase 100 escritórios de arquitetura de todo o mundo e foi vencido pela Calzoni architetti. O objetivo do projeto vencedor é alcançar uma síntese arquitetônica entre os dois edifícios gêmeos do Arengario de Milão, formando um único organismo.
Assim, o sonho de Giuseppina Antognini toma forma concreta: dois prédios idênticos unidos em um único museu, destinado a se tornar um dos mais importantes do mundo para a arte do século 20, particularmente no que diz respeito ao futurismo. Quando a obra estiver concluída, o Arengario 2 oferecerá um espaço de exposição de cerca de 4.100 metros quadrados. As duas alas gêmeas do complexo provavelmente serão conectadas por uma impressionante passarela de vidro de 20 metros de altura.

O projeto está atualmente em construção, Giuseppina não poderá ver sua conclusão. “Paciência. O importante é que ele seja concluído”, disse.
A esperança inicial era inaugurar a nova ala do Museo del Novecento até fevereiro de 2026, para coincidir com a abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Milão-Cortina. Infelizmente, é muito provável que esse prazo não seja cumprido.
Patrimônio já disponível
Apesar do longo cronograma do projeto como um todo, parte da extraordinária coleção Pasquinelli-Antognini já está disponível ao público. Obras de Boccioni (“Crepuscolo”, 1909), Severini (“Paesaggio toscano”, 1912-13), Sironi (‘Figura’, 1913), Balla (“Velocità di automobile+luce”, 1913), Savinio (“Jour de réception”, 1930) e De Chirico (“La sala di Apollo”, 1920) entraram definitivamente na exposição do Museo del Novecento, enriquecendo ainda mais (com as obras dos quatro primeiros artistas mencionados) aquela que é considerada a coleção dedicada ao futurismo mais importante do mundo.
O restante da coleção, composta por cerca de 30 obras-primas dos maiores mestres do século 20, formará o núcleo do Arengario 2, a nova ala do Museo del Novecento, concretizando assim o projeto visionário de Giuseppina.
Um legado que vai além da arte
O legado de Giuseppina Antognini transcende sua extraordinária coleção de arte e o museu em construção. Seu verdadeiro legado é uma visão lúcida da cultura como um bem compartilhado, uma ideia concreta e silenciosa de filantropia, enraizada no rigor moral de sua terra natal e amadurecida no coração pulsante de Milão. Por meio do exemplo, ela abriu o caminho para as novas gerações de mecenas.
A fundação que leva o nome de seu companheiro, criada em 2011 e dirigida atualmente por Alberto Fossati, continua a honrar a memória de Francesco Pasquinelli através do apoio a projetos sociais e culturais. Seu foco está principalmente na esfera artística e musical, com ênfase especial em iniciativas educacionais interdisciplinares voltadas para crianças, dedicadas a ensinar-lhes sobre a beleza por meio da arte. Mas a gama de ações da organização também se estende aos jovens, por meio de bolsas de estudo na Bocconi [universidade em Milão] e na Accademia Teatro della Scala, e aos idosos, com projetos destinados a combater a solidão.
Entre o outono de 2013 e hoje, a fundação promoveu:
15 exposições internas com oficinas
22 projetos de oficinas em parceria com escolas, com a participação de 26.912 crianças
22 projetos de oficinas para famílias, com a participação de 720 crianças
102 instituições de ensino na cidade de Milão
52 instituições em municípios da região metropolitana de Milão
O compromisso da fundação também vai além dos limites da arte e da música, abrangendo o campo da educação e do direito, como demonstrado, por exemplo, pelo apoio às iniciativas de Gherardo Colombo nas escolas [iniciativa dedicada à educação para a legalidade, ensinando sobre justiça e cidadania]. A fundação também fez contribuições significativas a famílias com crianças que sofrem da síndrome de Asperger, demonstrando uma sensibilidade abrangente, que não deixa ninguém de lado. Mas esses são apenas pequenos exemplos.
Hoje, Milão e a Suíça prestam homenagem a essa mulher extraordinária com profunda gratidão. Giuseppina Antognini mostrou, com sua vida e suas escolhas, que a beleza pode se transformar em um poderoso ato cívico. E que mesmo uma única pessoa, munida de determinação e amor pela cultura, pode mudar uma cidade.
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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