Espetáculo suíço inovador une artes e neurociência no Brasil
“A importância de trazer ao Brasil é grande porque mostra uma iniciativa completamente inovadora e que liga um professor de artes cênicas com um neurologista, ambos analisando a prática e a teoria das emoções humanas”.
A definição dada pela diretora de Operações e Projetos do Swissnex no Brasil, Malin Borg, é perfeita para a aula-espetáculo comandada pelo neurologista Thomas Grünwald, do Centro Suíço de Epilepsia de Zurique, e pelo dramaturgo Anton Rey, professor do Instituto de Artes Performáticas e Cinema da Universidade das Artes de Zurique. Trazido ao Brasil pelo escritório suíço, o Act Like You Mean It foi apresentado em agosto nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo.
A partir da conhecida cena da sacada na peça teatral “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare, encenada pelos atores brasileiros Tiago Homci e Florência Santángelo, Rey e Grünwald travam um divertido diálogo e demonstram que os sentimentos humanos podem ser provocados e controlados a partir de referências externas. O estudo terá aplicação em pacientes com epilepsia e déficit de memória. A plateia, lotada no Rio e em São Paulo, interagiu com entusiasmo.
Anton Rey conta que a ideia de combinar neurociência e teatro em uma pesquisa surgiu há sete anos, quando Grünwald se aproximou do Instituto de Artes Performáticas e Cinema em busca de atores e atrizes que estivessem dispostos a participar de um experimento: “Nós pedimos a atores e atrizes de língua alemã para realizarem em mente algumas das cenas que haviam realizado antes na tevê, no palco ou no cinema. Contrastando sua atividade cerebral elétrica durante os ensaios, sem qualquer emoção, descobrimos que apenas durante performances emocionais é que são ativadas partes de seus cérebros, como a amígdala, que normalmente servem a processos emocionais, mas não podem ser acessados de forma deliberada”, diz.
A conclusão do experimento é que atores e atrizes podem controlar suas emoções e realmente provocar os sentimentos no palco em vez de fingi-los: “Em nossos estudos aprendemos que a ‘novidade’ e a ‘relevância’ podem estimular sentimentos. Uma vez que esse estímulo é uma das funções das artes dramáticas, queremos compreender como os artistas alcançam este objetivo. Neurocientistas esperam que se comece a entender como os artistas conseguem fazer isso, e eles podem aprender a melhorar os seus esforços”, diz Thomas Grünwald.
Segundo os pesquisadores, os resultados do estudo serão úteis aos pacientes: “Esse tipo de pesquisa visa auxiliar pacientes com epilepsia de duas maneiras. Primeiro, temos de aprender o máximo possível sobre as estruturas cerebrais que, por vezes, têm de ser removidas para curar pacientes de cirurgia de epilepsia, de epilepsias focais e de outras formas intratáveis. Este conhecimento pode ajudar a tornar os procedimentos cirúrgicos mais seguros e a melhor definir se uma operação deve ser realizada ou não em pacientes individuais”, diz Rey.
“Em segundo lugar, sabemos que, em pacientes com epilepsia clinicamente intratável, crises se originam com frequência em regiões dentro dos lobos temporais mediais. Uma vez que estas estruturas mediam processos de memória, elas podem não só causar convulsões frequentes, mas também déficits de memória graves. Além disso, sabemos que essas áreas do cérebro mediam a codificação de novas memórias, respondendo a estímulos novidade e relevância”, acrescenta o dramaturgo.
Daí, garante Rey, vem a importância de se estudar o trabalho de atrizes e atores: “Embora os neurologistas saibam os correlatos fisiológicos desses processos, eles ainda não sabem como criar relevância para ajudar a melhorar as performances de memória de seus pacientes. Esta é uma das razões por que os neurologistas começaram a estudar a arte de atrizes e atores. Eventualmente, eles querem aprender a fazer estímulos relevantes para a memória durante o processo de reabilitação neurológica. Nós ainda não podemos ser capazes de usar os resultados de nossos estudos imediatamente, mas eles nos ajudam a formular as perguntas certas para o futuro”.
Quente e frio
Os estudos nesta área são quase tão antigos quanto o texto de “Romeu e Julieta”, revela Anton Rey: “Para a escola de teatro e o instituto de pesquisa, o objetivo principal era participar de uma velha questão de 250 anos sobre as diferenças entre os chamados modos ‘quente’ e ‘frio’ de agir. Consideramos a colaboração como uma cooperação perfeita, onde pela primeira vez os artistas não são tomados como entretenimento, mas como fonte de excelência naquilo em que se especializaram em décadas de treinamento. Este fato torna o projeto um bom exemplo de ‘Investigação Artística’, também chamado de ‘pesquisa com as artes’, em oposição à pesquisa de ou sobre artes ou à ‘pesquisa baseada na prática’”, diz.
O estudo, continua Rey, pode servir também para a formação de atores: “A neurociência não mudará as artes dramáticas nem fará melhores atores. No entanto, os artistas individualmente terão confiança no fato de que os experimentos neurocientíficos podem encontrar a prova de alguns dos recursos que as teorias do drama e das artes só podem reclamar. Além disso, experiências como as que estamos usando em nossa cooperação podem ser usadas para a pesquisa em artes dramáticas em diferentes abordagens para atuação em teatro”.
O Swissnex já levou a aula-espetáculo de Grünwald e Rey a outros lugares do mundo, mas a experiência brasileira foi única, diz Malin Borg: “Esse projeto é lindo, pois trabalha com atores brasileiros e o professor Anton Rey se deixou inspirar pelo ambiente brasileiro. Perguntou-se, por exemplo, como seria a casa de uma Julieta moderna brasileira. Como na sociedade brasileira (e principalmente na classe A) há um foco grande sobre beleza e fitness, ele resolveu fazer da Julieta uma garota rica que está fazendo exercício durante a cena de sacada clássica”, diz.
Impressões
Conviver com os brasileiros e conhecer um pouco da cultura do país também foi uma experiência válida para os idealizadores do Act Like You Mean It: “Fiquei impressionado com a hospitalidade e a abertura de espírito com que fui recebido pelos meus colegas médicos no Rio de Janeiro e em São Paulo. Embora vivamos em diferentes partes do mundo, compartilhamos os mesmos problemas. Podemos nos ajudar uns aos outros para resolver pelo menos alguns desses problemas se nós juntarmos nossas forças neurocientíficas”, diz Thomas Grünw
Já Anton Rey, embora ressalte que conheceu apenas “pequenas partes de duas grandes cidades em um país com o tamanho da metade da América do Sul” lista de forma divertida as lembranças que terá do Brasil: “Impressões duradouras serão as vistas gerais da arquitetura, os arranha-céus sem fim, o ruído esmagador, o grafite sem fim, algumas peças muito agradáveis de arte, as condições das ruas, os táxis de condução rápida mesmo em estradas extremamente estreitas e um monte de proibições e advertências como não beber água da torneira, tomar cuidado com batedores de carteira e não andar determinados bairros”, diz, ressaltado que o povo brasileiro apoiou, foi amigável e aberto com a apresentação do projeto suíço.
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