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Jean-Frédéric Schnyder: o artista sem projeto

J-F Schnyder at the Kunsthalle Bern
Eduardo Simantob/swissinfo.ch

Duas exposições simultâneas em Berna tentam enquadrar a peculiar carreira de Jean-Frédéric Schnyder, um artista suíço cujo projeto, como ele mesmo afirmou, era de não fazer projeto algum. Ao longo de cinco décadas, as obras expostas atestam sua atitude particular em relação à arte: uma busca de simplicidade que é tudo, menos simples.

Tudo começou em Berna. No final dos anos 60, a Kunsthalle (um espaço de arte sem coleção) local, sob a direção do aclamado curador Harald Szeemann, não só estava em sintonia com as mais novas tendências artísticas da época, mas também atraía as melhores mentes daquela geração de todo o mundo para a sonolenta capital suíça.

Jean-Frédéric Schnyder foi um dos poucos jovens artistas suíços que gravitavam em torno de Szeemann e participou da exposição antológica “Quando as atitudes tomam forma”, em 1969.

Esta experiência coletiva, um marco na história da arte conceitual, reuniu 69 artistas da América do Norte e da Europa Ocidental, incluindo Joseph Beuys, Bruce Naumann, Eva Hesse, Lawrence Weiner, entre muitos outros que veriam sua reputação voar alto nas décadas vindouras.

De volta à Kunsthalle de Berna de hoje, a história fecha um círculo completo com todo o espaço dedicado a uma retrospectiva de sua obra. Schnyder não está disposto a dar entrevistas, mas isso não significa que não goste de falar. Durante uma visita prévia à exposição, o artista se sentiu em casa, contando anedotas relacionadas a cada obra em exposição, e fazendo piadas aqui e ali.

Schnyder with H. Szeemann in Venice, 1968
O jovem Schnyder (esq.) com Françoise e Harald Szeemann (dir.) em Veneza, 1968. Balthasar Burkhard, Katalog, 2017

Apenas um pequeno círculo de artistas

Perguntado sobre a importância daqueles tempos, ele diz: “Oh, parece tão grande hoje, quando na verdade era um círculo muito pequeno. Mas é verdade que naquela época, o mundo estava realmente presente aqui em Berna, e nós pensávamos que era o centro do mundo”.

A loucura não durou muito tempo. A população local, e as autoridades, escandalizadas tanto pelas partes mais radicais da exposição, como a destruição literal do pavimento em frente ao prédio feita pelo artista americano Michael Heizer, bem como pela a atenção internacional gerada, pediram a cabeça de Szeemann. Ele foi “convidado a se demitir” do Kunsthalle um mês depois.

Apesar do impulso que Harald Szeemann deu para a carreira de Schnyder, o curador não foi apenas quem “descobriu” e “investiu” no jovem artista. O ambiente animado em torno da Kunsthalle de Szeemann certamente deu a Schnyder as ferramentas críticas para desenvolver sua arte em seus próprios termos e se tornar um “artista sério”.

Pintura contra a maré

Nascido em 1945 e criado em um orfanato, Schnyder é um autodidata que teve seu primeiro contato com a arte através da fotografia. Seu trabalho inicial foi influenciado principalmente pela arte pop e pelas tendências exibidas em “Quando as atitudes…”, incluindo arte povera e o chamado pós-minimalismo, mas quando a bolha criativa de Berna explodiu, Schnyder sentiu que era hora de mudar de marcha.

No final dos anos 60, ele decidiu aprender a desenhar e pintar. A mudança foi considerada ainda mais radical do que a arte que ele vinha fazendo na órbita de Szeemann. Em 1970, a pintura e o desenho não eram mais habilidades necessárias para um artista. Muito pelo contrário.

Naquele momento em particular, quando acontecimentos, instalações, conceitos e performances se esforçavam para liberar a arte das molduras e espirrá-la em todas as superfícies possíveis, materiais e imateriais, a pintura era vista não só como politicamente morta, mas também como uma forma de arte burguesa e ultrapassada.  

Busca pela simplicidade

Pouco antes da abertura da exposição na Kunsthalle de Berna, o Museu de Belas Artes de Berna (Kunstmuseum) também dedicou uma sala inteira a uma retrospectiva bastante mais modesta de Schnyder com obras da coleção do museu.

Flamenco dancer, painting by JF Schnyder
“Flamencotänzerin” (1973), um dos pequenos quadros que compõem a série “How to Paint”. Todas as 16 peças da série foram pintadas em óleo sobre papelão revestido com lona. Os quadros são feitos de latão. Bildkultur

Além de uma seleção impressionante de esculturas que poderiam se encaixar perfeitamente numa mostra surrealista, o Kunstmuseum também exibe algumas obras do final dos anos 60 e de How to paint (1973), uma série de pinturas feitas com sua esposa, Margret Rufener. O título refere-se aos livros de bricolagem de Walter T. Foster, extremamente populares entre os anos 50 e 70.

É interessante notar a reação crítica a esta série, inicialmente recebida como uma zombaria, e onde o termo “kitsch” era usado profusamente. Schnyder contesta veementemente ambas as categorizações.

A “pobreza” destas pinturas provoca uma ressonância imediata com as obras de pintores de rua comuns, que se encontram não apenas em locais turísticos, mas que decoram as casas mais humildes nos cantos mais pobres do mundo, tais como a América Latina ou o Sul da Ásia.

 “Você tem que entender que nossa intenção com esta série não foi simplesmente uma experiência”, disse Rufener à SWI swissinfo.ch. “E também não foi brincadeira. Schnyder estava realmente apaixonado por seus temas”. Schnyder diz: “A ironia é muito tediosa para mim, e um quadro dá muito trabalho”. Eu não posso me comprometer com um pensamento elaborado pela metade; você tem que ter uma certa satisfação em seu trabalho”.

É apenas trabalho

A pintura tornou-se a forma preferida de Schnyder. Nos anos 80 e 90 ele se estabeleceu como pintor itinerante, criando séries nas quais ele explorou o banal procurando as formas mais simples de beleza.

Viaduct painting
Egelmösli, 2.6.1983 2008 Museum Of Fine Arts Bern, Switzerland, All Rights Reserve

Berner Veduten (vedutas de Berna), Wartsäle (salas de espera), Bänkli (banquinhos) e os pores-do-sol no Lago de Zug seguem modos de produção semelhantes, nos quais o artista viaja de bicicleta ou de trem por locais comuns, conhecendo pessoas comuns, pintando obras comuns que, em conjunto, o fazem sentir-se mais próximo da beleza extraordinária da “vida real”.

No passeio pela Kunsthalle, ele conta uma anedota daquela época, quando pintava vistas de viadutos sobre autoestradas. Os policiais de patrulha olhavam seus quadros e expressavam seu prazer, os motoristas de caminhão frequentemente o cumprimentavam como os caminhoneiros, levantando um dedo do volante. Ele os cumprimentava de volta, “apenas levantando ligeiramente meu pincel sobre a pintura”. Schnyder nunca se sentiu confortável no pedestal do artista. 

Apesar desta atitude de baixo perfil, ele não virou as costas para o circuito de arte ou para o mercado. Além de duas participações na prestigiosa Documenta, que acontece a cada cinco anos em Kassel (Alemanha), Schnyder representou a Suíça na Bienal de Veneza de 1993 e teve seu trabalho exposto em toda a Europa e nos Estados Unidos. No mercado, ele está aos cuidados de uma galeria altamente influente, Eva Presenhuber (Zurique e Nova Iorque).

O tamanho e o alcance de seu trabalho variam radicalmente dependendo do material que cai em suas mãos, seja lixo, madeira ou peças de Lego. “Para Schnyder, o pluralismo estilístico não é um programa, mas o resultado de uma prática rigorosa”, resume o crítico suíço Hans Rudolf Reust. Entretanto, Schnyder insiste que tudo o que ele faz é se ater aos ofícios básicos da pintura, desenho e escultura; telas grandes e pequenas, miniaturas.

das Andere (2014-2021)
“das Andere (2014-2021)”: o trabalho original tinha mais de 14.000 peças. Uma versão menor com 9.216 peça está sendo exibida hoje no Pavilhão de Arte de Berna. Gunnar Meier Photography

A Kunsthalle também exibe alguns trabalhos em madeira, “coisas de carpinteiro” (nas palavras de Schnyder), e entalhes. Destacam-se cerca de nove mil a 14 mil cruzes de madeira que ele esculpiu e colou com cimento ósseo cirúrgico. Em outra parede, os formões utilizados são amarrados em um fio, como uma corrente.

Por que as cruzes? “É apenas a forma mais simples que se pode fazer com dois pedaços de madeira. Não há esoterismo nela. Qualquer um pode ver o que ele ou ela quer ver nelas”, acrescenta ele.

Cimento ósseo na cruz do salvador disposta como um enorme cemitério em miniatura e sem nenhum simbolismo? Difícil de acreditar.

das Andere (2014-2021)
As câmeras de segurança exibidas nas paredes também fazem parte da instalação, mas não estão ligadas. Gunnar Meier Photography

Há algo quintessencialmente suíço nesta reserva e aparentemente anti-intelectualismo. A postura de Schnyder certamente é realista, fiel à ordem comum das coisas, mas é exatamente esta seriedade que transforma uma piada, ou uma peça zombeteira, em um enigma. Veja-a como quiser, pois Schnyder não vai resolver o enigma para você.

A exposição no Kunstmuseum de Berna vai até 29 de maio de 2022.

Na Kunsthalle de Bern estará aberta até 15 de maio de 2022.

Adaptação: DvSperling

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