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Os botocudos que os europeus queriam ver

A gravura mostra duas índias botocudas em exibição no Rio de Janeiro em 1882. www.musethno.uzh.ch

Animais exóticos, florestas exuberantes e índios perigosos marcaram a imagem que os europeus tinham do Brasil. Algumas delas eram de autoria de artistas que participavam de grandes expedições científicas entre o século XVIII e XIX.

Uma exposição montada no Museu de Antropologia de Zurique e intitulada “Expedição Brasil” mostra como essas imagens eram produzidas e depois manipuladas.

As duas índias botocudas eram como atrações de circo. Por isso os organizadores da exposição antropológica do Museu de História Natural do Rio de Janeiro, em 1882, não esqueceram de imprimir sua gravura no catálogo.

As chamadas “exposições de povos” eram comuns também em outras capitais européias durante o século XIX. Os botocudos, um termo dado pelos portugueses aos indígenas pertencentes a grupos de diversas filiações lingüísticas e regiões geográficas, uma vez que a maior parte usava botoques labiais e auriculares, eram temidos por serem considerados canibais.

Os últimos representantes dessas tribos desapareceram no início do século XX, deixando como descendentes os índios Krenak (ou Borun), estes também em risco de extinção. Em 1997, apenas 150 deles ainda viviam em uma reserva de quatro mil alqueires em Minas Gerais.

Outra imagem é mais antiga. Ela foi realizada pelo jovem Jean Baptiste Debret e publicada em 1834 no livro “Viagem pitoresca e histórica ao Brasil”, edição parisiense. Nela os botocudos estão dentro da floresta comendo pedaços de carne que retiram das fogueiras. As expressões selvagens dos rostos reforçam a imagem “perigosa” da tribo.

Estereótipos do Brasil

Essas e outras gravuras, aquarelas, tapeçarias e fotografias são parte de uma singular exposição montada no Museu de Etnologia de Zurique. Intitulada “Expedição Brasil – imagens de pesquisa e suas transformações nos séculos XVIII e XIX”, ela mostra como europeus viam o maior país da América Latina, uma terra desconhecida para a maior parte das suas populações. Outro objetivo do evento é também questionar estereótipos históricos do Brasil.

“Nossa idéia era mostrar como o trabalho realizado pelos artistas que acompanhavam as expedições eram transformado para a exibição pública. Para construir uma figura idealizada, eles chegavam a incluir novos elementos em cenários tropicais ou até mesmo retocar fotos”, explica a curadora Beatrice Kümin.

As imagens exibidas em Zurique foram emprestadas de vários museus, centros de pesquisa e bibliotecas na Europa e podem ser vistas até 27 de janeiro de 2008. A instituição também publicou um livro de 160 páginas, ricamente ilustrado com imagens produzidas por conhecidos artistas do passado como Johann Moritz Rugendas, Maximilian zu Wied-Neuwied e Debret.

Um país fechado ao mundo

No final do século XVI, a Lei de 9 de fevereiro de 1591 decretada por Portugal fechou os portos do Brasil aos navios estrangeiros, que não tivessem licença prévia da coroa. Em 1605, novas leis proibiram completamente o comércio com embarcações estrangeiras.

Durante dois séculos o Brasil foi considerado uma terra incógnita. Apenas em novembro de 1807, quando as tropas de Napoleão Bonaparte obrigaram a coroa portuguesa a procurar abrigo no Brasil, é que a situação mudou. Dom João VI (então Príncipe-Regente em nome de sua mãe, a Rainha Maria I) chegou ao Rio de Janeiro em 1808, abandonando Portugal após uma aliança defensiva feita com a Inglaterra.

Os portos brasileiros foram abertos então às nações amigas. A abertura dos portos se deu em 28 de janeiro de 1808 por outra carta régia de D. João. A abertura trouxe desenvolvimento para o Brasil e também um grande número de expedições científicas européias, interessadas na natureza exuberante do Brasil e nos povos que a habitavam.

Transformações para o mercado

Um dos objetos mais interessantes da exposição no Museu de Etnologia de Zurique é reprodução de um tapete produzido em 1830 pela companhia Jean Zuber & Cie em Rixheim, na Alsácia, um exemplo de como o trabalho dos cientistas europeus no Brasil não servia apenas de material de pesquisa, mas também de influência para a moda na época.

O tapete panorâmico foi baseado em pinturas do artista alemão Johann Moritz Rugendas, que viajou por todo Brasil durante 1822-1825, pintando povos e costume, foi um trabalho composto por 30 faixas de 0,54 metros de comprimento. Para sua realização os fabricantes utilizaram 247 diferentes cores e 1.693 placas de impressão. Essas peças complexas e caras eram depois compradas por ricas famílias para decorar salões de festa.

A comparação entre as pinturas de Rugendas e sua adaptação no tapete mostra o processo de transformação das imagens. Exemplo: os índios aparecem no tapete com as partes genitais cobertas por folhas para não chocar o público europeu, ao contrário da nudez original retratada pelo alemão. Também o convívio entre os povos é mostrado de forma diferente: em Rugendas, os encontros entre viajantes europeus e índios ocorrem de forma ocasional. Já nas reproduções da Zuber & Cie, as cenas são teatrais, onde brancos e índios reúnem-se na floresta e trocam presentes, ressaltando como era harmonioso seu relacionamento.

Para Beatrice Kümin, também autora do livro da exposição, as imagens realizadas na época “contam muito sobre o sentimento de superioridade em relação às culturas nativas e também refletem as ideologias da época, mas também são documentos valiosos de uma cultura do passado”.

swissinfo, Alexander Thoele

Em 1807, D. João decidiu a saída da família real para o Brasil, escapando à invasão napoleónica e ao perigo que representava para a manutenção da autonomia portuguesa.
A instalação da corte no Brasil promoveu a abertura dos portos brasileiros às nações amigas.
A abertura promoveu a vinda de diversas expedições científicas para o Brasil.
Muitas vezes elas traziam nas suas equipes artistas, encarregados de ilustrar plantas, animais, sociedade e nativos como Johann Moritz Rugendas, Jean-Baptiste Debret e Maximilian zu Wied-Neuwied.

A exposição “Expedição Brasil – imagens de pesquisa e suas transformações nos séculos XVIII e XIX” está aberta até 27 de janeiro de 2008.

Museu de Etnologia de Zurique
Endereço:
Pelikanstrasse 40
CH-8001 Zürich
Tel: 0041 – 44 – 634 9011

Horários de abertura:
Terças às sextas, de 10 às 13 e de 14 às 17 horas.
Sábados, de 14 às 17 horas
Domingos, de 11 às 17 horas

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