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Em busca da vaca perdida

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Originária do cantão do Valais, a vaca Hérens é tipicamente suíça. Atualmente, ela é mais conhecida do público em geral por sua participação em “lutas de rainhas”. Keystone / Olivier Maire


Tanto para os turistas quanto para a população local, as vacas são indissociáveis da imagem da Suíça. Mas, na maioria das vezes, esse símbolo nacional de quatro patas tem origens muito diferentes. A busca por uma vaca autenticamente suíça pode se mostrar difícil.

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Na Suíça, as vacas estão por toda parte: nas miniaturas de madeira das lojas de souvenirs, nas embalagens de diversos produtos lácteos, bem como na arte e no folclore.

E, claro, elas também estão nos campos e nos currais. Segundo o site de estatísticas animais IdentitasLink externo, no fim de abril de 2025, a Suíça contava com 1.505.003 bovinos registrados, dos quais 664.032 eram vacas. Os bovinos são a família de animais domésticos mais comum na Suíça – pelo menos quando se consideram apenas os animais devidamente declarados e registrados.

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A presença de bovinos na Suíça é muito antiga. Os primeiros vestígios de domesticação datam do período Neolítico, segundoLink externo o Dicionário Histórico da Suíça. Ao longo dos séculos, a pecuária ganhou grande importância, e o queijo chegou a se tornar um dos principais produtos exportados da Suíça no final do Antigo Regime [período anterior à Revolução Francesa].

Diversidade ameaçada

Poderíamos, portanto, supor que a Suíça conta com uma grande variedade de raças de vacas. Mas esse não é – pelo menos, não mais – o caso. “Das 35 raças que já foram documentadas na Suíça, apenas cinco sobreviveram: a raça Parda Suíça, a Hérens, a raça malhada original do Simmental, a Évolène e a vaca cinza rética [Rätisches Grauvieh]”, lamenta a ProSpecieRaraLink externo, uma fundação dedicada à preservação do patrimônio animal e vegetal da Suíça.

Esse empobrecimento da diversidade se deve à busca por maior produtividade. “Hoje, a pecuária não escapa à lógica da especialização. Raças tradicionais estão sendo substituídas por linhagens modernas que têm uma boa produtividade leiteira ou produzem muita carne rapidamente”, explica a fundação.

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Como resultado, tornou-se difícil encontrar vacas puramente suíças nos campos. A maioria delas tem todo ou parte de seu patrimônio hereditário oriundo do exterior.

Vacas suíças conquistam o mundo

Os pessimistas podem lamentar esse desenvolvimento. Mas eles talvez se consolem ao saber que existem milhões de vacas no mundo com genes suíços. As vacas suíças, na verdade, também conheceram seu momento de glória nos mercados internacionais.

O caso mais marcante é o da Simmental. Originária do Vale do Simme, nos Alpes Berneses (cantão de Berna), essa vaca robusta, com boa produção de leite e rápido crescimento, já era exportada para a Itália no século 15, segundo alguns registros. As exportações dispararam nos séculos 19 e 20, alcançando regiões distantes como a América do Sul e a Rússia.

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Uma vaca Simmental em seu território nativo, aqui em uma “désalpe” em Lenk, no Oberland Bernês. Keystone

Estima-se que existam entre 40 e 60 milhões de descendentes da vaca Simmental em mais de 30 países, espalhados por todos os continentes. Essas vacas são utilizadas principalmente para a produção de carne.

Originária do cantão de Schwyz, a Parda Suíça também teve uma bela carreira internacional, especialmente nos Estados Unidos, onde é chamada de Swiss Brown [no Brasil, também é conhecida simplesmente como Schwyz]. Considerada uma das raças leiteiras mais antigas do mundo, ela produz um leite muito adequado para a fabricação de queijo. “A proporção entre gordura e proteína no leite da Parda Suíça é ideal para a fabricação de queijo, o que a torna uma das raças leiteiras mais populares para a produção de queijo no mundo”, lê-seLink externo no site da Universidade Estadual de Michigan.

Essa raça está bem estabelecida nos Estados Unidos, particularmente nos estados do Wisconsin, Ohio e Iowa, segundoLink externo a Associação Americana da Swiss Brown. A partir dos Estados Unidos, a Parda Suíça conquistou o mundo. Estima-se que sua população mundial ultrapasse os 6 milhões de animais, presentes em mais de 80 países.

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Em Des Moines, a capital do Iowa, a Swiss Brown é tratada como uma verdadeira estrela. Copyright 2024 The Associated Press. All Rights Reserved

Em busca da vaca perdida

Essa globalização bovina, no entanto, prejudicou as raças locais. Das cinco raças que ainda podem ser consideradas autenticamente suíças, três estão ameaçadas de extinção, segundo a ProSpecieRara: a Simmental original, a raça Évolène e a vaca cinza rética [o adjetivo ‘rética’ faz referência à antiga província romana de Raetia, que abrangia os Alpes e parte da atual Suíça].

Às vezes, porém, essas trocas internacionais também representam uma solução, especialmente quando é necessário cruzar as fronteiras nacionais para salvar uma raça. Foi o que aconteceu com a vaca cinza rética. Anteriormente muito comum nos Alpes dos Grisões, esse animal rústico e bem adaptado ao ambiente foi progressivamente substituído pela Parda Suíça, até desaparecer da paisagem suíça na década de 1920. A ProSpecieRara conseguiu finalmente reintroduzir a espécie na Suíça na década de 1980, a partir de alguns exemplares remanescentes encontrados no Tirol – região que abrange partes da Áustria e da Itália, ambas vizinhas da Suíça.

Essa busca pela vaca perdida nem sempre foi bem-sucedida, como mostra o caso da vaca friburguense. Ela era uma vaca branca com manchas pretas, muito comum no cantão de Friburgo. Mas essa raça local foi tão misturada à vaca Holstein canadense – que também é branca e preta, mas superior na produção de leite – que acabou desaparecendo totalmente na década de 1970.

Foi um verdadeiro drama identitário para Friburgo, cantão com o maior número de vacas no país, berço do queijo Gruyère e do crème double (creme de leite suíço particularmente espesso, com 45% de gordura). Até a bandeira de Friburgo é preta e branca! Mas ainda havia esperança: foram encontradas vacas friburguenses no Chile, país que recebeu um grande número de imigrantes de Friburgo e para o qual haviam levado vacas na década de 1930.

Especialistas da ProSpecieRara foram até o Chile para conduzir a investigação. Mas o veredito, divulgado em 2009, foi um balde d’água fria: essas vacas chilenas não se diferenciavam o suficiente das variedades locais e da vaca Holstein para serem reconhecidas como descendentes da vaca friburguense.

Friburgo perdeu sua vaca emblemática, mas conservou o Ranz das vacas, um verdadeiro patrimônio do folclore suíço. Aqui, a interpretação de Bernard Romanens durante a Fête de Vignerons (Festa dos Viticultores) de 1977, considerada a melhor versão já registrada. Dizem que basta ouvir esse canto para os olhos se encherem d’água:

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Na ausência da raça original, ao menos as aparências puderam ser preservadas. Ainda é possível ver vacas pretas e brancas pastando nos vales verdes de Gruyère. Mas elas são… canadenses.

Edição: Samuel Jaberg/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

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