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“A Suíça está cada vez mais seletiva para naturalizar”

Mulher sentada à mesa
Barbara von Rütte escreveu sua dissertação sobre "O direito humano à cidadania. Do privilégio do Estado ao direito individual". Thomas Kern / swissinfo.ch

A nova lei de naturalização ajuda as pessoas dos países vizinhos da Suíça com bom nível de instrução e com boas condições financeiras, diz a pesquisadora de direitos civis Barbara von Rütte. Uma entrevista sobre a nacionalidade como um direito humano, as diferenças regionais na naturalização e as perguntas absurdas do teste.

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Barbara von Rütte é jurista e pesquisa cidadania e nacionalidade na Universidade da Basiléia. Desde a introdução da nova lei de naturalização em 2018, ela observou um declínio significativo nas naturalizações de pessoas cujas origens estão fora da Europa Ocidental.

swissinfo.ch: É um direito humano ter uma nacionalidade?

Barbara von Rütte (BvR): Se é um direito humano, é discutível. A Declaração dos Direitos Humanos diz que sim. Mas a Convenção Europeia de Direitos Humanos não diz nada a respeito. Por isso, costuma-se dizer que é uma questão de política – não um direito. A Corte Europeia de Direitos Humanos, por outro lado, diz que, a partir de um certo grau de enraizamento existe o direito de pertença. Acredito que seja um direito humano porque a nacionalidade afeta aspectos muito centrais da vida de uma pessoa.

swissinfo.ch: Os obstáculos para obter um passaporte suíço são considerados rigorosos. Entre outras publicações sobre o assunto, a revista Business Insider listaLink externo a Suíça entre os “países onde é mais difícil se tornar um cidadão”. O país tem os obstáculos mais difíceis do mundo?

BvR: Não, certamente não. Há países em que a naturalização não é de fato possível, como nos Estados árabes do Golfo, onde apenas uma fração da população tem cidadania. Mas como esses países não são democracias, isso talvez seja menos importante.

Referendos e eleições ainda são legítimos se somente metade da população puder votar? Em alguns distritos de Zurique, o número é de 50%, o que é semelhante à situação anterior a 1971, quando as mulheres ainda não tinham o direito de votar. O que aconteceria se os estrangeiros se tornassem a maioria, como nos Estados árabes do Golfo? Entre os países democráticos, as condições para a naturalização na Suíça são as mais rigorosas, ao lado de Luxemburgo, Liechtenstein e Japão.

swissinfo.ch: A senhora é uma cientista, mas apoia o projeto de lei apresentado recentemente, por exemplo, que quer permitir uma naturalização mais rápida na Suíça após cinco anos de residência. Como a senhora une compromisso e ciência?

BvR: Minha abordagem é científica. O fato de um quarto da população suíça não ter o direito de votar prejudica a legitimidade das decisões políticas a longo prazo – é possível criticar isso a partir de uma perspectiva teórica.

Barbara von Rütte participou do Seminário sobre democracia em Aarau, ocorrido de 14 e 15 de março. O tema central foi o “Federalismo”. No evento público, o ex-ministro Ueli Maurer discursou sobre a concorrência tributária. Na conferência acadêmica os painéis trataram de educação política, finanças e naturalização em relação ao federalismo. Saiba mais sobre o evento clicando AQUILink externo.

swissinfo.ch: A senhora pode argumentar que a cidadania suíça é um privilégio especial, especialmente por causa das oportunidades de co-determinação democrática?

BvR: É possível dizer a mesma coisa em outro lugar. Há diferentes teorias sobre se a Alemanha – que atualmente está introduzindo uma lei de naturalização progressiva – é menos democrática do que a Suíça. Além disso, o passaporte alemão permite viagens sem visto para três países a mais do que o passaporte suíço. O argumento de que precisamos de barreiras mais altas do que outros países europeus não me convence.

Passaporte e outros objetos sobre uma mesa
Ainda hoje, os requisitos para obter um passaporte suíço são muito altos para os padrões internacionais. KEYSTONE

swissinfo.ch: Na sua opinião, os altos obstáculos na Suíça têm a ver com o fato de que em muitos cantões da Suíça as pessoas podem votar na assembleia municipal sobre os direitos de cidadania daqueles que buscam a naturalização?

BvR: Sim. Mas essa não é uma questão jurídica. Acredito que a ideia de cidadania como um privilégio é caracterizada pelo fato de que você pode opinar e, em muitos cantões, até mesmo decidir quem recebe a cidadania. A naturalização é um ato administrativo e não um ato político. Isso foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 2003, mas ele também determinou que uma assembleia municipal – que discute antes de votar – é equivalente a uma autoridade.

Existe a ideia de que um Estado é como um clube que pode decidir: “Não quero você.” Se você tomar os direitos humanos como guia, a exclusão se torna ilegítima em algum momento. É legítimo que as pessoas vivam na Suíça por várias gerações sem cidadania? Seria claramente ilegítimo se um Estado decidisse não naturalizar pessoas de cor de pele negra ou de fé judaica em geral.

swissinfo.ch: Isso seria contrário à proibição da discriminação. Mas ninguém faz isso.

BvR: Ninguém faz isso explicitamente. Mas, na minha opinião, a lei da cidadania suíça tem certos mecanismos que levam a exclusões que podem ser discriminatórias. Por exemplo: Qualquer pessoa que esteja recebendo assistência social ou que tenha recebido assistência social nos últimos anos é excluída da naturalização. Um número desproporcional de mulheres solteiras recebe assistência social. Se quase todas as mulheres solteiras não puderem se naturalizar, isso se tornará problemático.

swissinfo.ch: Desde 2018, o período de residência exigido para um passaporte suíço é de 10 anos em vez de 12. Então, os obstáculos para a naturalização estão sendo reduzidos?

BvR: Os números iniciais sobre a nova lei de naturalização mostram que a naturalização se tornou muito mais seletiva. Para ser franca, são principalmente pessoas instruídas e com alta renda, de países vizinhos, que são naturalizadas. Menos: pessoas de países terceiros. E muito menos: pessoas que vieram para a Suíça como refugiados.

swissinfo.ch: Quão clara é a tendência da Suíça de naturalizar menos pessoas de países terceiros?

BvR: Houve uma clara queda.

swissinfo.ch: Por que isso acontece?

BvR: Isso tem a ver com o fato de que agora é necessário ter uma autorização de residência permanente, que o limite para as habilidades linguísticas foi padronizado e o critério de recebimento de auxílio social que mencionei anteriormente.

swissinfo.ch: Eu tenho a sensação de que onde o federalismo desempenha uma grande influencia na Suíça ocorrem frequentemente arbitrariedades. Por exemplo, na assistência social, onde os municípios têm muita autoridade em termos de organização e, às vezes, não têm conhecimento ou supervisão. A senhora afirma que mais regras nacionais levam a menos justiça quando se trata de naturalização?

BvR: As regulamentações nacionais tornam os processos mais justos e padronizados. Porém, quanto mais detalhadas forem as regulamentações, menor será o espaço para liberdade de escolha e arbitrariedade – em um sentido negativo, mas também em um sentido positivo.

Desde a revisão total da lei em 2018, existe uma regra clara de que a naturalização vai primeiro para o município, seguido do cantão – e depois para o governo federal. Isso costumava variar de cantão para cantão. Isso é um progresso.

No entanto, os critérios para o nível de idioma e a definição de integração são agora tão detalhados que há menos espaço para discricionariedade, por exemplo, no que se refere ao idioma. Uma pessoa que trabalhou a vida inteira em um canteiro de obras ou em um serviço de limpeza pode manter uma conversação, mas talvez não seja capaz de escrever um texto complexo em um idioma nacional. Hoje, é mais provável que essa pessoa seja reprovada no teste de idioma.

Mulher em pé
Bárbara von Rütte pesquisa na Universidade de Basel sobre o tema “Os valores da Constituição Federal”. Thomas Kern / swissinfo.ch

Do ponto de vista democrático, precisamos dar uma olhada mais de perto: Será que queremos apenas cidadãos altamente qualificados? O que isso significa para a sociedade seria uma discussão política que ainda não foi realizada.

Legalmente, existem áreas em que isso pode se tornar discriminatório: Quando tanto as pessoas que vivem na pobreza quanto e as pessoas de países terceiros não podem mais ser naturalizadas de fato. Essas tendem a ser pessoas do Sul global, pessoas não cristãs, com cor de pele não branca. Se houver uma tendência clara, isso é discriminatório.

swissinfo.ch: O sucesso da naturalização na Suíça pode depender da região em que você vive, pois você é naturalizado em um município, no cantão e no país – esse é o chamado sistema de três níveis. Isso faz da Suíça uma exceção em todo o mundo?

BvR: Sim. Em outros sistemas jurídicos, não existem leis de cidadania municipais, cantonais e federais. Além disso, todos os níveis podem estabelecer seus próprios requisitos.

Na prática, também existem diferenças em outros Estados federais – como a Alemanha – dependendo do órgão responsável, mas as regras formais são as mesmas em todos os lugares.

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L immagine illustra l ombra di una donna con un passaporto svizzero tra le mani.

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swissinfo.ch: Politicamente, existe atualmente uma mudança global em direção a um maior nacionalismo. Existe uma tendência internacional semelhante no que diz respeito ao acesso à cidadania?

BvR: Nos últimos anos, tenho observado uma maior flexibilização, como por exemplo a nova Lei de Naturalização Alemã, em que o período de residência agora é de cinco anos. A retirada dos direitos de cidadania foi mais rigorosa. No contexto europeu, incluindo a Suíça, são principalmente os suspeitos de terrorismo ou os chamados combatentes estrangeiros, ou seja, pessoas que se alistam em exércitos estrangeiros, que têm sua cidadania revogada. A Grã-Bretanha é um triste precursor. Lá, a cidadania também é revogada se, como resultado, a pessoa se tornar apátrida.

Isso é uma extrapolação. Em 1950, foi decidido que a expatriação, como a de centenas de milhares de judeus na Alemanha nazista, nunca mais deveria acontecer. O fato de a desnaturalização estar voltando agora é uma mudança de paradigma que os círculos nacionalistas de direita estão exigindo.

swissinfo.ch: Há casos repetidos de não-naturalização na Suíça que têm atraído muita atenção. Por exemplo, o caso de Funda Yilmaz em 2017, a quem foi inicialmente negado um passaporte suíço, apesar de ela ter vivido na mesma cidade por 18 anos, frequentado a escola lá, estar firmemente integrada profissionalmente e estar noiva de um suíço. Na época, Yilmaz também foi questionada sobre as crenças religiosas e a visão de mundo de seus pais. Essas perguntas são permitidas?

BvR: A nova Lei de Direitos Civis estabelece um compromisso com os valores da Constituição Federal. Isso é muito amplo. Na pesquisa, estamos todos esperando que o Supremo Tribunal Federal interprete isso e defina os valores. Até lá, questões como essa surgirão. Mas nem todas elas são legítimas.

swissinfo.ch: Além dos valores, o processo de naturalização pergunta sobre o conhecimento cívico e local. Esse último é frequentemente muito subjetivo. Por exemplo, qual é o caminho mais rápido de uma determinada igreja para a universidade. Qual é a base legal para esse conhecimento aberto?

BvR: Essa é uma tentativa de testar os laços locais. Até certo ponto, isso é legítimo, mas se a resposta esperada for muito sutil, ela é considerada arbitrária. Foi assim também que o Supremo Tribunal Federal decidiu no caso de um homem que conhecia o zoológico local, mas não conseguia se lembrar de quais duas espécies de animais compartilhavam o maior recinto durante o teste. Certa vez ouvi a seguinte pergunta: O que você vê quando olha pela janela do trem durante a viagem entre Berna e Thun?

swissinfo.ch: Oh! E qual era a resposta certa?

BvR: Eu ainda não sei. Talvez montanhas, campos, o Aare? Na verdade, qualquer resposta deve ser correta se a pergunta for tão aleatória. O município não queria naturalizar a pessoa. No entanto, um tribunal posteriormente anulou a decisão negativa.

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Edição: Mark Livingston

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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