Atrocidades cometidas no Sudão podem constituir crimes de guerra, adverte TPI
As atrocidades cometidas na cidade sudanesa de El Fasher poderiam constituir crimes de guerra e contra a humanidade, advertiu na segunda-feira (3) o gabinete do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), enquanto, segundo a ONU, dezenas de milhares de pessoas fogem dos combates na região vizinha de Kordofan.
Desde abril de 2023, o Sudão é palco de uma guerra pelo poder entre o general Abdel Fatah al Burhan, comandante do Exército oficial e líder de fato do país desde o golpe de Estado de 2021, e o general Mohamed Daglo, à frente das Forças de Apoio Rápido (FAR), um grupo paramilitar.
Após 18 meses de cerco, bombardeios e fome, as FAR tomaram no dia 26 de outubro o controle de El Fasher, a última grande cidade da região ocidental de Darfur que escapava do seu domínio.
Desde então, circulam relatos de execuções sumárias, violência sexual, ataques a trabalhadores humanitários, saques e sequestros.
“Esses atos, se confirmados, podem constituir crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, declarou em comunicado o escritório da procuradora do TPI, com sede em Haia, que expressou sua “profunda preocupação e máxima inquietação” diante dos relatos.
O conflito está agora se expandindo para Kordofan, uma região estratégica situada entre Darfur, a oeste, e a capital Cartum, a leste.
As forças paramilitares alertaram no domingo que concentraram suas tropas ao longo de uma nova linha de frente. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), mais de 36 mil civis sudaneses fugiram de suas casas no estado de Kordofan do Norte ao longo de uma semana.
Um relatório encomendado pela ONU e publicado nesta segunda-feira alerta que a fome está se espalhando para duas novas regiões do país, em particular para a cidade de El Fasher e para a cidade sitiada de Kadugli, no estado de Kordofan do Sul.
Outras vinte regiões de Darfur e Kordofan também estão em risco, segundo o relatório do Quadro Integrado de Classificação da Segurança Alimentar (IPC, na sigla em inglês).
Em Kordofan do Norte, habitantes descreveram à AFP como localidades inteiras se tornaram alvos militares. O Exército e as FAR travam combates principalmente pelo controle de El Obeid, capital da região.
Suleiman Babiker, um morador da região, disse que, depois que os paramilitares tomaram El Fasher, “o número de veículos das FAR aumentou”.
“Deixamos de ir aos nossos campos de plantação por medo dos confrontos”, acrescentou.
Outro morador, que pediu anonimato por motivos de segurança, também relatou um “forte aumento dos veículos e de equipamentos militares ao oeste e ao sul de El Obeid” nas últimas duas semanas.
– “O próximo cenário” –
A região de Kordofan, dividida administrativamente em Kordofan do Norte, do Sul e do Oeste, “provavelmente será o próximo cenário das operações militares de ambos os lados”, advertiu na semana passada Martha Pobee, secretária-geral adjunta da ONU para a África.
Pobee também denunciou as “grandes atrocidades” e as “represálias por motivos étnicos” cometidas pelas FAR em Bara, ao norte de El Obeid.
Ela comparou a atuação dos paramilitares na região com a violência observada em Darfur, onde o grupo foi acusado de massacres, violência sexual e sequestros contra as comunidades não árabes após a tomada de El Fasher.
Tanto Darfur quanto Kordofan têm grandes comunidades não árabes, ao contrário do restante do Sudão.
A ONU informou que pelo menos 50 civis, incluindo cinco voluntários do Crescente Vermelho, morreram nos episódios recentes de violência em Kordofan do Norte.
A guerra no Sudão, que deixou dezenas de milhares de mortos e obrigou quase 12 milhões de pessoas a abandonarem suas casas, tem provocado a pior crise humanitária no mundo, segundo a ONU.
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