Em Genebra, minorias sírias pedem proteção e sugerem sistema federal como solução
Representantes das comunidades minoritárias da Síria clamam aos líderes mundiais que não aceitem ou normalizem o novo regime de Damasco. Ativistas solicitam proteção internacional para as minorias e apoio a um sistema federal, tentando sobreviver em um país marcado por décadas de ditadura e mais de dez anos de guerra brutal.
“Nossa mensagem aqui hoje é muito simples: a normalização com o regime de Jolani não pode ser alcançada às custas de nossas vidas”, disse o defensor dos direitos humanos Masoud Aqil, ex-refém do ISIS e membro da comunidade yazidi, que sofreu genocídio, deslocamento e escravidão nas mãos do grupo.
Reunidos na sala de imprensa de Genebra, à margem da 60ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, ativistas drusos, alauítas, cristãos, curdos e yazidis descreveram os massacres, os deslocamentos forçados e a discriminação sistemática sofridos sob o novo presidente da Síria, Ahmed al-Sharaa, também conhecido por seu nome de guerra, Abu Mohammad al-Jolani.
“Todos sabemos que não há diferença entre o regime de Jolani e o ISIS”, disse Aqil.
De líder jihadista a presidente
Sharaa já foi um colaborador próximo do fundador do ISIS, Abu Bakr al-Baghdadi, antes de se separar para formar a Frente al-Nusra, mais tarde renomeada como Hayat Tahrir al-Sham. Em dezembro de 2024, ele liderou os grupos armados que derrubaram Bashar al-Assad, que governou a Síria por quase 25 anos. O novo regime rapidamente alcançou reconhecimento internacional e alívio das sanções, ao mesmo tempo em que iniciou negociações com Israel.
Embora não seja um defensor da democracia ou do secularismo, Sharaa prometeu governar para todos os sírios. Observadores internacionais notaram positivamente a ausência de derramamento de sangue em grande escala quando suas forças tomaram a capital. No entanto, críticos argumentam que seu governo continua impregnado da ideologia jihadista, apontando para os assassinatos sectários nas províncias alauítas em março e a recente violência no coração druso de Suweida.
“O povo sírio foi traído duas vezes”, disse Rawan Osman, ativista nascida na Síria e agora radicada na Alemanha. “Primeiro por Assad, que destruiu sua própria nação, assassinando centenas de milhares e deslocando milhões, e depois pelos jihadistas que surgiram à sua sombra, prometendo libertação, mas trazendo crueldade sob uma bandeira diferente.”
Grupos de direitos humanos denunciam atrocidades
Mesmo com Sharaa tendo garantido investimentos estrangeiros e reconhecimento diplomático, seu governo incipiente e suas forças de segurança continuam lutando para consolidar o controle territorial. O nordeste da Síria, liderado pelos curdos, permanece autônomo, enquanto alguns líderes drusos em Suweida rejeitaram abertamente Damasco e até mesmo apelaram para a vizinha Israel em busca de proteção.
Grupos de direitos humanos documentaram graves violações de direitos humanos no sul do país. A Human Rights Watch relatou que nove dias de combates em julho de 2025 entre milícias lideradas por drusos e combatentes beduínos pró-governo devastaram Suweida, deixando famílias deslocadas e serviços essenciais paralisados. As forças governamentais enviadas para “restaurar a ordem” foram acusadas de saques, incêndios de casas e execuções sumárias.
A Anistia Internacional corrobora essas denúncias, apresentando vídeos e testemunhos que mostram o governo e forças afiliadas executando extrajudicialmente pelo menos 46 homens e mulheres drusos entre 15 e 16 de julho. As vítimas foram mortas em casas, hospitais, escolas e praças públicas por homens em uniformes militares e de segurança, alguns com insígnias oficiais.
“Não acredito mais que [as novas autoridades em Damasco] tenham boas intenções para com os não muçulmanos no país”, disse Osman à Swissinfo.
A experiência drusa
O testemunho mais detalhado em Genebra veio do ativista druso Nawras Alsaghbini, que fez um relato angustiante sobre o calvário de Suweida. “Os fatos documentados pelo Observatório Sírio são chocantes”, disse ele: “2014 vítimas documentadas em apenas alguns dias, incluindo 789 civis executados”.
Ele descreveu 36 aldeias que foram “completamente destruídas, com casas queimadas e civis sendo forçados a fugir”. Pelo menos oito igrejas foram atacadas e 293 mulheres sequestradas, das quais 235 permanecem desaparecidas. Alsaghbini disse ter laudos médicos forenses confirmando sete casos de estupro. Vídeos exibidos na sala de imprensa pareciam mostrar homens drusos sendo forçados a pular de varandas e outros sendo executados.
“O que aconteceu em Suweida em julho de 2025”, disse ele, “não foi uma disputa local, nem uma batalha passageira, mas um ataque genocida e uma campanha de limpeza étnica sistemática realizada por forças afiliadas aos ministérios da Defesa e do Interior, apoiadas por milícias com o conhecimento e a cumplicidade direta das autoridades de Damasco”.
Alsaghbini pediu uma investigação da ONU e garantias internacionais para que tais crimes não se repitam.
Analistas observam que os abusos ressaltam a necessidade de uma reforma urgente na segurança do país. Enquanto o aparato militar da era Assad era sinônimo de tortura e desaparecimentos, as próprias forças de Sharaa são compostas em grande parte por ex-rebeldes e jihadistas, com vários graus de disciplina de comando e controle.
A violência em Suweida “expôs a fragilidade da ordem pós-Assad na Síria, na qual a interferência externa e o fracasso em ampliar a representação política ameaçam a euforia nacional que se seguiu ao colapso do regime há sete meses”, escreveu o analista sírio Hassan Hassan em uma análise para a revista Newsline.
Outras vozes minoritárias
Da comunidade alauita, a ativista Mouna Ghanem alertou que os problemas locais correm o risco de se espalhar pela Europa, onde muitos refugiados sírios vivem atualmente. O xeque Ghazal Ghazal, chefe do Conselho Religioso do Conselho Islâmico Supremo Alauita na Síria e na Diáspora, disse que extremistas estavam deliberadamente atacando alauitas e pediu intervenção internacional.
O ativista cristão Joseph Lahdo apontou para as liberdades relativas desfrutadas pelos cristãos no nordeste da Síria, controlado pelos curdos, onde foram estabelecidas escolas siríacas e conselhos de defesa. A Administração Autônoma do Norte e Leste da Síria se apresenta como um modelo funcional de federalismo, um sistema que, segundo seus líderes, pode preservar a unidade da Síria e, ao mesmo tempo, proteger a diversidade.
Outros ativistas ecoaram essa mesma mensagem. O ativista curdo Sheruan Hassan argumentou que um sistema federal democrático e descentralizado é a única maneira de proteger a Síria da tirania e da opressão.
“Seria uma garantia realista para a unidade da Síria, para proteger sua diversidade e impedir que se torne um novo Afeganistão às portas da Europa”, disse ele.
Petição aos líderes mundiais
Com as eleições parlamentares sírias marcadas para o final deste mês, os ativistas alertaram que quaisquer estratégias diplomáticas para consolidar o governo de Sharaa iriam reforçar a repressão em vez de resolver as divisões do país.
O evento foi encerrado com uma petição para “não normalizar” as relações com Damasco, sob o argumento de que isso colocaria em risco as minorias. A petição é dirigida ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e a líderes mundiais, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o presidente da França, Emmanuel Macron, o chanceler alemão, Friedrich Merz, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e a chefe da política externa da União Europeia, Kaja Kallas.
“Não abandonem o povo sírio novamente”, disse Osman.
Edição: Virginie Mangin/fh
Adaptação: Clarissa Levy
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