
Suíça teve papel-chave na criação dos Princípios de Helsinque

Durante a Guerra Fria, a Suíça desempenhou papel estratégico nas negociações que originaram os Princípios de Helsinque, fundamentais para a criação da OSCE. Atuando como mediadora entre os blocos e defensora dos direitos humanos, o país marcou sua abertura diplomática e continua relevante no fórum europeu.
Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.
Em plena Guerra Fria, os países de ambos os lados da Cortina de Ferro concordaram com valores fundamentais comuns. Entre os blocos, a Suíça assumiu um papel de “liderança” na mediação em questões de direitos humanos, como expressa hoje um membro da delegação polonesa da época.
Trinta e cinco Estados europeus, os EUA e o Canadá concordaram com a soberania estatal, a inviolabilidade das fronteiras e os direitos humanos, quando assinaram os “Princípios de Helsinque” em 1º de agosto de 1975, na capital finlandesa. Eles se comprometeram a respeitar as fronteiras de outros Estados, a não se intrometer em assuntos internos, a resolver conflitos pacificamente, a cooperar economicamente e a respeitar os direitos humanos.
Esse foi o resultado da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE). Nesse fórum político multilateral, Leste e Oeste voltaram a dialogar pela primeira vez desde o início da Guerra Fria.
Como surgiram os “Princípios de Helsinque” e qual foi o papel da Suíça?
Toda a Europa à mesa
Foi no final dos anos 1960 que a União Soviética — junto com os demais Estados do Pacto de Varsóvia — propôs convocar uma conferência sobre segurança e cooperação na Europa. Em 1973, ocorreu a primeira conferência em Helsinque. As negociações para o ato final ocorreram entre 1973 e 1975 em Genebra.
A assinatura do “Princípios de Helsinque” entrou para a história como o auge da política de abrandamento das tensões da década de 1970. O entusiasmo do momento se refletiu nas palavras de um diplomata-chefe britânico da época: “O problema desta conferência é que o clima está bom demais.”
Hans-Jörg Renk, que participou das negociações como jovem diplomata representando a Suíça, recorda: “Para nós, era um terreno completamente novo. O fato de toda a Europa, Leste e Oeste, estar sentada à mesma mesa, era notável.”
No entanto, os Estados tinham objetivos distintos com a CSCE. “A União Soviética queria, acima de tudo, legitimar o status quo”, explica Adam Rotfeld. O diplomata fez parte da delegação polonesa em Helsinque em 1975, e atuou brevemente como Ministro das Relações Exteriores da Polônia em 2005. “Eles entendiam o ato final como uma espécie de tratado de paz — 30 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.”
O Ocidente, por sua vez, aceitou participar, com a condição de que, além de economia e política de segurança, os direitos humanos também fossem tema de discussão na CSCE.
“Para os soviéticos, isso acabou sendo um cavalo de Troia”, explica Thomas Bürgisser, historiador do Centro de Pesquisa de Documentos Diplomáticos da Suíça (Dodis, na sigla em alemão). “Os Estados membros do Pacto de Varsóvia, mas também dissidentes, passaram a poder se referir aos Princípios de Helsinque.” Foi o caso, por exemplo, da organização de direitos humanos “Grupo Helsinque de Moscou”, ativa na União Soviética entre 1976 e 1982, e do movimento cívico da Tchecoslováquia “Carta 77”, que contribuiu decisivamente para o êxito da Revolução de Veludo em 1989.

No papel de mediadora
Para a Suíça, a participaçãoLink externo na CSCE — da qual inicialmente era cética — foi um passo importante rumo à abertura política externa. Antes de ingressar na ONU, em 2002, este foi o único fórum político multilateral genuinamente político do qual ela participou.
Juntamente com Áustria, Finlândia e Suécia, bem como Iugoslávia, Chipre e Malta, a Suíça integrava o grupo dos Estados neutros e não aliados (abreviado: N+N). “Dentro desse grupo, ela assumiu um papel de liderança na mediação, especialmente no controverso tema dos direitos humanos”, relembra o delegado polonês Rotfeld.
As negociações ocorreram parcialmente em Genebra, e os diplomatas suíços, como atores neutros, conseguiram mediar entre os EUA e a União Soviética sempre que as negociações ameaçavam estagnar. “No entanto, também aqui, o sucesso dessas negociações dependia, sobretudo, da disposição de compromisso entre os dois blocos”, enfatiza Bürgisser.
Após a assinatura do ato final, o Ministério suíço das Relações Exteriores (EDA) enfatizouLink externo que o verdadeiro trabalho estava apenas começando. As negociações continuaram nas conferências seguintes — ainda que o diálogo Leste-Oeste enfrentasse repetidos entraves. “Já na segunda conferência, em Belgrado (1977/78), os diplomatas voltaram para casa sem tomar decisões substanciais”, diz Bürgisser.
Na década de 1980, sob a liderança do ministro Pierre Aubert, a Suíça desenvolveu pela primeira vez uma posição independente em política de direitos humanos, defendendo com mais ênfase e autoconfiança esses temas. Quando foi decretada a lei marcial na Polônia, em 1981, Aubert proferiu um discurso sem precedentes em severidade, chamando o episódio de “tragédia para as polonesas e poloneses”, criticando o regime socialistaLink externo e defendendo a interrupção da conferência da CSCE.

Mostrar mais
Qual é o futuro da neutralidade suíça?
Nova era de paz?
Com o colapso da Cortina de Ferro, iniciou-se uma nova era. Uma nova ordem de Estados não aliados foi consagradaLink externo na cúpula extraordinária de Paris em 1990, com a “Carta de Paris por uma Nova Europa”. Estes declararam seu compromisso com a democracia, economia de mercado e cooperação.
“Paris foi a última cúpula onde o espírito otimista dos primeiros anos voltou a florescer”, lembra o ex-diplomata da CSCE Jerzy Nowak, que também participou das negociações em Genebra entre 1973 e 1975 como membro da delegação polonesa. “Já na conferência seguinte, em Budapeste, em 1994, predominava a sensação de que a cooperação europeia não seria fácil, principalmente no que dizia respeito à Rússia.” Nos anos seguintes, ficou claro que a Rússia pretendia manter sua posição regional dominante. As guerras na ex-Iugoslávia também mostraram que o sonho de uma “era de democracia, paz e unidade”, como proclamado em Paris, era uma ilusão.
“A CSCE tinha tudo para assumir uma função central como organização pan-europeia após o fim dos blocos — mas sempre ficou atrás dos acontecimentos”, afirma Bürgisser. Só ao longo da década de 1990 a conferência foi institucionalizada, com a criação de uma presidência rotativa anual. Desde então, o secretariado e o conselho permanente estão sediados em Viena. Em 1995, a CSCE foi rebatizada como Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
Limites da diplomacia
O papel da Suíça também mudou nos anos 1990. “Na cúpula de Paris, o grupo dos Estados neutros e não aliados teve seu último papel relevante”, conta Marianne von Grünigen, que liderava a delegação suíça na época e conduziu as negociações em Viena junto com Finlândia e Suécia. “Com o fim dos blocos, também se dissolveu o grupo N+N e a neutralidade perdeu importância.”
Mesmo assim, a Suíça continuou engajada na diplomacia multilateralLink externo, participando de missões de observação na Iugoslávia em colapsoLink externo e da missão de manutenção da paz em Nagorno-Karabakh. Em 1996, a Suíça assumiu a presidência da OSCE.

Mostrar mais
Nosso boletim informativo sobre a política externa
Em 2014, a Suíça assumiu novamente a presidência da OSCE — justamente no ano em que os Princípios de Helsinque começaram a ruir com a anexação da Crimeia e a guerra no leste da Ucrânia. Sob a égide da OSCE e a liderança da diplomata suíça Heidi Tagliavini, foram negociados os frágeis cessar-fogo de Minsk I e II. Também nesse contexto ficou claro, como nas guerras da ex-Iugoslávia: “No fim das contas, as resoluções da OSCE são inócuas”, afirma Bürgisser, “pois ela não dispõe de exército próprio, nem pode impor sanções.”
Todas as decisões exigem consenso, razão pela qual a Rússia tem bloqueado muitos processos desde o início da guerra de agressão contra a Ucrânia em 2022. A OSCE opera há três anos sem orçamento regular. “Nunca, em seus 50 anos de história, a OSCE esteve tão paralisada quanto hoje”, diz Bürgisser.
A OSCE, com seus 57 Estados membros, é atualmente a única organização europeia da qual a Rússia ainda participa. Em 2026, a Suíça assumirá a presidência pela terceira vez.
O que a Suíça pode conseguir com sua presidência? O ex-secretário-geral da OSCE, Thomas Greminger, descreve os cenários possíveis:

Mostrar mais
Suíça assume OSCE em meio a crise e incerteza na Europa
Edição: Benjamin von Wyl
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.