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As mudanças do clima atacam nossa saúde

Imogen Foulkes

É chegado o momento: começa a COP27Link externo, a Conferência do Clima da ONU, desta vez no balneário egípcio Sharm El-Sheikh. Muitos chefes de governo comparecem ao encontro, cada um polindo da melhor forma possível suas credenciais climáticas. Alguns pensam de fato aquilo que proferem em seus discursos. Outros nem tanto assim.

Em 2021, quando começava a COP26 em Glasgow, na Escócia, a conferência era anunciada como um momento de “tudo ou nada” para o planeta, talvez a última oportunidade de manter o aumento da temperatura global dentro da meta de 1,5 °C estabelecida no Acordo de Paris em 2015.

As negociações estenderam-se noite adentro. Vários governantes de pequenos países insulares, cujas populações enfrentam ameaças existenciais em função do aumento do níveo do mar, estavam prestes a desabar em lágrimas, enquanto ia sendo alinhavado o inevitável e frágil compromisso.

No fim da Conferência, foi selado um acordo com novas metas estipuladas para a atenuação das mudanças climáticas e financiamento de tecnologia de energia verde, bem como adaptação à mesma. E agora, onde estamos?

Infelizmente, em uma situação não muito boa. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) da última semana avaliou a diferença entre o volume de gases de efeito estufa que ainda estamos emitindo, em contraponto ao volume que deveríamos estar emitindo. A conclusão é a de que agora não há mais “nenhum caminho plausível” para permanecer dentro da meta de 1,5°C.

As consequências disso já são bastante visíveis – desde o derretimento recorde das geleiras na Suíça, passando pelas inundações catastróficas no Paquistão, até as sucessivas secas no Nordeste da África. E, cada vez mais, as mudanças climáticas estão causando danos não apenas ao meio ambiente a nosso redor, mas a nossa própria saúde pessoal.

Quente demais para viver

No nosso podcast “Inside Geneva” desta semana, conversei com duas pessoas que têm se dedicado, há muito tempo e de maneira intensa, aos efeitos da mudança climática sobre nossa saúde e bem-estar. Ninni Ikkala-Nyman, da Cruz Vermelha, trabalhou recentemente em uma reportagem intitulada “Calor extremo: preparando para as ondas de calor do futuro”, junto do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Enucah).

Não é um relatório de leitura fácil. Segundo o documento, “as previsões são de que as ondas de calor venham a exceder os limites fisiológicos e sociais do ser humano em regiões como o Sahel [faixa localizada entre o deserto do Saara e a savana do Sudão], o Chifre da África e o Sul e Sudoeste Asiático”. Ou seja: determinadas partes do mundo não vão conseguir abrigar a vida humana por muito tempo.

Órgãos humanitários como a Cruz Vermelha já estão imaginando como isso poderá acontecer: “Um grau ou meio de aumento tem um impacto exponencial direto no número de casos de cólera ou no número de pessoas que morrem devido a ondas de calor”, afirmou Ikkala-Nyman ao Inside Geneva.

Nosso segundo convidado no podcast desta semana é Lachlan McIver, da ONG Médicos sem Fronteiras. Este ano, como salientado pela OMS, estamos testemunhando um sensível aumento de surtos de cólera na Síria, no Haiti e na Nigéria. A disseminação tem sido tão rápida que a OMS acabou sendo obrigada a racionar as vacinas contra cólera, aplicando apenas uma dose no lugar das duas usuais. O aumento do calor e as inundações são apontados como algumas entre as causas do aumento de casos.

As estimativas mais otimistas indicam uma elevação de 1°C na temperatura, o que deve acarretar um aumento de 5% nos casos de mortalidade infantil, afirma McIver.

“A mudança climática vai, portanto, provocar a morte de aproximadamente mais 70 crianças por dia, em consequência de diarreia, estando a maioria delas na África Subsaariana”, diz McIver.

O que podemos, então, fazer?

Muita gente se sente indefesa frente às mudanças climáticas. Trata-se de um desafio tão grande que será necessário fazer mudanças sistêmicas para debelá-lo. E essas mudanças, apesar de todos as conferências COP, nunca parecem amplas ou radicais o suficiente para fazer de fato diferença.

Em vez disso, os números estão caminhando na direção errada. Cientistas sugerem que podemos esquecer o limite do 1,5°C e esperar, se não tivermos muito cuidado, 2,6°C ou até mais.

No entanto, no lugar de concluir este artigo com um tom absolutamente sombrio, vou mencionar uma coisa positiva que testemunhei esta semana. O Club Diplomatique de Genebra, ao lado da Fundação por Genebra, sediou um debate sobre como essa cidade, com toda a sua inquestionável experiência, poderia se empenhar mais na condução das mudanças climáticas.

As ideias eram muitas e surgiram rapidamente: desde transformar a rica Genebra em um “laboratório” verde carbono neutro, no qual outros centros urbanos do mundo poderiam se inspirar – uma forma de aproveitar a experiência, o conhecimento e as capacidades das muitas agências de ajuda internacional, com o objetivo de enfrentar o aquecimento global.

É verdade que os debates são bem frequentados, mas depois acabam rapidamente esquecidos. Suspeito, contudo, que não seja o caso deste. A sala – muito grande – estava cheia. Especialistas de empresas, do setor humanitário, cientistas e pessoas ligadas ao governo local estavam presentes, dando sugestões e compartilhando ideias.

Ou seja, enquanto todos os olhos estiverem voltados para a COP27 nos próximos dias, precisamos tentar manter a esperança de que há coisas que podemos fazer na condição de indivíduos, comunidades, profissionais e organizações.

Como coloca McIver (acesse o podcast “Inside Geneva” para ouvir o depoimento dele e de Ikkala-Nyman na íntegra), “esta não é uma ameaça futura distante, que vai recair sobre pessoas pobres, agricultores ou afetar apenas países em desenvolvimento”.  A mudança climática já está afetando todo mundo, e cabe a nós assumir a responsabilidade.

Adaptação: Soraia Vilela

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