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Fortalecimento de laços comerciais entre Rússia e Irã desafia sanções Internacionais

Horizonte com um navio e helicópteros
Rússia é agora o principal fornecedor de grãos do Irã. Alamy Stock Photo

Rússia e Irã, ambos sob sanções internacionais, estão intensificando seus laços, inclusive em relação ao trigo, que é comercializado principalmente a partir da Suíça. Embora o negócio seja permitido por razões humanitárias, esta é uma questão delicada.

“Só porque um país é sancionado, isso não significa que o comércio desaparece”, disse Sharif Nezam-Mafi, presidente da Câmara de Comércio Irã-Suíça, em uma recente conferência de grãos em Genebra. “O que vemos é o surgimento de um bloco sancionado com sistemas paralelos.”

Ele estava falando para uma multidão de executivos de negócios que se reuniram para explorar desafios e oportunidades no mercado iraniano de grãos. De acordo com a Swiss Trading and Shipping Association, 80%Link externo dos cereais do mundo são comercializados na região de Genebra pelas cinco principais empresas de produtos primários: Archer Daniel Midlands (ADM), Bunge, Cargill, Cofco e Louis Dreyfus.

Implementando a sanções contra a Rússia

A invasão da Ucrânia fez com que a União Europeia, EUA e países do G7 aplicasse sanções contra indivíduos, empresas e comércio da Rússia. A Suíça se alinha à UE e colocou em vigor seu décimo pacote de sanções em março.

Isso não impediu a comunidade internacional – incluindo ONGs e, mais recentemente, o G7 – de criticar a Suíça por não fazer o suficiente. Eles apontam, sobretudo, para a quantidade limitada de ativos russos congelados na Suíça e argumentam que a nação alpina poderia se esforçar mais para aplicar as sanções.

Nesta série de artigos, analisamos quais medidas a Suíça tomou para se conformar aos padrões internacionais e onde está atrasada. Questionamos os fundamentos para as sanções e suas consequências para as empresas de commodities baseadas na Suíça. Também analisamos os ativos russos no país e entendemos como alguns oligarcas contornam as sanções.

As sanções ocidentais impostas à Rússia após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022 coincidiram com uma grave escassez de trigo no Irã, que fez disparar as importações do maior exportador mundial do grãoLink externo. As inscrições de empresas russas para uma conferência anual de grãos no Irã dispararam este ano, disse Nezam-Mafi.

O Irã também está sob sanções internacionais desde 1979. A última rodada de sanções foi imposta em 2006, depois que o país se recusou a interromper seu programa de enriquecimento de urânio.

O comércio de produtos agrícolas está isento de sanções internacionais por razões humanitárias (ver quadro). Em Genebra, os negociantes confirmaram que os principais comerciantes agrícolas e empresas de inspeção têm licenças que lhes permitem facilitar o comércio de trigo entre a Rússia e o Irã, bem como manter uma presença em Teerã.

Licença humanitária

A produção nacional de grãos do Irã foi devastada pela secaLink externo em 2021, forçando-o a recorrer a importações para compensar o déficit. O país do Oriente Médio se tornou o maior comprador individual de trigo russo nos meses após a invasão da UcrâniaLink externo, quando as exportações russas desmoronaram temporariamenteLink externo enquanto bancos e empresas de navegação não sabiam como reagir às sanções internacionais.

Isenções de sanções para o comércio de trigo

Em julho de 2022, o Departamento do Tesouro dos EUA expandiu suas licenças gerais sobre transações agrícolas, reiterando que os grãos não são alvo do regime de sanções contra a Rússia. Um informativo sobre segurança alimentar estipula que os EUA pretendem levar bens essenciais como trigo aos mercados mundiais a fim de “reduzir o impacto da guerra não provocada da Rússia contra a Ucrânia no abastecimento e nos preços globais de alimentos”. Uma comunicação anterior, emitida durante um período de preços globais do trigo altíssimos em abril de 2022, esclareceu que os EUA não pretendiam criar obstáculos às exportações agrícolas.

A Suíça seguiu em agosto de 2022 adotando novas regras para permitir transações com empresas russas, se necessário para o comércio humanitário. O Conselho Federal (Poder Executivo) também introduziu a possibilidade de descongelamento de ativos de entidades sancionadas se consideradas essenciais para transações de trigo.

As remessas se recuperaram em parte, já que Moscou trabalhou para diversificar seus mercados de exportação. Mas o Irã permaneceu como um dos três principais destinos, respondendo por 15% de suas vendas externas do grão no ano civil de 2021 e 13% em 2022, como mostram dados da KPLER, um observatório de commodities.

Em períodos anteriores de escassez interna, o Irã importou trigo de uma variedade de fontesLink externo, incluindo a Alemanha. Mas nos últimos dois anos, sua dependência da Rússia aumentou, com 83% de suas importações de trigo vindo do país em 2021 e 72% em 2022, de acordo com dados compilados pela KPLER.

Homem fazendo pão em forno
Peter Menzel/Keystone/Science Photo Library

Os “cinco grandes” traders de grãos estão relutantes em discutir o tema abertamente. Quando a SWI swissinfo.ch pediu à ADM um comentário sobre suas atividades, um porta-voz disse apenas que a empresa “faz negócios globalmente, conectando culturas e mercados em mais de 190 países, cumprindo todos os regulamentos e sanções impostas”.

A Louis Dreyfus observou em seu relatório financeiro de 2022 que suspendeu suas operações na Rússia após a invasão da Ucrânia, embora tenham sido retomadas mais tarde “na medida do possível, visando atender aos compromissos e demandas dos clientes, cumprindo todas as sanções, leis e regulamentos aplicáveis”.

Em abril, a Reuters informouLink externo que a empresa planejava parar de exportar grãos russos a partir de julho de 2023, mas um porta-voz se recusou a fornecer mais detalhes ou comentar sobre o Irã quando contatado pela SWI.

Bunge, Cargill e Cosco não responderam a repetidos pedidos da SWI swissinfo.ch para comentar se isenções de sanções por razões humanitárias lhes permitiam facilitar as transações de trigo entre a Rússia e o Irã.

Problemas de pagamento

Mesmo com licenças humanitárias, o comércio de grãos com o Irã é repleto de dificuldades. “A maioria das pessoas não tem ideia de como é difícil fazer negócios em um dos países mais sancionados do mundo”, disse Merzad Jamshidi, membro do conselho de liderança da região do Oriente Médio e África da Associação Internacional de Operários Millers, à SWI swissinfo.ch na conferência de Genebra.

Uma questão fundamental é o pagamento, porque as sanções financeiras de longa data cortaram o acesso do Irã ao sistema bancário internacional. “Há duas questões quando se trata de se fazer operações bancárias com o Irã”, disse Esfandyar Batmanghelidj, economista e fundador da Bourse & Bazaar Foundation, um laboratório de idéias com sede em Londres focado no Oriente Médio e na Ásia Central.

“Em primeiro lugar, poucos bancos iranianos mantêm relações bancárias com bancos correspondentes europeus, ou quaisquer bancos”, disse ele. A maioria dos bancos internacionais reluta em se envolver com países sancionados, mesmo em bens humanitários. Isso torna difícil para os importadores iranianos de trigo encontrar um canal bancário para fazer pagamentos ao exportador, disse Batmanghelidj.

Em segundo lugar está o acesso limitado a moeda forte. “O desafio é que o Banco Central do Irã (BCI) teve a maior parte de suas reservas internacionais congeladas e o dinheiro do petróleo que o Irã usou para financiar seu comércio não está mais facilmente acessível”, disse Batmanghelidj. Os EUA restringiram o papel da BCILink externo no comércio humanitário para reprimir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

O BCI também está no centro de um sistema iraniano disfuncionalLink externo de subsídios para bens essenciais, como trigo, que dá aos comerciantes uma taxa de câmbio preferencial que lhes permite importar a um custo mais baixo. Mas o banco central não conseguiu atender à demanda por moeda forte em tempo hábil, deixando os transportadores de grãos presos fora dos portos iranianoLink externos por meses aguardando o pagamento de suas cargas (veja o gráfico).

Os preços dos alimentos dispararamLink externo no Irã nos últimos anos, à medida que a moeda iraniana entrou em colapso e o governo cortou subsídios. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura calculou que o número de iranianos incapazes de pagar por uma dieta saudável subiu de 9,6 milhões em 2017 para 17,1 milhões em 2020 – mais de 20% da população.

“O Irã é um país onde você não tem uma crise aguda de fome, mas o que as sanções fizeram foi criar um ambiente onde a acessibilidade e a disponibilidade de bens essenciais, incluindo alimentos, não estão garantidas”, disse Batmanghelidj.

Novos corredores comerciais

O trigo não é a única manifestação dos laços crescentes entre a Rússia e o Irã. Moscou mostrou interesse renovadoLink externo em desenvolver novas rotas comerciais. A diplomacia tem estado fervilhante, com várias reuniões em nível presidencial só em 2022. Apenas um mês após a invasão da Ucrânia, o ministro das Relações Exteriores da Rússia prometeu trabalhar com o Irã para contornar as sanções internacionais. A aproximação alarmou os EUALink externo, cuja principal prioridade é interromper o envio de armas entre os dois párias.

Um grande projeto é o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (INSTC, International North-South Transport Corridor), que visa conectar a Rússia à Índia através da Ásia Central e do Irã. A rede de ferrovias, rodovias e rotas marítimas sobre e ao redor do Mar Cáspio deve ser mais direta do que a rota tortuosa através dos mares do Norte e do Mediterrâneo e do Canal de Suez, reduzindoLink externo significativamente o tempo e o custo do trânsito de carga.

Embora o projeto esteja em discussão há mais de 20 anos, as sanções ocidentais revigoraramLink externo o interesse da Rússia. Um lote de teste de mercadorias foi enviado de São Petersburgo através do Mar Cáspio para Mumbai em junho de 2022. Enquanto isso, o Irã se aproximou da União Econômica Eurasiática, um bloco de livre comércio de vários ex-estados soviéticos.

Moscou e Teerã estariam trabalhandoLink externo no estabelecimento de canais financeirosLink externo diretos que contornem o sistema internacional dominado pelo Ocidente e a Rússia se tornou o maior investidor no Irã. De acordo com o ministro das Finanças do Irã, dois terços do investimento estrangeiro direto do país no ano até março de 2023, ou seja, US$ 2,76 bilhões, vieram da Rússia.

Há limites para a camaradagem russo-iraniana, no entanto. As linhas ferroviárias do INSTC estão incompletas e, embora as rotas marítimas estejam operacionais, a capacidade de carga no Mar Cáspio é limitada.

Esfandyar Batmanghelidj, o economista, duvida que a intensificação das relações com a Rússia seja um divisor de águas para o Irã. “Eles ainda têm as restrições bancárias”, disse ele. “Vai ser muito difícil para a Rússia e o Irã criar uma cadeia de suprimentos que compense a incapacidade de comprar commodities essenciais no mercado global.”

E, no entanto, os executivos de negócios que participaram da conferência de grãos em Genebra viram muitas oportunidades para mais comércio regional. Do ponto de vista iraniano, as abordagens e o controle dos mercados por parte dos ocidentais está se afrouxando.

Edição: Nerys Avery

Adaptação: DvSperling

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