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Taxação de heranças na Suíça não é pequena em comparação aos países da OCDE

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Uma nova iniciativa visa a introdução na Suíça de um imposto sobre heranças para grandes fortunas. Keystone/DPA/Arne Dedert

A iniciativa socialista a ser votada no final de novembro voltou a lançar luz sobre a taxação de heranças na Suíça. Os dados mostram que a carga fiscal vem diminuindo e permanece moderada quando observada em sua totalidade. Mas as fortes disparidades entre os cantões dificultam a comparação. Enquanto alguns não taxam heranças, outros impõem tributos mais altos do que muitos países desenvolvidos.

Em 30 de novembro, a população suíça votará uma iniciativa sobre a taxação de heranças no país. Lançada pelos Jovens Socialistas, ela busca introduzir um imposto federal sobre heranças e doações de grandes fortunas. Os recursos arrecadados seriam destinados a financiar a política climática. Mas suas chances de aprovação são muito baixas.

>> Leia nosso artigo que explica os principais pontos da votação, bem como os argumentos de defensores e opositores:

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A ideia de introduzir um imposto sobre heranças para alimentar os caixas públicos não é nova, mas continua bastante controversa. Em 2015, a população suíça votou uma iniciativa que previa a criação de um imposto federal sobre heranças milionárias para financiar o sistema previdenciário AHV/AVS. Ela foi rejeitada por mais de 70% dos eleitores e eleitoras.

Na época, o Conselho Federal (Executivo Federal), a direita e os setores empresariais se manifestaram contra o projeto, argumentando que ele aumentaria a carga tributária para muitos herdeiros e levaria os contribuintes mais ricos a deixarem a Suíça. Ainda assim, nem todos abandonaram a ideia.

Ela também retorna periodicamente ao debate em outros países desenvolvidos, evidenciando um contexto global de aumento das desigualdades de riquezas e de tensões orçamentárias. É o que ocorre atualmente, por exemplo, na FrançaLink externo e na AlemanhaLink externo.

Quatorze países da OCDE não cobram impostos sobre heranças

Segundo a OCDELink externo, dos 38 países desenvolvidos que compõem a organização, 24 cobram imposto sobre heranças. A Suíça é um deles, mas ela possui a particularidade de delegar essa competência exclusivamente aos cantões (unidades federativas semelhantes a estados).

De fato, não existe nenhum imposto federal sobre heranças na Suíça. Cada cantão fixa suas regras de cobrança e arrecadação. Quase todos os cantões do país (24 de 26) aplicam algum tipo de tributação, com exceção de Obwald e Schwytz, segundo a Conferência Suíça de ImpostosLink externo.

Em todos os outros países, com exceção da Bélgica, que também atribui essa competência às suas esferas regionais, o imposto sobre heranças é recolhido pelo governo central.

Entre os 14 países que não dispõem de uma taxação desse tipo, quatro nunca a tiveram. Os outros foram progressivamente suprimindo esse imposto a partir dos anos de 1970, principalmente devido à “falta de apoio político ao seu favor”, segundo a OCDE. A Noruega e a República Tcheca foram os últimos a aboli-lo, em 2014.

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Princípios comuns

Entre os países da OCDE que aplicam um imposto sobre heranças, existem certas regras comuns em sua concepção. Em geral, ele é progressivo, ou seja, a maioria dos países aplica alíquotas mais altas sobre as transmissões de patrimônios maiores.

Outro critério determinante é o grau de parentesco: os familiares mais próximos costumam se beneficiar de condições mais favoráveis. Heranças transmitidas para cônjuges são isentas em quase todos os países, e as transmitidas para filhos são isentas na maioria – quando esse não é o caso, há reduções fiscais consideráveis.

E esse também é o caso na Suíça. Todos os cantões isentam os cônjuges e parceiros registrados do imposto sobre heranças, e quase todos – exceto três – isentam os descendentes diretos.

Grandes variações nos detalhes

No nível de detalhe, porém, as alíquotas e faixas de isenção variam consideravelmente – entre os países e entre as próprias regiões, no caso de Estados federativos como a Suíça e a Bélgica.

Por exemplo, nos países da OCDE, as alíquotas de imposto sobre heranças recebidas por filhos e filhas variam de 0% a 55% no Japão, passando por 50% na Coreia do Sul e 45% na França. A média é de 15%.

No caso de herdeiros diretos, a Suíça fica bem abaixo da média: há apenas três cantões que não os isentam totalmente, e mesmo assim aplicam alíquotas baixas: 1% sobre heranças acima de 300 mil francos suíços em Appenzell Rhodes-Interior, 3% em Neuchâtel e entre 0,1% e 7% sobre heranças superiores a 1 milhão de francos no cantão de Vaud.

O cenário, no entanto, muda consideravelmente quando analisamos os impostos aplicados sobre heranças transmitidas a herdeiros sem vínculos de parentesco. Nesses casos, as alíquotas na Suíça variam muito entre os cantões e podem chegar a mais de 50% nos cantões de Vaud e Genebra – níveis próximos aos dos países com tributação mais alta. A título de comparação, na França essa taxa é de 60%.

>> Os mapas abaixo, baseados em uma comparação do site especializado VermögensZentrumLink externo, mostram quanto de uma herança de 500 mil francos seria destinado ao pagamento de impostos, de acordo com o cantão e o grau de parentesco, em 2025.

Receitas fiscais geralmente baixas

Essas diferenças se refletem naturalmente nos recursos arrecadados por cada Estado com a taxação de heranças. Ainda assim, a OCDE destaca que as receitas desse tipo de arrecadação permanecem baixas em quase todos os países.

Nos países da OCDE que taxam heranças, em média, apenas 0,5% da arrecadação total de impostos é proveniente desse tipo de tributo. A OCDE explica que isso se deve principalmente a “bases tributárias estreitas e possibilidades de otimização fiscal”. Isso significa, em termos claros, que na maioria dos países apenas uma pequena parte das heranças está sujeita à tributação máxima.

Na Suíça, os impostos sobre heranças (1,5 bilhão de francos) representaram 0,7% da arrecadação total das administrações públicas em 2023, incluindo o Governo Federal. Mas essa comparação com países centralizados não faz muito sentido, pois, como já foi dito, na Suíça tudo é feito em nível cantonal. Para os cantões, a tributação de heranças e doações representa 2,4% das receitas fiscais.

Os impostos sucessórios ultrapassam 1% da carga tributária em apenas quatro países da OCDE: Coreia do Sul, França, Japão e Bélgica. Na Coreia, eles chegam mesmo a superar 2% da receita, um recorde mundialLink externo.

Além dos 14 países que não tributam heranças, há ainda oito em que os impostos sucessórios representam menos de 0,25% das receitas fiscais.

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Redução de impostos, aumento de heranças

Nas últimas décadas, a tendência internacional tem sido de abolir ou reduzir os impostos sobre heranças. Desde a década de 1980, os montantes isentos foram ampliados e as alíquotas reduzidas em muitos países da OCDE, observa a organização.

O mesmo fenômeno é observado na Suíça. Ao longo das últimas três décadas, a alíquota média de tributação vem diminuindo constantemente no país, destaca Marius BrülhartLink externo, professor de economia na Universidade de Lausanne e um dos maiores especialistas em impostos sobre heranças. Um de seus trabalhos mais reconhecidos na área foi este estudoLink externo publicado em 2023.

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Esse recuo, explica ele, deve-se “principalmente à eliminação dos impostos sucessórios para descendentes diretos”. “Em uma espécie de efeito dominó fiscal”, escreve o especialista, os impostos sobre heranças foram reduzidos em todo o país entre 1991 e 2004. O cantão de Obwald chegou mesmo a aboli-lo completamente em 2017, embora só o tivesse introduzido em 1981.

Como resultado, embora o volume total das heranças tenha disparado – passando de 20 bilhões de francos em 1990 para 88 bilhões em 2022 –, a arrecadação proveniente da tributação de heranças praticamente não se alterou: elas totalizavam cerca de 900 milhões de francos em 1990 e menos de 1,4 bilhão em 2022.

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1,6 franco de imposto a cada 100 francos herdados

Em outras palavras, a cada 100 francos herdados na Suíça atualmente, paga-se, em média, apenas 1,6 franco em impostos. A Conferência de Impostos afirma que essa tributação é “bastante modesta” em relação ao volume de heranças e doações. Neste ano, essas transmissões devem atingir um nível recorde de 100 bilhões de francos no país, de acordo com as estimativasLink externo de Marius Brülhart.

Esse fenômeno também não se limita à Suíça. Em escala mundial, “as heranças que serão transmitidas pela geração dos baby-boomers representam a maior transferência de riqueza da história financeira”, afirma um estudo da consultoria EY Switzerland publicado no ano passado.

Segundo a consultoria, em 2024, entre 2 e 3 trilhões de dólares foram herdados em todo o mundo, e “um valor equivalente ao PIB anual da China” (18 trilhões de dólares) será transmitido [para herdeiros] até 2030 – o que, aos olhos de alguns, representa uma fonte potencial gigantesca de recursos para os cofres públicos.

A legitimidade de tributar heranças e doações divide opiniões, inclusive entre economistas. Aqui está um panorama resumido dos principais argumentos a favor e contra esse tipo de taxação.

A favor:

Nos últimos anos, a participação das heranças na formação da riqueza aumentou, e as desigualdades se acentuaram nos países desenvolvidos, inclusive na Suíça, como explica este artigo do grupo TamediaLink externo. Para seus defensores, o imposto sobre heranças contribuiria para limitar a concentração de riqueza e promover a igualdade de oportunidades, redistribuindo parte do patrimônio herdado.

A taxação também é vista como uma fonte de financiamento de políticas públicas que poderia ser mais justa do que outros impostos, uma vez que incide sobre as famílias mais ricas.

Também existem argumentos economicamente liberais a favor da tributação de heranças: segundo seus defensores, ela seria economicamente mais eficiente do que o imposto sobre a renda, pois teria um impacto menor sobre o incentivo ao trabalho e ao empreendedorismo. Além disso, a tributação sucessória estimularia o consumo ou o investimento ainda em vida.

Contra :

Os opositores desse tipo de imposto, por sua vez, denunciam uma dupla tributação sobre bens que já foram taxados em vida, além de considerarem que a medida fere o direito de propriedade e a transmissão familiar do patrimônio.

Há ainda quem aponte os possíveis efeitos prejudiciais à economia caso esse imposto seja mal concebido. Estudos mencionam o risco de desestimular o empreendedorismo e a poupança, além de levar contribuintes mais ricos e empresas a deixarem o país. Essa, aliás, é uma das principais preocupações do governo suíço, que se posicionou contra a iniciativa que será votada em 30 de novembro.

Adaptação: Clarice Dominguez & Fernando Hirschy

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