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“A ONU é mais do que necessária”

O ex-ministro suíço das Relações Exteriores, Joseph Deiss, vai presidir a Assembleia Geral da ONU por um ano, Keystone

Como ministro das Relações Exteriores, Joseph Deiss, negociou o ingresso da Suíça na Organização das Nações Unidas em 2002. A partir de 14 de setembro, ele vai presidir a Assembleia Geral da ONU por um ano.

A ONU é única organização universal, disse ele, em entrevista à swissinfo.ch, em Nova York. Deiss pretende priorizar a economia verde e a governança global durante seu mandato.

No plenário estava também a ministra suíça das Relações Exteriores, Micheline Calmy-Rey, que em 2003 sucedeu Deiss na equipe do governo suíço. Deiss vai suceder o diplomata líbio Ali Treki.

Deiss agradeceu a confiança depositada em sua pessoa e em seu país. “Os valores abraçados pela Nações Unidas ao ser fundada continuam sendo absolutamente relevantes”, disse o ex-ministro, que ocupou a presidência rotativa da Suíça em 1994.

De maneira formal, a presidência da Assembleia Geral é o cargo mais elevado da ONU. Ao contrário do secretário-geral Ban Ki-moon ou do Conselho de Segurança, o presidente da Assembleia Geral não tem poder de decisão.

Deiss irá assumir o cargo juntamente com o início da 65ª sessão em 14 de setembro. Assim ele retorna ao lugar estreitamente ligado a um dos mais importantes sucessos da sua carreira política: o “sim” do eleitor helvético no plebiscito que aprovou a adesão da Suíça à Organização das Nações Unidas.

Deiss já descreveu o momento em que a bandeira vermelha com a cruz branca foi içada na sede da ONU em Nova Iorque, em setembro de 2002, como um dos momentos mais bonitos da sua carreira.

Como ministro das Relações Exteriores, Joseph Deiss apoiou abertamente a campanha pelo “sim” à adesão à ONU. Um dos seus mais fortes opositores, o político Christoph Blocher, se tornou posteriormente colega no colegiado de ministros da Suíça. Ele havia advertido contra a perda de soberania, neutralidade e independência da Suíça caso isso ocorresse.

swissinfo.ch: Em seu discurso de posse, o senhor citou a seguinte frase do preâmbulo da Constituição suíça: “A força de uma comunidade é medida pelo bem-estar do mais fraco de seus membros.” É lema para seu trabalho?
Joseph Deiss: Em nosso país, a solidariedade desempenhou um papel importante desde o início. Isso pode ser uma receita de sucesso também para a comunidade internacional. Recebi muitos reações positivas sobre essa citação.

swissinfo.ch: A organização como um todo enfrenta grandes desafios. A ONU ainda pode se impor em grandes questões globais?
J.D.: Precisa-se mais do que nunca da ONU. Pois é a única organização que pode reclamar a universalidade. As principais questões que a humanidade enfrenta hoje são questões globais. Estas devem ser debatidas em um lugar onde o mundo inteiro está presente. Não conheço nenhum outro lugar em que isso pode acontecer.

swissinfo.ch: Seu primeiro grande evento como presidente da Assembleia Geral será a cúpula sobre os Objetivos do Milênio. O que o senhor espera da conferência?
J.D.: Eu naturalmente espero um sucesso. Como sucesso vejo um novo espírito de otimismo, em que não digamos simplesmente que podemos alcançar estes objetivos até 2015 e sim tenhamos um plano de ação para isso, e todos saibam o que fazer.

É importante mostrar também que se faz grandes coisas. As Metas do Milênio e as atividades relacionadas são um exemplo disso. Pode-se dizer que é o maior projeto iniciado até hoje pela humanidade para finalmente atacar a pobreza.

Minha mensagem será: muita coisa foi feita, mas ainda há muito por fazer. E temos os meios para fazê-lo. Basta querermos. E se o fizermos, certamente as pessoas mundialmente saberão apreciar e reconhecer a ONU.

swissinfo.ch: A Assembleia Geral, que não tem autoridade legislativa própria, às vezes é classificada desdenhosamente como local de bate-papo. O que o senhor diz dessa acusação?
J.D.: Esta opinião é expressa frequentemente. Minha resposta é que a Assembleia Geral tem mais autoridade e poder do que geralmente se supõe. Ela é responsável pelo orçamento da organização e pela eleição do Secretário-Geral, para citar apenas dois exemplos.

É igualmente importante que é a Assembleia Geral que guarda a Carta e a continua desenvolvendo. Não é totalmente correto dizer que ela não tem poderes legislativos.

A Assembleia Geral tem um caráter quase legislativo, como dizem os especialistas. Em outras palavras, ela pode colocar os alicerces para o desenvolvimento de leis.

Mas, para mim, a melhor resposta à acusação é: Sim, e daí? Eu constato que ainda não há outro lugar no mundo onde todos os 192 países possam tomar a palavra e dizer o que querem. E todos tenham de ouvir. Eu considero uma enorme conquista da comunidade internacional que isto possa acontecer.

swissinfo.ch: Em que áreas o senhor pretende definir prioridades?
J.D.: Uma questão em que eu gostaria de fazer um esforço especial é a economia verde. Quando falamos em desenvolvimento econômico, devemos ver a ligação com o meio ambiente, o mundo precisa de um desenvolvimento sustentável.

Outra área é a governança global. Como podemos encontrar respostas para questões que só podem ser resolvidas de forma transnacional, tratadas também por alguns grupos menores, como o G20, fora da Assembleia Geral. A questão é como podemos reforçar o papel da Assembleia Geral na governança global.

swissinfo.ch: Seu cargo tem caráter essencialmente de coordenação. Sua tarefa não é emitir opiniões políticas. Apesar disso, o que o senhor pode fazer?
J.D.: Eu quero e tenho de ser o presidente para todos os 192 Estados-membros. Este é meu principal objetivo. Se eu exercer bem o cargo de presidente – que é muito mais significativo do que talvez geralmente se supõe –, certamente posso alcançar muito.

Quando queremos avançar em questões difíceis na Assembleia Geral, nomeamos facilitadores, pessoas que tentam primeiro em círculos menores chegar a uma solução. Como presidente, eu me vejo em certo sentido como facilitador principal: muito mais do que os facilitadores específicos, eu tenho a tarefa de ajudar os Estados-membros a chegar a um consenso.

Também tenho alguns recursos significativos para isso. Assim, a agenda é definida pela Comissão Geral, que tem 21 membros e que eu presido. O presidente pode também lançar um debate temático e promover questões que lhe sejam particularmente próximas ou tenham uma atualidade especial.

swissinfo.ch: Um tema polêmico é a emperrada reforma do Conselho de Segurança. O senhor, como o presidente da Assembleia Geral, pode fazer algo para que haja avanços?
J.D.: Isso é de fato uma das questões mais complicadas que a Assembleia Geral tem a resolver. Já me aprofundei no assunto e me reuni com o facilitador. Espero que possamos dar um novo impulso à discussão, mesmo sabendo que provavelmente não conseguiremos resolver completamente a questão em um ano.

Há consenso hoje de que uma reforma é imprescindível. Mas ainda há controvérsias sobre quais mudanças são necessárias. A questão agora é saber se os importantes trabalhos dos últimos meses darão frutos.

Estamos no ponto em que os Estados-membros são conclamados a tomar suas posições sobre as propostas elaboradas pelo facilitador. Estamos esperando isso, e daí veremos os passos seguintes.

swissinfo.ch: Como presidente, o senhor não representa a Suíça. Mesmo assim, o senhor pode recorrer a valores suíços em sua função?
J.D.: Certamente a experiência com a neutralidade, que também é sempre mencionada por muitos ao meu redor. Eu acho que também a nossa capacidade de consenso desperta grandes esperanças. Talvez também o nosso pragmatismo em buscar soluções para os problemas em vez de discutir teorias.

Rita Emch, swissinfo.ch, New York
(Adaptação: Geraldo Hoffmann)

Joseph Deiss nasceu em 1946, em Friburgo. Ele é casado e pai de três filhos já adultos.

O político do Partido Democrata Cristão foi eleito para a Câmara dos Deputados em 1991. Ele foi eleito membro do governo federal em 1999, onde assumiu primeiramente o posto de ministro das Relações Exteriores. Em 2003, assumiu o posto de ministro da Economia. No verão de 2006, Deiss pediu para se retirar do governo federal.

De 1984 até sua eleição ao governo federal em 1999, ele atuou como professor de economia na Universidade de Friburgo.

De 1993 até 1996, Deiss foi o controlador oficial de preços na Suíça.

Dentre os sucessos durante seu mandato como ministro das Relações Exteriores: o “sim” em maio de 2000 do eleitor aos acordos bilaterais com a União Europeia e, em 2002, o “sim” para a adesão da Suíça à ONU.

Como ministro da Economia: o “sim” do eleitor em 2005 ao tratado de extensão da livre circulação com a União Europeia.

O cargo de presidente da Assembleia Geral da ONU é voluntário – sem salário.

O governo suíço aprovou uma ajuda de 240 mil francos a Deiss para cobrir custos de vida e viagens e coloca a disposição dele cinco servidores públicos federais.

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