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A conexão entre colonialismo, Covid e a crise climática

Imogen Foulkes

Descolonização é uma palavra que temos ouvido bastante nos últimos anos. Desde a França devolvendo aos países africanos as peças de arte que havia saqueado no passado, até os estudantes no Reino Unido exigindo a remoção das estátuas do colonialista britânico Cecil Rhodes. O fato é que as antigas potências coloniais e seus cidadãos estão reavaliando o que significa ter um passado imperialista e como isso influencia nas nossas políticas e atitudes de hoje.

Aqui em Genebra, a comunidade humanitária juntou-se ao debate, questionando se as políticas de apoio e a nossa própria concepção de ajuda humanitária precisam mudar. Quem decide quais programas de ajuda irão operar e onde? Qual conselho é consultado? Quem está encarregado desses programas? E os preconceitos e suposições históricas estão influenciando as decisões? Este é um debate intenso e às vezes difícil.

Lata Narayanaswamy, professora associada de política de desenvolvimento global da Universidade de Leeds, no Reino Unido, acredita que assumir uma postura decolonial – que se opõe ao pensamento colonialista –  contribui e melhora muito as iniciativas de ajuda humanitária. 

“A chave é abraçar uma forma mais diversificada de compreender o nosso mundo”, diz. “E isso inclui um envolvimento com nosso passado colonial compartilhado.”

Tammam Aloudat, que trabalhou por muitos anos na instituição de caridade médica Médicos Sem Fronteiras (MSF) e agora é diretor-gerente do Centro de Saúde Global do Instituto de Pós-Graduação de Genebra, acredita que o passado colonial influencia muito a política humanitária hoje.

“O comportamento e a influência desses 500 anos de colonização permanecem presentes”, afirma.

Covid e desigualdade

Tanto Lata quanto Tammam apontam para a pandemia de Covid-19 como um excelente exemplo de como o passado colonial ainda determina quem tem boas condições de enfrentar a crise sanitária e quem não tem. Se você sobrepuser o mapa do império britânico sobre um mapa dos países que, até agora, receberam o menor número de doses de vacina, verá que os dois territórios se sobrepõem perfeitamente.

Apesar dos apelos da Organização Mundial da Saúde (OMS) por igualdade na distribuição de vacinas, os países ricos compraram milhões de doses a preços de mercado, deixando as nações mais pobres sem acesso ao imunizante. Agora, sugere Tammam, esses mesmos países ricos querem parecer que são “os bonzinhos” contratando aviões para entregar suas vacinas excedentes quase vencidas a países de baixa renda que estão esperando há um ano.

A COP26 é outro exemplo das consequências do colonialismo hoje, acredita Lata. As críticas direcionadas à China e à Índia, por defenderem a posição de “reduzir gradualmente” ao invés de “eliminar gradualmente” o carvão, ignoram o fato de que a riqueza do mundo industrializado foi construída sobre séculos de queima de combustíveis fósseis com impunidade. Lata não defende a manutenção do carvão, pelo contrário, mas considera que é legítimo o pedido de apoio econômico dos países em desenvolvimento para que consigam abandonar os combustíveis fósseis.

Presentes ou esmola?

Toda a discussão nos leva a uma das questões-chave sobre a ajuda humanitária: o que ela é exatamente? Nossa linguagem em torno desse termo geralmente remete a um presente, uma doação, uma instituição de caridade. Lata Narayanaswamy acha que precisamos mudar nossa linguagem e, com ela, nossa maneira de pensar. Os países pobres muitas vezes são pobres porque os países ricos enriqueceram às suas custas, ela argumenta.

“Nossa abordagem ao trabalho humanitário e de desenvolvimento melhoraria muito, se pensássemos na ajuda como uma forma de reparação, como uma forma de justiça social para danos contínuos e históricos”, diz.

E é aí que chegamos em uma situação difícil: “Você quer que eu pague reparações? Eu não nasci no século 19. Minha formação não é imperialista”.

Essa é uma pergunta que provavelmente é feita por muitos cidadãos comuns de países ricos, alguns dos quais sofreram anos de austeridade após a crise financeira de 2008 e agora enfrentam novas incertezas econômicas por causa da pandemia.

É claro que existem vários argumentos válidos contra o pensamento de “somos nós ou eles”. Mas é importante lembrar, sobretudo, que prevenir ou aliviar crises humanitárias promove a paz e a estabilidade global.

O que precisa mudar?

Se aceitarmos que a ajuda humanitária deve continuar, como ela deve ser? O que precisamos fazer na manhã da próxima segunda-feira?

Apesar dos argumentos de Lata e Tammam para uma abordagem radical do pensamento sobre a ajuda humanitária, o que eles defendem que deveria acontecer na prática é o que muitas agências de ajuda têm tentado fazer, com resultados mistos, por anos: mapear e mobilizar lideranças locais.

Tammam aponta que, mesmo quando as populações locais que estão sendo apoiadas podem participar do programa de ajuda humanitária, as decisões gerais sobre o projeto tendem a ficar na sede da agência de ajuda, nas mãos de estrangeiros.

Ele acredita que os humanitários deveriam simplesmente perguntar às comunidades em crise o que elas precisam e então “fazer”. Lata sugere que é necessário conceder o título de “especialista” aos membros das comunidades locais, não aos especialistas em ajuda humanitária com formação acadêmica e um kit de primeiros socorros. E, acrescenta: “que tal pensarmos neles não apenas como especialistas em sua própria comunidade, mas como “especialistas globais”? Podemos aprender muito, acredita.

Para Tammam e Lata, apoiar a descolonização não significa que jovens trabalhadores humanitários da Europa ou dos Estados Unidos precisam deixar suas profissões para embarcar para os outros continentes. Segundo os entrevistados, os ideais e as habilidades desses jovens continuam sendo necessários, só é preciso questionar como suas concepções estão sendo aplicadas no dia a dia.

Adaptação: Clarissa Levy

Adaptação: Clarissa Levy

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