Quando a solidão e o medo se tornam o cotidiano dos asilos
O novo coronavírus e a solidão tornam a vida difícil nos lares de idosos na Suíça. As visitas de familiares voltaram a ser permitidas, mas sob condições. Muitos sonham com a volta à normalidade.
“Se pudesse voar, já teria ido embora”, diz Luísa Ganz por telefone à sobrinha.
Aos 97 anos e originária de Zurique, essa suíça se mudou para uma casa de repouso na cidade, onde hoje ocupa um apartamento com um quarto e sala de estar. Ela gosta de passear com outros moradores no grande jardim, receber visitas da família e ir a um restaurante.
Mas a alegria dura pouco: apenas três semanas após a mudança, a casa de repouso adotou medidas rigorosas devido à pandemia de Covid 19 para proteger os idosos e, portanto, os residentes vulneráveis: as visitas foram proibidas e os idosos não podiam mais sair dos quartos.
Luísa Ganz agora se arrepende da mudança. Ela está acostumada a estar rodeada de pessoas e a solidão pesa sobre ela. Os dias mal passam. “Aqueles que ainda podem ler, conseguem se distrair. Infelizmente a minha visão não me permite mais fazer isso. Adoro jogar cartas, mas isso não é mais possível por causa das medidas tomadas para combater o coronavírus”, conta.
Felizmente, o vírus poupou o lar de idosos. Os moradores foram há pouco autorizados a circular novamente pelo prédio e jardim, acompanhados por uma enfermeira. A instituição segue as recomendações atuais do governo federal. As visitas curtas são novamente permitidas, se forem previamente marcadas.
As regras são claras: só é permitido um visitante por residente. Os encontros acontecem a uma distância de três metros e, se possível, ao ar livre. E devem durar no máximo 30 minutos. Luísa Ganz está muito feliz com isso, mas reclama. “Não é o mesmo de quando você está realmente junto com outros, fazendo alguma coisa”, diz.
“Embora ainda seja saudável, tenho medo de pegar o Covid-19 com a minha idade, e morrer. É um vírus terrível. Nunca passei por nada parecido na minha vida, como esta situação.”
Luísa Ganz
Além do isolamento, há o medo do vírus. Luísa Ganz é quase centenária e tem uma boa saúde. “Enquanto meu irmão e minha irmã tiveram doenças infantis, como varicela ou sarampo, nunca tive nada. Eu também nunca tive nenhum problema quando viajava para países pobres”, diz ela.
Mas desta vez a situação é diferente. “Na minha idade é muito perigoso ter Covid-19 e morrer. É um vírus terrível. Nunca passei por nada parecido na minha vida, como esta situação.”
A luta contra o vírus
A situação deixa idosos em casas de repouso com medo. Em toda a Europa, a pandemia provoca muitas mortes, especialmente nessas instituições. Na FrançaLink externo e na EspanhaLink externo fala-se de falhas em aplicar medidas preventivas. Muitas famílias processam as instituições.
Também na Suíça, o coronavírus tem tido um grande impactoLink externo nos asilos. Segundo o jornal suíçoLink externo Tages-Anzeiger, mais da metade dos óbitos relacionados ao Covid-19 foram registrados em lares de idosos.
De acordo com uma pesquisaLink externo realizada em abril pela televisão suíça, na Suíça francófona, quase 25% dos residentes em casas de repouso que se infectam, morrem. Como mostra no gráfico abaixo, a faixa etária mais afetada pela pandemia vive em lares de idosos:
A pressão para evitar que o vírus chegue aos lares de idosos é enorme. “Uma moradora veio até mim e disse que tinha que encontrar o filho. Ela me perguntou se poderia lhe fazer um favor”: Jean Daniel Renggli, diretor do asilo La Colline. Porém ele não pôde atender o pedido.
O asilo adotou em 14 de março medidas rigorosas para combater esse inimigo invisível, dentre elas, a proibição de visitas, cancelamento de excursões de grupo e medidas de distanciamento físico.
Na sala de jantar, as mesas estavam espaçadas para que as refeições ainda pudessem ser tomadas juntas. Os programas de entretenimento também tiveram continuidade, na condição de que os moradores não se aproximassem muito fisicamente. “Também tivemos que fechar nossa creche”, diz o diretor.
Sobre os funcionários também recai muita responsabilidade – no trabalho e em casa. “Pedi que cuidassem dos idosos, mas também de si mesmos e seus familiares”, diz Renggli. A pressão foi maior quando, após o ressurgimento dos casos de Covid-19 na região, todos os moradores e parte do pessoal tiveram de ser testados. “O alívio foi enorme quando soubemos que ninguém tinha se infectado”, lembra o diretor.
Mas o perigo ainda não foi afastado. À medida em que o país vai despertando do seu coma artificial, a ameaça permanece. “Explicamos bem as medidas. Os idosos entenderam. No entanto, sentimos a impaciência deles para ver suas famílias e amigos novamente”, diz Renggli. Algumas famílias haviam até tentado contornar a proibição para ver seus parentes.
Entre liberdade e proteção
“O que mais sinto falta são as visitas da família”, lamenta Lucie Rossel. Aos 93 anos, essa idosa mora no lar La Colline e sofre de dificuldades respiratórias. Ela prefere ficar no quarto para limitar o risco de infecção.
“Fico longe dos outros para poder respirar”, diz ela. Não está entediada por causa disso. “Sempre gostei de estar sozinha. Faço palavras-cruzadas e vejo televisão”.
Mas também há moradores que sofrem com o isolamento, observa Lucie Rossel. Para confortá-los, gostaria de colocar uma mão no ombro deles, mas também é proibido.
“Fico longe dos outros para poder respirar.”
Lucie Rossel
Enquanto o lar ainda monta um esquema de visitações, a sala de visitas está pronta. O espaço permite que parentes e moradores conversem entre si através de uma janela, com a ajuda de um telefone. Os funcionários também ajudam os idosos a enviar mensagens de voz ou falar com seus parentes por videoconferência.
Quarentena e morte: A pandemia afeta a vida cotidiana nos lares de idosos. O que isso significa para o modelo futuro de tais instituições? “Moradores e familiares têm de ter paciência, pois o caminho de volta à normalidade será longo”, diz Markus Leser, da Curaviva, associação do setor de instituições de ajuda.
No entanto, Leser não acredita que os idosos evitarão os asilos por medo de infecção. “A mudança para um lar é motivada principalmente pela necessidade de cuidados especiais. Esse aspecto supera o risco de infecção que, em última análise, também existe em outros lugares”, diz ele.
Leser também ressalta que muitos idosos que vivem em casa também sofreram com a solidão. Nos lares o contato social pode ser mais intenso, especialmente através do contato com o pessoal de apoio, sejam enfermeiros, médicos ou assistentes.
“O verdadeiro desafio que a pandemia representa para a gestão dos lares reside no difícil equilíbrio de interesses entre a proteção dos moradores e a salvaguarda de suas liberdades”, diz Leser.
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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