Perspectivas suíças em 10 idiomas

Japonesa luta pelos direitos humanos dos evacuados de Fukushima

原発
Os reatores destruídos na usina nuclear de Fukushima. Keystone / Kimimasa Mayama

Ao completar 12 anos do acidente nuclear de Fukushima, os evacuados da região continuam reivindicando indenizações por parte do governo japonês. Uma das vítimas participa em Genebra de uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Sonoda, que prefere não divulgar seu nome verdadeiro, fica cada vez mais ansiosa, quanto mais se se aproximam os 12 anos do acidente nuclear de Fukushima. “Posso me lembrar perfeitamente da usina nuclear rodeada por incontáveis flashes de luz. Eu tinha medo. E não tinha ideia do que nos aconteceria”, diz.

No dia 11 de março de 2011, um terremoto com magnitude de 9.0 atingiu um povoado na zona rural de Fukushima, no leste do Japão, onde Sonoda vivia com seu marido e filho. Ela se escondeu debaixo de uma mesa para se proteger, mas a mesa se movia de um canto para o outro da sala. Naquele momento, ela teve consciência de que não estava testemunhando um tremor qualquer. 

O terremoto e o acidente nuclear que se seguiram desestruturaram sua vida. Um primeiro reator da usina de Fukushima explodiu no dia 12 de março. Depois de ver pela TV, dois dias depois, que um segundo reator havia explodido, Sonoda teve medo de que a radiação pudesse afetar sua família e decidiu deixar sua casa em companhia do marido e do filho. Desde então, ela só voltou ao local uma vez para rever familiares e amigos.

De início, ela foi transferida para a região ocidental do Japão. Em 2014, ela se mudou para a Europa, onde vivem alguns de seus parentes. Sonoda nunca foi indenizada pela perda emocional que significou ter abandonado sua casa. Ela não tem planos de retornar a Fukushima.

Peregrinação anual

No dia 13 de março, Sonoda viajou até Genebra, a fim de discutir sobre direito de moradia no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. A visita à cidade tornou-se uma peregrinação anual desde 2017, quando ela fez sua primeira palestra sobre o assunto no Conselho, a fim de denunciar a violação dos direitos humanos dos evacuados por parte do governo japonês.

Mostrar mais

Mostrar mais

A vida continua após a catástrofe de Fukushima

Este conteúdo foi publicado em O acidente de Fukushima foi um desastre nuclear ocorrido na Central Nuclear de Fukushima após o derretimento de três dos seis reatores nucleares da usina. A falha ocorreu quando a usina foi atingida por um tsunami provocado por um terremoto de magnitude 9,0. Ele provocou a morte de vinte mil pessoas e destruição de 600…

ler mais A vida continua após a catástrofe de Fukushima

Como sua casa encontrava-se no município de Fukushima, ela não pertencia à zona de evacuação obrigatória definida pelo governo. Ou seja, Sonoda não foi considerada apta a receber apoio do governo, exceto no que diz respeito à moradia. Embora o governo da região ocidental do país tenha permitido que ela vivesse em moradias subsidiadas, Sonoda foi obrigada a pagar do próprio bolso taxas de manutenção e despesas de estacionamento. Seu marido não conseguiu encontrar um novo trabalho. “Foi difícil reconstruir nossas vidas”, lembra ela.

Em 2017, o governo encerrou o apoio para moradia a pessoas que, como Sonoda, haviam escolhido voluntariamente deixar suas casas. Os evacuados de áreas consideradas contaminadas pelo governo não foram incluídos nesta medida restritiva. Entre aqueles que deixaram o local por vontade própria, alguns não puderam mais arcar com o valor total do aluguel a ser pago. Em consequência, alguns municípios entraram com ações judiciais contra essas pessoas, a fim de despejá-las. “Nós nos sentimos abandonados pelo governo. Achei que o governo não tinha nenhuma intenção de nos ajudar”. 

Foi esse sentimento de abandono que impulsionou Sonoda a dar uma palestra em 2017, em uma sessão preliminar da Revisão Periódica Universal (UPR, na sigla em inglês), em Genebra, durante a qual a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 Estados-membros da ONU é revista a cada quatro anos. Nesta sessão preliminar, ONGs internacionais fazem normalmente uma apresentação antes daquelas dos delegados dos respectivos governos. Segundo Sonoda, foi algo incomum que uma vítima como ela tivesse permissão para fazer um discurso naquele momento.  

Ela relatou como muitos evacuados de Fukushima continuaram tentando sobreviver sem apoio financeiro adequado por parte do governo. Sonoda argumentou ainda que a decisão do governo japonês de encerrar o subsídio de moradia para parte dos evacuados foi uma medida para encorajá-los a voltar a viver em áreas contaminadas, configurando-se, assim, uma violação séria dos direitos humanos.

A recomendação da UPR, que foi adotada pelo Conselho dos Direitos Humanos em março de 2018, exigiu que o governo japonês continuasse indenizando e fornecendo apoio de moradia a essas pessoas, bem como melhorando o monitoramento sanitário e os serviços para os evacuados.

Em 2017, Sonoda recusou a oferta do governo que previa seu retorno à casa em troca de uma indenização de 50 mil ienes (aproximadamente 2 mil reais). “Alguns dos meus amigos não tinham escolha e foram obrigados a voltar, mesmo se sentindo inseguros. Eles não tinham mais condições de continuar vivendo como evacuados”. 

Mostrar mais

De acordo com as estatísticas oficiais da prefeitura de Fukushima, em torno de 164 mil pessoas deixaram suas casas depois que os reatores explodiram. Hoje, segundo dados oficiais, um total de 27.789 pessoas ainda não retornaram.

Em 2013, Sonoda entrou com uma ação judicial, junto de outros evacuados, para exigir indenização tanto do governo, quanto da TEPCO, a empresa que opera a usina de Fukushima. Há vários processos similares em andamento no Japão. 

A Suprema Corte do Japão já confirmou a responsabilidade da TEPCO sobre os danos reclamados pelas pessoas que fugiram de suas casas após a explosão, mas excluiu a responsabilidade do governo no caso. Em janeiro deste ano, a TEPCO anunciou que pagaria um adicional de 80 mil ienes (cerca de 3.200 reais) por pessoa a quem tivesse deixado voluntariamente a região afetada. A TEPCO já havia pago anteriormente uma indenização de 120 mil ienes (cerca de 4.800 reais) aos residentes dos 23 municípios atingidos. Isso excluiu Sonoda, que vivia fora da zona delimitada. “A postura do Japão de minimizar a evacuação e a indenização, e insistir que a radiação é segura, não deve se tornar um modelo quando outro desastre nuclear ocorrer em outros países”, diz Sonoda.

Lições de Fukushima

Depois do acidente nuclear, a maioria dos países europeus decidiu abandonar o uso da energia nuclear em prol de fontes mais seguras de energia. Em 2017, a Suíça votou pela desativação gradual das usinas nucleares existentes no país, bem como pela proibição de construção de novas usinas e pela adoção da “Estratégia Energética 2050”, que visava também reduzir a dependência do país de combustíveis fósseis.

Hoje, Sonoda preocupa-se com a guerra na Ucrânia e a crise energética que ela desencadeou. Segundo ela, a pressão climática para atingir as metas de energia limpa estão ofuscando as lições do incidente de Fukushima.

Há dois anos, a França anunciou que retomaria a construção de usinas nucleares, a fim de atingir praticamente zero emissões de gases de efeito estufa até 2050. A Alemanha, apesar de ter inicialmente decidido encerrar suas usinas nucleares até o fim de 2022, resolveu prorrogar a operação de três delas. A Bélgica também planeja estender o período de operação de duas usinas nucleares existentes por 10 anos.

De acordo com a Associação Mundial Nuclear, há hoje 438 reatores nucleares em funcionamento no mundo e 58 em construção. Na Suíça, há quatro reatores em operação, incluindo o maior do mundo. “Até mesmo em um país tecnologicamente avançado, há sempre o risco de um acidente nuclear”, alerta Sonoda. “Fukushima nos mostrou isso”, completa.

Responsabilidade pelo futuro

Todas as três recomendações – formuladas pela UPR em 2012, 2017 e 2022 respectivamente – conclamam o governo japonês a melhorar seu apoio à população deslocada de Fukushima. No segundo semestre de 2022, Cecilia Jimenez-Damary, relatora especial da ONU para os direitos humanos de deslocados internos, fez uma visita ao Japão, a fim de averiguar as condições dos direitos humanos dos evacuados. Durante uma entrevista coletiva para a imprensa em Tóquio, no final de sua visita oficial, Jimenez-Damary conclamou o governo japonês a eliminar as distinções entre evacuados “obrigatórios” e “voluntários” e a adotar uma conduta calcada nos direitos, a fim de garantir o apoio contínuo a todas essas pessoas. 

As recomendações da ONU não são juridicamente vinculativas. “Precisamos da pressão internacional para forçar o governo japonês. Temos que usar ferramentas como a UPR da melhor maneira possível”, diz Sonoda. Depois da visita da relatora especial ano passado, diversos grupos de estudo e workshops foram formados no Japão, a fim de facilitar o aprendizado sobre direitos humanos e acerca de como o Conselho dos Direitos Humanos pode ajudar vítimas como Sonoda.  

Em Genebra, ela participa de debates sobre direito à moradia e espera manter vivo o debate, além de apostar na responsabilização do governo japonês no caso. Embora não seja fácil para ela falar de sua experiência no desastre de Fukushima, Sonoda luta para que outras tragédias nucleares do gênero sejam evitadas. “É por isso que vou continuar. Como sobrevivente, tenho a responsabilidade de fazer isso para o bem das próximas gerações”, conclui.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Soraia Vilela

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch

Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!

Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR

SWI swissinfo.ch - sucursal da sociedade suíça de radiodifusão SRG SSR