A amarga verdade na COP30
Se a COP30 ainda nem começou, o noticiário suíço já está fervendo com debates sobre aquecimento global, Amazônia e... até um escândalo diplomático com pesticidas no meio.
Nesta semana, os principais jornais da Suíça voltaram seus olhos para Belém, onde o planeta vai se reunir em novembro para tentar (mais uma vez) salvar o Acordo de Paris.
Teve de tudo: uma entrevista otimista (mas com pé no chão) sobre o futuro do clima, alertas sombrios da ONU, uma reportagem de fôlego direto da Amazônia, polêmica na delegação suíça com a presença da Syngenta, negociações climáticas tensas em Bruxelas – e, no meio disso tudo, o choque da violência policial no Rio de Janeiro.
Aqui vai um resumo dos seis textos mais comentados da semana na imprensa suíça. Porque entender o que o país está lendo é, também, entender como o mundo vê o Brasil às vésperas da COP30.
Antes da COP30, pergunta: cooperação global se manterá?
A entrevista com Géraldine Pflieger, professora de ciência política da Universidade de Genebra e integrante da delegação suíça nas conferências da ONU sobre o clima, foi publicada no jornal francófono Le Temps e escrita pela jornalista Pascaline Minet. O tema central foi a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada no Brasil, de 10 a 21 de novembro.
Pflieger reconhece o contexto internacional desfavorável à cooperação, mas acredita que ainda há espaço para avanços. Ela ressalta a importância do multilateralismo na luta contra o aquecimento global e destaca a resiliência do Acordo de Paris, que completa dez anos em 2025, apesar da retirada dos EUA e das dificuldades políticas em vários países.
Segundo a professora, o crescimento das emissões globais de gases de efeito estufa está desacelerando e pode atingir o pico ainda este ano, embora os compromissos atuais estejam longe de garantir a meta de limitar o aquecimento a 1,5°C. Pflieger também aponta desafios como o financiamento climático insuficiente, a continuidade de projetos de combustíveis fósseis e a falta de novas metas de redução de emissões por parte de muitos países.
Entre os principais temas da COP30, ela destaca a necessidade de elevar o nível de ambição climática, definir indicadores de adaptação, fortalecer a proteção das florestas tropicais e consolidar a nova meta de financiamento coletivo de US$ 300 bilhões por ano, acordada na COP29. A professora conclui que, embora os obstáculos sejam grandes, parcerias em menor escala e ações concretas podem representar avanços significativos.
Fonte: Le Temps, 06.11.2025Link externo (em francês)
Palestra na Amazônia: chefe da ONU anuncia “verdade amarga”
O portal NAU.CH publicou um artigo sobre a advertência lançada pelo chefe da ONU, António Guterres, de que o limite de 1,5°C de aquecimento global não será alcançado, dez anos após o Acordo Climático de Paris.
Durante uma cúpula em Belém, às vésperas da 30ª Conferência Mundial do Clima (COP30), Guterres afirmou que o mundo está a caminho de um aquecimento superior a 2°C, classificando a situação como um “fracasso moral e uma negligência mortal”. Ele pediu medidas radicais e imediatas, como o fim das novas usinas de carvão, o bloqueio de projetos de petróleo e gás e a interrupção total do desmatamento até 2030.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, anfitrião do evento, reforçou que a COP30 será “a COP da verdade”, destacando a Amazônia como símbolo da luta ambiental. O Brasil pretende criar um fundo bilionário para recompensar países que preservem florestas tropicais e punir financeiramente a destruição ambiental.
A reunião, marcada por protestos e manifestações da sociedade civil, contou com a presença de líderes internacionais, como o príncipe William, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer e o vice-primeiro-ministro chinês Ding Xuexiang. Enquanto alguns países reafirmaram compromissos climáticos, outros admitiram o enfraquecimento do consenso de Paris.
O artigo também cita dados da Organização Meteorológica Mundial, que prevê que 2025 será um dos anos mais quentes da história, com emissões de CO₂ atingindo novos recordes globais. Apesar de pequenas reduções na União Europeia, a ONU alerta que os esforços atuais são insuficientes para conter o agravamento da crise climática.
Fonte: Nau, 06.11.2025Link externo (em alemão)
Recuperando o controle
O jornal WOZ, de orientação de esquerda, publicou um artigo assinado pelo correspondente Philipp Lichterbeck, que vive há muitos anos no Brasil, sobre as contradições do desenvolvimento amazônico às vésperas da COP30, que ocorrerá em Belém.
Lichterbeck mostra como diferentes visões de progresso colidem na Amazônia: de um lado, produtores agrícolas como Vilmar de Castro, que cultivam soja e milho em áreas desmatadas próximas a Belterra (PA); de outro, comunidades indígenas como os Paiter-Suruí, que buscam conciliar preservação ambiental e geração de renda sustentável.
O texto destaca que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escolheu Belém para sediar a conferência a fim de “dar voz à Amazônia” e apresentar a floresta como parte da solução climática global. Ele propõe o fundo “Tropical Forest Forever Facility”, que prevê remuneração internacional a países que conservem florestas tropicais. Ao mesmo tempo, porém, o governo enfrenta críticas de ambientalistas por apoiar novas perfurações da Petrobras no estuário amazônico, vistas como um contrassenso em relação ao discurso climático oficial.
Lichterbeck contrapõe o modelo agroexportador, responsável por grande parte do desmatamento, ao modelo indígena de economia florestal, exemplificado por Celeste e Almir Suruí, que lideram iniciativas sustentáveis de produção de café e comércio de créditos de carbono.
O repórter observa que, apesar das promessas de Lula, ambientalistas e povos tradicionais se queixam de exclusão nas negociações da COP30 e planejam uma grande marcha de protesto em Belém. Para eles, não basta serem ouvidos – querem estar à mesa das decisões sobre o futuro da floresta.
Fonte: Blick, 06.11.2025Link externo (em alemão)
Massacre na favela do Rio: a verdade por trás da batida policial
O jornal NZZ (Neue Zürcher Zeitung), o mais prestigiado da Suíça germanófona, publicou uma grande reportagem do correspondente Thomas Milz sobre a “Operação Contenção”, a maior e mais sangrenta ação policial da história do Brasil, que resultou em 117 mortos após a invasão de 2.500 agentes ao Complexo da Penha, no Rio de Janeiro. O tema teve grande repercussão na imprensa suíça.
Milz descreve com detalhes o cenário de violência extrema e as denúncias de execuções sumárias feitas por familiares das vítimas e organizações de direitos humanos. Testemunhas afirmam que muitos corpos apresentavam tiros à queima-roupa, sinais de tortura e mãos amarradas, sugerindo que os suspeitos foram mortos após se renderem. A polícia, por sua vez, nega as acusações e alega que as mutilações foram feitas posteriormente para incriminá-la.
A reportagem contextualiza a operação como parte da guerra entre o Comando Vermelho (CV) – facção surgida nas prisões nos anos 1970 – e milícias formadas por policiais e ex-militares, que hoje controlam parte das favelas cariocas. Segundo Milz, essa sobreposição de crime e Estado transformou o Rio em um “mosaico do crime organizado”, alimentado por corrupção policial e interesses políticos.
O texto também expõe o apoio popular às ações violentas da polícia, com pesquisas indicando que dois terços dos cariocas aprovam a operação, mesmo diante das denúncias de execuções. Muitos moradores de áreas pobres veem a repressão como uma forma de segurança, inspirados no modelo autoritário de Nayib Bukele em El Salvador.
Ao final, Milz mostra o contraste entre a celebração policial na mídia e a revolta das comunidades afetadas, que realizaram protestos denunciando o governador Cláudio Castro como responsável pelas mortes. A reportagem conclui de forma contundente: três dias após o massacre, o Rio já havia voltado à “normalidade”, um retrato da banalização da violência e da impunidade no Brasil urbano.
Fonte: NZZ, 05.11.2025Link externo (em alemão)
Criticado por ONGs: Rösti viaja para a conferência sobre o clima com companheiro polêmico
O artigo, publicado por diversos jornais da Suíça devido à sensibilidade do tema, relata que o ministro suíço do Meio Ambiente, Albert Rösti (do conservador Partido do Povo Suíço) participará da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontecerá em Belém, no Brasil, entre 10 e 21 de novembro.
A delegação suíça, liderada pelo embaixador Felix Wertli, incluirá também o diretor de sustentabilidade da empresa química Syngenta, o que gerou fortes críticas. A ONG Public Eye acusou a empresa de usar a COP30 como “palco global” para promover uma imagem de sustentabilidade, apesar de vender em países de baixa renda pesticidas proibidos na Suíça e na União Europeia por seus efeitos nocivos à água, às abelhas e à saúde humana.
A Syngenta respondeu afirmando que suas práticas seguem as diretrizes da OCDE e que cada país tem suas próprias necessidades agrícolas e regulações. O Ministério do Meio Ambiente suíço defendeu a inclusão da empresa, alegando que é importante reunir diferentes perspectivas e conhecimentos técnicos nas negociações climáticas. Além da Syngenta, organizações como a WWF e a Alliance Sud também fazem parte da delegação oficial.
A repercussão do caso é grande na Suíça, em um momento em que o país enfrenta aquecimento, secas e redução de neve, segundo novos cenários climáticos apresentados por autoridades federais.
Fonte: Blick.chLink externo, Nau.chLink externo, Watson.chLink externo, 05.11.2025 (em alemão)
Países da UE lutam por metas climáticas – acordo de última hora?
O portal CASH.CH, especializado em jornalismo econômico, publicou um artigo explicativo sobre as negociações em Bruxelas para definir a nova meta climática da União Europeia para 2040, que será apresentada na COP30, no Brasil.
O texto explica que os ministros do Meio Ambiente da UE estão tentando chegar a um acordo de última hora sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa, prevista pela Lei Climática Europeia. A Comissão Europeia propõe uma redução de 90% até 2040 em relação aos níveis de 1990, mas diversos países – como França e Polônia – resistem, alegando impactos econômicos e industriais.
Além da meta de 2040, os ministros também discutem um plano climático intermediário para 2035, que a UE precisa apresentar oficialmente às Nações Unidas durante a conferência em Belém. Esse plano prevê uma redução entre 66,25% e 72,5% até 2035, mas ainda há disputa se o bloco adotará um número fixo ou uma faixa de metas.
O artigo destaca ainda o debate sobre o uso de certificados internacionais de compensação de carbono, com alguns países defendendo que até 5% das reduções sejam alcançadas por meio desses créditos – algo criticado por especialistas, que veem o risco de transferência de investimentos climáticos para fora da UE.
A Alemanha declarou apoio à meta de 90%, alinhando-se à proposta da Comissão, mas o consenso entre os 27 membros ainda não foi alcançado. Caso não haja acordo, a UE chegará à COP30 sem uma meta clara, o que, segundo o texto, enfraqueceria a liderança europeia nas negociações globais e reduziria as chances de um avanço internacional efetivo contra a crise climática.
Fonte: CASH.CH, 04.11.2025Link externo (em alemão)
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Publicaremos nossa próxima revista da imprensa suíça em 14 de novembro. Enquanto isso, tenha um bom fim de semana e boa leitura!
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