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A fondue que veio do calor

mãos misturando uma fondue
Keystone / Jean-christophe Bott

A cada dois anos, uma multidão de comedores de fondue toma conta de um pequeno vilarejo com vista para o lago de Genebra e os Alpes franceses. Ali, no meio de um vinhedo dourado pelo outono, é decidido quem faz a melhor fondue do mundo! 

Compartilhar uma boa taça de vinho é um momento de amizade, alegria de viver e bom humor. Na Suíça, esse momento é compartilhado geralmente em torno de uma fondue de queijo, principalmente quando o friozinho começa a bater à porta. Mas um grupo de amigos da Suíça francesa não se contentou com uma fondue qualquer, para eles tinha que ser a melhor! 

Foi assim que, em 2015, surgiu o Mundial da Fondue. Uma ideia de um grupo de produtores de vinho de Tartegnin – pequeno vilarejo na região de La Côte, no cantão de Vaud, na parte de língua francesa da Suíça – para aumentar as vendas do vinho da região. O concurso é uma competição original que ocorre a cada dois anos e que conta com competidores profissionais e amadores que se enfrentam para criar a melhor fondue do mundo. 

Após quatro anos de ausência, a 4ª edição era aguardada com ansiedade, já que a última foi realizada em 2019. “Ela teve de ser cancelada em 2021 por causa da pandemia”, explicou Graziella Jayet, porta-voz do evento.  

No sábado 18 de novembro, 240 competidoras e competidores da Suíça e do exterior (quase o mesmo número de habitantes do vilarejo) disputaram o título de Campeão Mundial de 2023. Os participantes foram divididos em duas categorias: profissionais, reservada para produtores de queijo e profissionais da gastronomia; e amadores, aberta ao público em geral. No entanto, as mesmas regras se aplicam a todos. “As fondues devem conter pelo menos 50% de Gruyère DOP. A outra metade fica por conta da criatividade dos participantes”, ressaltou Graziella Jayet. 

Nos três dias do evento, mais de 10 mil pessoas puderam degustar várias fondues, que foram servidas em mais de seis mil “caquelons”, o nome da panela na qual é feita a fondue.

Brasil e Canadá 

Este ano, os organizadores do concurso se aventuraram fora das fronteiras do país alpino em busca da melhor fondue do Brasil e do Canadá. 

No Brasil, o presidente do evento, Stéphane Jayet, pôde contar com a ajuda do Cônsul Geral da Suíça em São Paulo e a associação de produtores de queijo SerTãoBras para selecionar as melhores fondues do país. Dez participantes de Goiás, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais disputaram o título de Melhor Fondue do Brasil na etapa realizada na residência do cônsul. “Teve fondues muito originais, com elementos brasileiros, e a Clara, que foi a vencedora, está aqui hoje representando o Brasil”, disse Débora Pereira, diretora geral da SerTãoBras, no dia da final na Suíça. 

“O Brasil adorou tanto a história do concurso de fondue, que o segundo concurso de melhor fondue do Brasil está marcado para o dia 11 de abril de 2024 em São Paulo”, conta Débora, que também fez parte do júri na Suíça. “A ideia é fazer o concurso todo ano no Brasil para ter 2 candidatos brasileiros no próximo mundial em 2025”. 

Jornalista e mestre queijeira, Débora Pereira diz que no Brasil as pessoas não esperam o frio para comer fondue, “porque não tem frio que chega e com o calor que andou fazendo dava para derreter o queijo do lado de fora”, conta sorrindo. 

Já no Canadá não falta frio e o país é muito propício à iguaria suíça. A participação do país se deve mais a uma provocação de um suíço que mora na província do Quebec desde 2010. “De brincadeira, entrei em contato com os organizadores em Tartegnin e disse a eles que uma Copa do Mundo deveria mudar de país. Eles levaram a sério o que eu disse e acabei organizando a etapa no Quebec”, contou Gérald Golay, que morava no cantão de Vaud antes de imigrar para o Canadá. 

Golay começou apresentando o prato nacional suíços aos amigos canadenses, um passatempo que gradualmente se transformou em um negócio que importa mais de 20 toneladas de queijo Gruyère e Emmental todos os anos para fazer suas misturas de fondue, que são vendidas em pacotes ou quentes em pães de cachorro-quente servidos em feiras e festivais. 

Dois profissionais locais foram selecionados diretamente para a final e um amador também teve esse privilégio após a etapa realizada em Val-David.

Veja um pouco de como foi a final em Tartegnin no vídeo abaixo:

Retorno às raízes 

Para o finalista da categoria amador, a viagem à Suíça foi um retorno às suas raízes. Philippe Magnenat é natural de Lausanne e já foi suboficial instrutor no quartel de Bière. Residente no Canadá desde 2002, Magnenat disse ter ficado surpreso por ter sido selecionado. “Eu me inscrevi apenas para apoiar meu amigo Gérald Golay, que organizou o evento”, diz.

Magnenat com trajet canadenses
Philippe Magnenat prepara sua fondue no palco dos finalistas vestido com trajes canadenses. swissinfo.ch

Ele também costuma dar uma provinha da sua fondue aos colegas do Conselho Municipal de Blainville, onde é um dos treze membros eleitos do órgão executivo desse município de 67 mil habitantes. “Já preparei uma fondue duas ou três vezes depois de nossas reuniões, como no Natal do ano passado. É uma boa ocasião para mostrar a eles um pouco da minha cultura”, conta Magnenat, que faz questão de manter contato com suas raízes helvéticas. “Sou membro do Conselho dos Suíços do Exterior, fui eleito há seis anos e represento o leste do Canadá e as províncias marítimas, o que representa cerca de 15 mil suíços”, disse. 

Na final amadores, Magnenat fez a mesma fondue que ele faz sempre no Canadá, “uma fondue 100% suíça, com queijos suíços”, garantiu. “É fácil encontrar queijos suíços para fazer minha mistura bastante tradicional. Às vezes, eles são até mais baratos do que os queijos do Quebec”, conta. 

Já no Brasil não é assim tão fácil encontrar queijos suíços genuínos, mas graças à paixão de alguns suíços pelos produtos da terrinha, já é possível encontrar queijos tão bons quanto os originais em regiões tão insólitas para queijos alpinos quanto o Cerrado brasileiro. 

No interior do estado de Goiás, o bernês Stephan Gaehwiler produz há 40 anos queijos inspirados naqueles da sua terra natal.  

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“No início, ninguém na região conhecia nada de queijos. Aos poucos as pessoas foram descobrindo os queijos do meu pai e hoje elas brigam para conseguir um. Não tem a quantidade para quem quer”, conta sorrindo Clara Gaehwiler, a finalista do Mundial da Fondue na categoria profissional que ganhou o título de “Melhor Fondue do Brasil”. 

Toque brasileiro 

Clara caiu no caquelon ainda pequena: “em todas as refeições havia queijo. E agora todas as minhas receitas contêm queijo”, diz Clara, que também é proprietária de um restauranteLink externo e uma loja de produtos finosLink externo em Pirenópolis. “Desse jeito, não tive outra escolha a não ser gostar de queijo!”, brinca. 

De acordo com as regras do Mundial da Fondue, ela usou 50% de Gruyère, produto exclusivamente suíço, e uma combinação de queijos produzidos pelo seu pai na Queijaria AlpinaLink externo — o “Queijo Alpino”, um queijo tipo Raclette com 90 dias de maturação e o “Queijo Sephan”, queijo tipo Sbrinz com 12 meses.  

Além dos queijos do pai, Clara deu destaque para produtos da região na fondue apresentada aos jurados na Suíça. Junto com os queijos, ela também trouxe na mala o vinho branco Monte Alba, da Vinícola Monte Castelo, e incrementou a receita com uma pitada de pimenta rosa aroeira. 

No entanto, talvez a receita da Clara tenha ficado exótica demais para o sacrossanto paladar dos suíços, pois quem acabou ganhando o concurso de Melhor Fondue do Mundo foi um queijeiro da região de Gruyère, no cantão de Friburgo, onde é produzido o queijo que patrocinou o evento. 

Receita mágica 

Mas será que para fazer uma boa fondue é necessariamente obrigatório o uso do queijo Gruyère?  “Para dar certo, uma fondue é de base moitié-moitié (metade-metade, em francês), por isso tomamos a decisão de colocar 50% de Gruyère DOP, porque 80-90% das fondues levam, no mínimo, 50% de Gruyère DOP”, explica Stéphane Jayet. 

Jayet prometeu, no entanto, abrir uma categoria “livre” para a 5ª edição de 2025, “para dar rédea solta à criatividade e não forçar as pessoas a usarem 50% de Gruyère DOP”, disse. 

Talvez com isso as fondues estrangeiras, consideradas exóticas demais para o paladar suíço, tenham mais chance de conquistar um espaço no pódio na próxima vez.  

Se é verdade que gosto não se discute, a torcida brasileira que compareceu em peso em Tartegnin para apoiar a melhor fondue do Brasil acabou voltando para casa com um gostinho de marmelada: a família da ganhadora da categoria amadores é do vilarejo que organiza o evento…

Ganhadores mostrando a placa dos vencedores
Sibylle Groux, cuja família é de Tartegnin, foi coroada campeã na categoria amadora, enquanto Damien Raemy e Maurice Vauthey, do cantão de Friburgo, venceram o Mundial de fondue para profissionais. Alain Munafo de Gilly, Mondial de fondue

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