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“Acreditávamos estar sendo transparentes”

Solway
Denis Gerasev, um dos dois membros do conselho do Grupo de Investimento Solway, em seu escritório em Zug. swissinfo.ch

A invasão da Ucrânia pela Rússia e as crescentes demandas de governos e ONGs em todo o mundo por mais transparência corporativa colocaram grupos de investimento opacos como o Solway, com sede na Suíça, sob pressão como nunca antes para se abrirem ao escrutínio público.

O escritório do Solway Investment Group na cidade de Zug, no centro da Suíça, não projeta a imagem de ser um poderoso gigante da mineração. Espremido entre um quiosque e uma loja de roupas femininas, o prédio de sete andares, que abriga cerca de 15 funcionários da Solway no sexto andar, é típico de Zug, que é um centro administrativo com atraentes taxas de impostos, discrição e a estabilidade econômica pela qual a Suíça é conhecida.

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Sigilo dificulta a aplicação de sanções contra a Rússia

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É fácil ficar fora do radar aqui, e isso convém a Denis Gerasev. Um dos dois únicos membros do conselho do grupo, Gerasev, que também chefia o departamento jurídico, nunca deu uma entrevista à imprensa em seus 15 anos na empresa.

Vestindo um suéter escuro e calças informais, Gerasev oferece poucos detalhes pessoais. As pinturas dependuradas na parede de seu escritório com vista para o lago Zug foram feitas por sua esposa e filha de 7 anos, que moram com ele em Oberägeri, uma pitoresca cidade à beira do lago. Ele costumava ser fã de motos, mas desistiu disso quando teve filhos.

Implementando a sanções contra a Rússia

A invasão da Ucrânia fez com que a União Europeia, EUA e países do G7 aplicasse sanções contra indivíduos, empresas e comércio da Rússia. A Suíça se alinha à UE e colocou em vigor seu décimo pacote de sanções em março.

Isso não impediu a comunidade internacional – incluindo ONGs e, mais recentemente, o G7 – de criticar a Suíça por não fazer o suficiente. Eles apontam, sobretudo, para a quantidade limitada de ativos russos congelados na Suíça e argumentam que a nação alpina poderia se esforçar mais para aplicar as sanções.

Nesta série de artigos, analisamos quais medidas a Suíça tomou para se conformar aos padrões internacionais e onde está atrasada. Questionamos os fundamentos para as sanções e suas consequências para as empresas de commodities baseadas na Suíça. Também analisamos os ativos russos no país e entendemos como alguns oligarcas contornam as sanções.

Ladeado por um assessor de imprensa, Gerasev chega preparado para a entrevista com numerosas notas informativas, o que não surpreende dado o que ele e a empresa estão enfrentando. Em novembro de 2022, o Departamento do Tesouro dos EUA rotulou a Solway como uma empresa russa e sancionou dois funcionários e duas subsidiárias sob a Lei Magnitsky em meio a alegações de corrupção e tráfico de influência russa no setor de mineração guatemalteco.

O Tesouro dos EUA não explicou por que chamou a Solway de uma empresa russa e não respondeu aos pedidos da SWI por mais informações.

Poucos vestígios

Fundada há duas décadas, a Solway enfrenta uma batalha difícil para se defender das alegações do Tesouro dos EUA. Em parte, isto se dá por causa de sua tradição de sigilo, embora tenha uma presença global que vai da Indonésia à Ucrânia, passando pela Guatemala.

Acusações contra Solway

Em novembro passado, o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Tesouro dos EUA sancionou dois funcionários da Solway e duas subsidiárias na Guatemala sob a Lei Magnitsky, que visa punir funcionários estrangeiros por abusos de direitos humanos e corrupção. O Tesouro dos EUA acusou um cidadão russo e um cidadão bielorrusso de liderar vários esquemas de suborno envolvendo políticos, juízes e funcionários do governo ao longo de vários anos.

Em seu comunicado à imprensa, o OFAC chamou o Solway Investment Group de “uma empresa russa que explora minas guatemaltecas desde 2011” e alegou que um funcionário “conduziu atos corruptos em prol de esquemas de tráfico de influência russo, dando ilegalmente pagamentos em dinheiro a funcionários públicos em troca de apoio aos interesses de mineração russos”.

Isso ocorreu cerca de oito meses depois da publicação de uma grande reportagem investigativa na mídia envolvendo 65 jornalistas e baseada em um grande vazamento de dados. A reportagem alegou que as subsidiárias guatemaltecas da empresa tentaram silenciar líderes comunitários indígenas que falaram sobre supostos danos ambientais causados pelos projetos de mineração. Os jornalistas também levantaram outros indícios sobre transações financeiras suspeitasLink externo entre empresas ligadas à Solway e seus executivos. A empresa negou as acusações, dizendo que elas não tinham base fatual.

Pode-se encontrar pequenas informações no site da empresa, na Wikipédia e em registros de negócios no Chipre, Malta e Suíça, mas não há uma história clara das origens da empresa e quem está no controle. O que atraiu a atenção das autoridades dos EUA foi uma grande reportagem investigativa da mídia publicada em muitos veículos, incluindo a televisão pública suíça RTSLink externo, em março de 2022, que alegou que as subsidiárias guatemaltecas da empresa ocultaram relatos de poluição e coagiram líderes comunitários locais ao silêncio.

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Guatemala

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Mineradora suíça suspende atividades na Guatemala

Este conteúdo foi publicado em O Solway Investment Group suspendeu as atividades de duas subsidiárias de mineração de níquel na Guatemala devido às sanções dos EUA.

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O envolvimento da Solway em minerais e metais altamente demandados, como o níquel usado em baterias de carros elétricos, torna cada vez mais difícil que ela permaneça nas sombras. Uma reportagemLink externo recente da Newsweek sugeriu que o governo dos EUA está tentando utilizar as sanções do Tesouro para garantir o acesso aos ativos de mineração da Solway na Guatemala em meio à intensa competição com a China por recursos estratégicos.

“Nunca tentamos esconder nada”, disse Gerasev, refutando as alegações de que a empresa é sigilosa, apesar da falta de informações em seu site e de sua reticência em se envolver com a mídia. O site não faz menção a Gerasev e não apresenta uma cronologia com a história da empresa. O site indica que a empresa tem cinco mil funcionários, mas não há fotos de executivos ou gerentes.

Como uma empresa privada, a Solway não é obrigada a fornecer quaisquer detalhes. Não há acionistas exigindo transparência e nenhuma autoridade que a obrigue a publicar como os membros do conselho são selecionados ou remunerados.

“A Solway é uma empresa familiar e sempre foi”, disse Gerasev à SWI. “Foi fundada em 2002 por Aleksander Bronstein, que é um empresário estoniano. O objetivo da empresa era investir em metais e mineração em todo o mundo.”

Como muitas empresas na Suíça, a Solway tem usado uma estrutura corporativa complexa que torna difícil verificar suas origens ou seus beneficiários finais; aqueles que, em última análise, têm os direitos sobre a renda ou os ativos da empresa, ou a capacidade de controlar suas atividades. A empresa foi originalmente criada no Chipre, que é conhecido por oferecer aos investidores estrangeiros um alto grau de anonimato.

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Kai Reusser / swissinfo.ch

A Solway se mudou para a Suíça em 2015, disse Gerasev, porque é um centro bem conhecido para a indústria de mineração e matérias primas. A taxa de imposto atrativa e a legislação estável também foram fatores na escolha.

A investigação da mídia encontrou centenas de transações entre 23 empresas com ligações à Solway ou seus executivos entre 2007 e 2015. Gerasev não confirmou o número de empresas, mas disse que “não há nada de anormal nisso. As empresas costumam usar o que é chamado de veículos de propósito específico para vários investimentos. É prática normal haver mais de uma empresa em um grupo.”

O registro cantonal de Zug lista o nome de Gerasev junto com o filho de Aleksander, Dan Bronstein, que, segundo Gerasev, é o CEO da empresa. Há outras três entidades da Solway no registro de Zug, duas das quais a empresa disse serem subsidiárias.

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Gerasev confirma que o principal acionista do Solway Investment Group é a Solway Holding Malta, informação também disponível no site da empresa e no registro cantonal de Zug. O registo comercial de Malta inclui três administradores e quatro acionistas, que são sociedades registadas num único endereço em São Vicente e Granadinas.

“A inclusão dessas entidades no esquema corporativo foi meramente para harmonizar a governança corporativa”, disse um assessor de imprensa da Solway à SWI em um e-mail subsequente. “Essas entidades em breve serão excluídas da estrutura acionária como resultado do esforço para simplificar a estrutura societária.” O assessor de imprensa confirmou depois que existem 43 subsidiárias diretas e indiretas da holding registrada em Malta.

Os proprietários finais, que Gerasev afirma serem os filhos de Aleksander Bronstein, ambos cidadãos alemães, não são mencionados em lugar algum no registro comercial de Malta, nem no registro de São Vicente e Granadinas. O cartório de Malta rejeitou o pedido de documentação da SWI, alegando que o registro de “beneficiários efetivos está limitado às autoridades competentes e às pessoas sujeitas, conforme definido nos Regulamentos de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo”.

Pouco mais de uma semana antes da publicação deste artigo, a equipe jurídica da Solway compartilhou um trecho do registro de Malta com a SWI, mostrando que os filhos, Christian e Dan Bronstein, são os beneficiários efetivos com 60% e 40% das ações, respectivamente. A empresa não concedeu à SWI permissão para publicar o documento à luz de uma decisão judicial da UE que restringe o acesso público. Um assessor de imprensa da empresa disse que considera “a publicação de um documento com os dados pessoais dos acionistas é potencialmente insegura, tanto pessoalmente para os empresários e suas famílias quanto para o próprio negócio”.

Laços russos que atam

As perguntas sobre os laços da Solway com a Rússia vão além da propriedade. Gerasev é um cidadão russo que ganhou a cidadania israelense em 2014. Antes de se mudar para a Suíça em 2015, Gerasev viveu em Moscou, mas “cresceu em vários países, incluindo a União Soviética, os EUA e a França”.

Um arquivo do site da empresa na internet mostra que a Solway, que anteriormente era chamada de Fundo de Investimento Solway, tinha um escritório de representação em Moscou e expressava orgulho de sua experiência na economia russa. Aleksander Bronstein era cidadão da União Soviética antes de se tornar estoniano, mas nunca teve passaporte russo. De 2003 a 2007, ele foi membro do conselho da Siberian-Urals Aluminum Company, que foi fundada pelo oligarca russo Viktor Vekselberg, e eventualmente se fundiu com outros dois ativos do setor de alumínio.

Muitos funcionários da Solway são russos, mas ainda mais vêm da Ucrânia, de acordo com Gerasev. O russo também é a “língua franca de fato da empresa” porque muitas pessoas que trabalham para a empresa vieram de ex-repúblicas soviéticas.

“Ter alguns gerentes russos e algumas pessoas falando russo não significa que a empresa é russa, e não significa que a empresa esteja ligada de alguma forma a oligarcas, ao Kremlin ou ao regime. Isso não é a mesma coisa”, disse Gerasev.

Ele insiste que a empresa não é afiliada ao Estado russo. Essa impressão, diz ele, foi criada pela mídia em 2014 e pegou.

“Temos uma subsidiária muito importante na Ucrânia chamada Pobuzhsky”, disse Gerasev, referindo-se a uma produtora de ferroníquel. “Quando a Crimeia foi anexada pela Rússia, houve uma tentativa de alguns empresários de assumir o controle de nosso ativo ucraniano e isso foi feito com uma campanha de difamação chamando a Solway de empresa russa porque, desde 2014, as empresas russas não eram bem-vindas na Ucrânia.” A SWI conseguiu encontrar alguns relatos da mídia de um ataque à filial na Ucrânia.

A Solway saiu de todos os seus projetos na Rússia, nomeadamente as operações de mineração de ouro Kurilgeo e ZGRK, em março de 2022, logo após a invasão da Ucrânia, por serem “incompatíveis com a estratégia do grupo”, disse Gerasev. A Solway também se manifestou publicamente contra a guerra na Ucrânia e foi forçada a fechar seu ativo ucraniano depois que um ataque com mísseis russos destruiu uma usina de energia próxima.

Seis dias após a entrevista à SWI, a empresa emitiu um comunicado à imprensa com os primeiros resultados de uma “investigação independente” anunciada anteriormente sobre as alegações de sanções dos EUA, afirmando que “embora haja conexões entre a Solway, seu fundador, e entidades empresariais e indivíduos russos, não há evidências de que a Solway, seu fundador ou seus acionistas tenham sido historicamente,  ou são atualmente controladas ou influenciadas por entidades e/ou indivíduos russos de qualquer forma”.

Aprendendo as lições

A combinação de sanções contra as subsidiárias da Solway, da guerra na Ucrânia e de várias investigações da mídia estão pesando sobre a empresa.

“Estamos operando em modo de crise”, disse Gerasev. “É muito importante para nós tirar as subsidiárias da lista de sanções o mais rápido possível.”

Além do impacto financeiro de ter a produção interrompida na Guatemala e na Ucrânia, a empresa também enfrenta mais escrutínio de clientesLink externo e parceiros. Em julho passado, a Solway e o Festival de Salzburgo encerraram uma parceria de patrocínioLink externo depois que a empresa não foi capaz de dissipar totalmente as acusações de abusos de direitos humanos na Guatemala. Ela continua a insistir que as acusações foram baseadas em informações falsas ou imprecisas.

A empresa está melhorando lentamente sua divulgação de informações, ainda que seletivamente. Desde março de 2022, ela publicou vários comunicados à imprensa sobre seus compromissos ESG (ambientais, sociais e de governança), incluindo uma política de direitos humanos. Gerasev também disse que há planos de atualizar sua estrutura de governança corporativa para incluir um conselho maior.

O mundo está mudando, assim como as expectativas sobre nossa indústria, disse Gerasev. “Não achávamos que não estávamos sendo transparentes, mas, sim, vamos melhorar.”

Adaptação: DvSperling

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