Cenas de guerra no Rio: 64 mortos em megaoperação mais letal contra o crime organizado
O Rio de Janeiro viveu nesta terça-feira (28) cenas de guerra durante a operação policial mais letal contra o crime organizado na história da cidade, com pelo menos 64 mortos, informaram as autoridades.
Cerca de 2.500 policiais fortemente armados entraram nos Complexos do Alemão e da Penha, na zona norte da cidade, onde houve tiroteios, incêndios e confrontos com supostos suspeitos, constatou um jornalista da AFP.
O objetivo da “Operação Contenção” é “combater a expansão territorial do Comando Vermelho”, a maior organização criminosa do Rio de Janeiro, informou o governo estadual.
O governador Cláudio Castro (PL) informou que 60 suspeitos foram mortos na “maior” operação policial da história do Rio, e lamentou também a perda de quatro policiais. No total, 81 pessoas foram detidas
Saraivadas de tiros aterrorizaram a população da região, e os comércios e escolas permaneceram fechados.
“Está todo mundo apavorado porque é muito barulho de tiros”, disse por telefone uma pessoa que participa de projetos sociais no Complexo da Penha e que pediu anonimato.
Um jornalista da AFP viu agentes com armamento pesado na favela Vila Cruzeiro vigiando cerca de vinte jovens sentados na calçada, de cabeça baixa, descalços e sem camisa.
Outros detidos andavam juntos com os braços algemados.
Ao hospital Getúlio Vargas, nas imediações da favela, chegavam veículos com corpos de civis e policiais feridos e mortos, enquanto era possível ouvir os tiros do lado de fora, constatou a AFP.
Claudio Castro publicou no X um vídeo de um drone lançando um projétil do céu.
“É assim que a polícia do Rio de Janeiro é recebida por criminosos: com bombas lançadas por drones. Esse é o tamanho do desafio que enfrentamos. Não é mais crime comum, é narcoterrorismo”, disse o governador.
– Caos –
As operações policiais contra o crime organizado são frequentes nas favelas do Rio, onde os agentes costumam trocar tiros com traficantes e a população sofre em meio ao fogo cruzado.
A megaoperação causou transtornos na cidade, com vias importantes completamente fechadas ou bloqueadas.
Mais de 50 ônibus foram usados por supostos criminosos para montar barricadas, informou o sindicato Rio Ônibus.
“Tá tudo parado e aí a gente tá sem ônibus, sem nada, já viu, né? Aí nós estamos, nesse caos aqui sem saber o que fazer”, disse Regina Pinheiro, uma aposentada de 70 anos que tentava voltar para casa.
Pelo menos 85 centros de ensino suspenderam as aulas.
Em dezenas de escolas da Zona Sul carioca, os alunos foram liberados mais cedo diante da situação de alerta.
O serviço de metrô ficou sobrecarregado devido à tentativa dos moradores de voltar para casa.
Chegada a noite, a calma retornava ao centro e a outros bairros próximos, enquanto patrulhas policiais percorriam as ruas quase desertas.
Durante a operação, que contou com o apoio de dois helicópteros, as autoridades apreenderam meia tonelada de drogas e cerca de 100 fuzis.
O governador afirmou que a operação, fruto de uma investigação de mais de um ano, ocorreu “numa área de 9 mil quilômetros quadrados. Para você ter ideia, é uma área de duas Copacabanas inteiras. Então é uma área muito, muito, muito grande”.
– ONU ‘horrorizada’ –
Em Brasília, ministros do governo federal se reuniram para avaliar a situação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda estava em viagem de volta ao Brasil após um giro pelo Sudeste Asiático.
Acordaram que uma comitiva irá ao Rio para uma “reunião de emergência” com Castro nesta quarta.
Em mensagem na rede social X, o Escritório de Direitos Humanos da ONU disse estar “horrorizado” com a operação policial, e lembrou às autoridades brasileiras “suas obrigações” segundo as leis internacionais.
“Uma operação policial que resulta na morte de mais de 60 moradores e policiais é uma enorme tragédia”, afirmou por sua vez César Muñoz, diretor da Human Rights Watch no Brasil, que pediu investigações para esclarecer as circunstâncias de “cada morte”.
Uma declaração de 30 organizações da sociedade civil, entre elas a Anistia Internacional, afirmou que a operação “expõe o fracasso” da política de segurança e coloca a cidade “em estado de terror”.
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) impôs algumas restrições a essas operações nas favelas, como a limitação do uso de helicópteros e da atuação em áreas próximas a escolas ou postos de saúde.
Essas medidas foram suspensas este ano por decisão do Supremo.
Em 2024, cerca de 700 pessoas morreram em intervenções policiais no Rio, quase duas por dia.
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