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“Brasil lidera na capacidade de produção sustentável de hidrogênio verde” *

Motorista abastecendo caminhão
Um motorista abastece seu caminhão com hidrogênio "limpo" em Neumünster, no norte da Alemanha, em 30 de novembro de 2023. Keystone / Christian Charisius

Fernanda Delgado acredita que o Brasil tem um grande potencial de ser um dos maiores produtores de hidrogênio verde, o gás gerado por energia renovável ou de baixo carbono. E ressalta que o maior desafio é a regulamentação do setor.

Diretora-executiva da ABIHVLink externo (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde) e professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV), Delgado explica que o hidrogênio verde é produzido através da eletrólise da água com energia de fontes renováveis e emerge como uma solução promissora para setores de difícil eletrificação, como transporte pesado e indústria intensiva. 

Com o Brasil avançando na produção e regulamentação desse vetor energético, inclusive com um projeto de lei em tramitação, Delgado ressalta os desafios técnicos e regulatórios enfrentados, bem como as oportunidades econômicas e sociais que a integração do hidrogênio verde à matriz energética brasileira pode oferecer.  Ela aborda ainda as parcerias internacionais do Brasil neste campo, realçando seu papel potencial como líder na economia do hidrogênio sustentável

swissinfo.ch: Poderia me explicar o que é hidrogênio verde e por que ele é considerado uma alternativa energética sustentável?

Fernanda Delgado: O hidrogênio verde é um vetor energético, produzido através de um processo de eletrólise da água, utilizando a eletricidade vinda de fontes renováveis, como a solar ou a eólica. Durante a eletrólise, a água (H2O) é dividida em hidrogênio (H2) e oxigênio (O2). Nesse processo, o hidrogênio resultante é considerado “verde” quando a eletricidade utilizada é gerada de maneira sustentável, sem a emissão de gases que contribuem para o efeito estufa, como o CO2. 

O hidrogênio pode ser produzido de diversas formas, mas ele se destaca por seu potencial como alternativa energética sustentável por diversas razões. Primeiramente, pelas baixas emissões de carbono envolvidas no seu processo de produção, evitando a queima de combustíveis fósseis – um dos fatores mais nocivos para o equilíbrio do meio ambiente. Além disso, o armazenamento de energia é um fator vantajoso, uma vez que o hidrogênio verde pode ser usado para armazenar energia produzida por fontes variáveis, como a solar e a eólica. Quando há um excesso de energia disponível, ela pode ser usada para produzir hidrogênio, que posteriormente pode ser armazenado e utilizado quando a demanda for maior. 

imagem de uma mulher
Fernanda Delgado é diretora-executiva da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), professora na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e co-criadora dos projetos “Sim, Elas Existem!” e “EmpodereC”. cortesia

Outro aspecto é poder abastecer setores que são mais complexos de se eletrificar, como a indústria de processo intensivo e o transporte pesado, oferecendo uma alternativa de combustível limpo. Por fim, a cadeia produtiva do hidrogênio verde se caracteriza por uma produção descentralizada, permitindo que as instalações sejam localizadas próximas às fontes de energia renovável e reduzindo as perdas de transmissão.

swissinfo.ch: Como está o desenvolvimento e a produção de hidrogênio verde no Brasil atualmente? 

F.D.: A produção de hidrogênio verde no Brasil envolve a aplicação de diversas tecnologias avançadas. Uma das principais tecnologias é a eletroliseproton exchange membrane (PEM), na qual a eletrólise da água é realizada utilizando uma membrana de troca de prótons para separar o hidrogênio do oxigênio, sendo alimentada por eletricidade proveniente de fontes renováveis, como a solar ou eólica. 

A utilização de eletrolisadores PEM garante grande eficiência e capacidade de resposta rápida às variações na oferta de energia. No entanto, até o momento, a implementação em larga escala ainda está em estágio inicial. Há cerca de 60 projetos em pré-acordo, para serem instalados no Brasil, principalmente por meio de tecnologias de eletrolisadores alimentados por energia renovável, como solar e eólica. 

A combinação estratégica dessas tecnologias posiciona o Brasil como um protagonista no desenvolvimento sustentável de uma economia do hidrogênio. Quanto às regiões mais envolvidas no processo, podemos destacar a Região Nordeste, com grande potencial eólico e solar, com diversos projetos assinados nos Estados do Ceará, da Bahia, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e do Piauí.

swissinfo.ch: Quais são os principais desafios enfrentados pelo Brasil na produção e implementação do hidrogênio verde, tanto do ponto de vista técnico quanto regulatório?

F.D.: Neste momento, o desafio maior está sendo justamente o da regulamentação do setor. Nos últimos dias, foi aprovada no Parlamento brasileiro a primeira versão do Projeto de Lei que regulamenta o marco regulatório do Hidrogênio Verde (PL 2308/2023). Este é um passo muito importante na construção de um marco regulatório para o desenvolvimento do Hidrogênio no país. 

Isso abre caminho para se estabelecer o hidrogênio como vetor energético, coloca o Brasil no processo para estabelecer uma economia de baixo carbono e a industrialização verde, com a redução das emissões de carbono dos processos produtivos. Essa construção de um arcabouço legal viabiliza a competitividade do hidrogênio verde no país, é o primeiro passo para o país ser líder da descarbonização, para trazer projetos para o Brasil, projetos sólidos, sustentáveis, de ordem nacional e internacional. 

Porém, ainda existem avanços significativos que podem ser feitos nessa etapa final de tramitação, para mecanismos que estimulem o desenvolvimento da indústria, como incentivos regulatórios e financeiros, para deixar o hidrogênio mais competitivo. É importante mencionar que outras formas de energia tiveram também um apoio, um estímulo, creditício, financeiro, tributário, no início do adensamento das suas cadeias produtivas. Promover essa demanda, promover a competitividade é justo e pertinente para um amadurecimento tecnológico e um estímulo da cadeia produtiva do hidrogênio verde.

swissinfo.ch: Como a produção de hidrogênio verde pode contribuir para a redução das emissões de carbono no Brasil? Existem preocupações ambientais associadas à sua produção?

F.D.: O hidrogênio verde pode contribuir muito para reduzir as emissões de carbono porque adota processos de eletrólise alimentados por fontes renováveis, como solar e eólica. A eletrólise evita a emissão direta de CO2 associada a métodos tradicionais de produção de hidrogênio – também chamados de hidrogênio cinza e azul. Por isso, o sequestro do CO2 resultante do processo produtivo contribui para a neutralização de emissões líquidas, posicionando a produção de hidrogênio verde como componente-chave na transição para uma economia de baixo carbono.

Quanto às preocupações ambientais associadas à sua produção, como todo processo produtivo, há impactos gerados, sendo um deles a necessidade de metais raros para a fabricação de eletrolisadores de membrana de troca de prótons (PEM). Outro aspecto é a dependência de eletricidade proveniente de fontes renováveis para alimentar os eletrolisadores, o que implica em desafios relacionados à variabilidade na oferta de energia. 

A produção intermitente dessas fontes pode criar discrepâncias na produção de hidrogênio verde, demandando soluções de armazenamento de energia ou sistemas de backup. No entanto, de acordo com todos os estudos nacionais e internacionais já realizados, os benefícios para o meio ambiente são incomparavelmente maiores.

swissinfo.ch: Qual é o potencial econômico do hidrogênio verde para o Brasil? 

F.D.: Segundo os estudos da ABIHV, a gente enxerga que a partir da tomada de decisão de 2024, que podem começar a tirar do papel os 57 projetos atualmente em discussão no país, a gente teria tomadas de decisão, para o uso de 180 Megawatts de eletrolisadores, e a previsão de sete trilhões de reais em investimento em capex e opex, e a arrecadação para todas as esferas do governo até 2050. Todo esse montante pode reverberar na economia, significando também um superávit primário de R$ 72 bilhões, a partir de 2027. 

swissinfo.ch: Quais tipos de investimentos estão sendo feitos no Brasil para o desenvolvimento do hidrogênio verde? Existem parcerias internacionais nesse campo?

F.D.: A maioria dos 57 projetos em estudo para implantação no Brasil são de iniciativa internacional. Companhias da Europa, da Ásia e da Austrália têm realizado diversos estudos a respeito da potencialidade do Brasil na produção do hidrogênio verde. Todos são unânimes em afirmar que o país é um dos que possui a maior capacidade de produzir hidrogênio verde de forma sustentável e com retorno comercialmente viável, em comparação com outros países. 

Entre as principais parcerias internacionais podem ser destacadas a Aliança Brasil-Alemanha para o Hidrogênio Verde, criada em 2020 para promover a cooperação entre os dois países no desenvolvimento do hidrogênio verde, incluindo empresas, instituições de pesquisa e governos dos dois países; e o Memorando de Entendimento entre o Brasil e a União Europeia para a cooperação no setor do hidrogênio, assinado em maio de 2022, para promover a cooperação entre os dois blocos no desenvolvimento do hidrogênio verde, contemplando áreas como pesquisa e desenvolvimento, produção, armazenamento e transporte deste vetor energético. 

Além disso, o Brasil participa de iniciativas internacionais, a exemplo da Hydrogen Council, organização global que reúne empresas, governos e organizações de pesquisa para promover o desenvolvimento do hidrogênio verde. Essas parcerias internacionais são importantes para o desenvolvimento do hidrogênio verde no Brasil, pois permitem o acesso a tecnologias, financiamento e conhecimento.

swissinfo.ch: Como o hidrogênio verde pode ser integrado à matriz energética brasileira atual? Existe um plano ou estratégia para essa integração?

F.D.: Existem estudos e propostas neste sentido, que compõem o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), lançado pelo governo brasileiro em 2022, que visa posicionar o Brasil como líder global na produção e exportação de hidrogênio verde. Com investimentos projetados de R$ 540 bilhões até 2030, o plano busca integrar a produção desse recurso à matriz energética brasileira de duas maneiras principais. 

Primeiramente, pretende-se utilizar excedentes de energia renovável para a produção de hidrogênio verde, aproveitando momentos em que a oferta de energia renovável supere a demanda, reduzindo perdas e aumentando a eficiência do sistema energético. Em segundo lugar, substituir fontes de energia fósseis, como gás natural e petróleo, pelo hidrogênio verde, visando reduzir as emissões de gases de efeito estufa e fortalecer a segurança energética do país. 

Para concretizar esses objetivos, o programa estabelece diversas ações, incluindo a possibilidade de incentivos fiscais e financeiros para a produção de hidrogênio verde, visando reduzir os custos e aumentar sua competitividade. Além disso, conforme já citado, está em andamento a regulamentação do setor de hidrogênio verde, buscando assegurar a segurança e eficiência em sua produção, armazenamento e transporte. 

Importante ressaltar que a integração do hidrogênio verde à matriz energética brasileira demanda uma abordagem estratégica. De início, é essencial projetar a expansão da produção, que deve estar alinhada com o aumento da participação de fontes renováveis, como solar e eólica, na geração de eletricidade. Isso vai proporcionar uma base sustentável para a produção de hidrogênio verde. Além disso, a infraestrutura de armazenamento e distribuição de hidrogênio precisa contemplar a criação de sistemas de transporte, crucial para garantir a disponibilidade do hidrogênio verde em diferentes setores, como transporte e indústria. Adicionalmente, políticas públicas e incentivos econômicos podem acelerar essa transição. 

swissinfo.ch: Quais são as implicações sociais da adoção do hidrogênio verde, especialmente em comunidades locais e áreas rurais?

F.D.: A adoção do hidrogênio verde pode acarretar diversas implicações sociais, especialmente em comunidades locais e áreas rurais, as chamadas externalidades positivas. A instalação de infraestrutura para a produção, armazenamento e distribuição pode gerar oportunidades de emprego diretas e indiretas, além de promover o desenvolvimento de habilidades especializadas na operação e manutenção dessas instalações. Já estão em estudo programas governamentais e privados de capacitação de trabalhadores nesse setor. 

Além disso, a implantação de projetos de hidrogênio verde em áreas rurais pode fornecer soluções descentralizadas de energia, reduzindo a dependência de infraestruturas centralizadas e beneficiando comunidades que historicamente têm acesso limitado a fontes de energia mais estáveis.

* a entrevista foi realizada por escrito

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