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Suíço promove cultivo sustentável de terra no Brasil

"Quando me perguntam o que eu sou, eu digo: Sou agricultor e ao mesmo tempo filósofo", afirma Götsch, fundador da Sintropia. © Florian Kopp

Um agrônomo suíço ensina ao mundo como a agricultura poderia funcionar no futuro. Ernst Götsch chama seu método de sintropia. Ele se populariza rapidamente no Brasil. Os discípulos de Götsch o transformaram em um ícone no país.

Seja em cursos presenciais, nas redes sociais ou até mesmo em novelas, é possível ver o conceito da agricultura sintrópica sendo disseminado por alguém que conviveu ou teve contato com a filosofia do suíço Ernst Götsch.

Presente no Brasil desde 1982, quando veio morar no país, trocando o nordeste da Suíça, em Raperswilen, na Turgóvia, pelo nordeste brasileiro, na Bahia, Götsch desenvolveu um novo conceito de lidar com o cultivo de terras. Desde então vem recuperando áreas degradadas ou consideradas inaproveitáveis em terrenos férteis e até mesmo florestas.

Suas técnicas seguem chamando a atenção das pessoas e conquistando adeptos que passam eles próprios a plantarem novas “sementes” da filosofia Götsch de lidar com a terra.

Imagine o ser humano como parte de um organismo, muito maior do que ele. E ele dividindo com demais indivíduos o papel de fazer esse macroorganismo funcionar bem e cada vez melhor. Para isso, é preciso dispensar uma mentalidade voltada para exploração e competição, e passar a olhar o ambiente com um viés cooperativo e interativo, em que cada um ou cada ser cumpra um papel em busca sempre da regeneração da vida e em busca de abundância.

A conversa parece meio filosófica para definir agricultura sintrópica, e é. Mas só assim, deixando de lado os modelos tradicionais de cultivo, produção e uso da terra para se entender como Ernst Götsch tem restaurado áreas degradadas e propondo um novo modelo de utilização, com método, técnicas e processos desenvolvidos por ele mesmo. Além da filosofia, princípios da física, biologia, matemática também são utilizados por ele para conceituar seu método de lidar com a terra.

O próprio nome, agricultura sintrópica, deixa isso claro. Enquanto a entropia, termo utilizado na física se refere à desordem de um sistema e a degradação da energia, a sintropia, ao contrário, pressupõe a formação de estruturas pelo aumento de complexidade, assim como acontece com a própria vida. Ter a sintropia como ponto de partida permite que o agricultor enxergue esse ambiente e toda a sua complexidade, buscando aproveitar cada cultivo como o potencial de outro, assim como o melhoramento da própria terra como um todo.

A produção se baseia em uma mescla de combinações de espécies de forma atenta ao modo como cada uma se desenvolve naquele tempo e espaço, sejam elas quais forem: hortaliças, frutas, ervas… Assim, respeitando o perfil e o papel de cada uma, é possível entender como se dá o seu crescimento, como cada uma impacta sobre a outra e na terra. Ciente desses processos, o agricultor aprende a acelerar os processos de sucessão ecológica e estratificação do plantio, sabendo o que, como e quanto plantar, fazendo com que cada cultivo tenha o seu papel na busca pela abundância de produção, ao mesmo tempo em que também atua na regeneração do ecossistema.

Guru da agricultura

Não há dados precisos de quantas pessoas passaram a adotar a agricultura sintrópica ao longo dos anos, mas uma tese de doutorado dá uma ideia do impacto do trabalho de Götsch.

No estudo da jornalista Dayana Andrade, um levantamento do alcance médio da atuação do suíço mostra que em 25 anos, de 1993 a 2018, ele influenciou com seus cursos, workshops e conferências mais de 4 mil agricultores, cerca de 3.500 famílias e quase 2 mil pessoas no Brasil, além de locais como Portugal, Espanha, Havaí e Suriname.

Em seu trabalho, Dayana registra ainda que só de centros de formação, no período de 2016 a 2018, um total de 2.837 pessoas participaram de algum programa de ensino sobre agricultura sintrópica em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília.

Ela mesma, que acompanha o trabalho de Götsch desde 2007, junto com o também jornalista Felipe Pasin, passou a atuar na implementação da agricultura sintrópica, levando o conhecimento de Götsch para muito além de cursos presenciais.

Os dois mudaram para Portugal, onde desenvolveram um trabalho de educação ecológica infantil em uma cidade do Baixo Alentejo chamada Mértola. “Hoje vivemos na Itália, na região do Salento (Puglia), onde estamos implantando 9 hectares com diferentes desenhos de sistemas sintrópicos.

Duas imagens mostrando diferenças em termos de reflorestação
Solo ressecado: era assim que parecia quando Götsch assumiu a fazenda de cacau (foto superior). Abaixo, o ecossistema intacto de sua fazenda “Olhos d’Água” como está hoje. © Florian Kopp

Discípulos

Reconhecidos pela dedicação ao estudo teórico e à experimentação prática da agricultura sintrópica, Dayana e Felipe foram consultores ambientais para duas novelas da Globo: “Velho Chico”, em 2016, e “Pantanal”, em 2022, e seguem como consultores para a nova versão da novela “Renascer”, com estreia prevista para 2024.

“Sempre buscamos aproveitar essas oportunidades para levar para o grande público as discussões mais atuais sobre meio ambiente e sustentabilidade, e o Ernst, naturalmente, é nossa grande referência”, afirma Dayana. Vale lembrar que a Globo é uma líder de audiência em novelas no Brasil, atingindo todas as regiões do país.

Mas vale atenção também com a audiência dos mentorados de Götsch. Como Dayana e Felipe, Antonio Gomides se encantou com a filosofia dele e passou a reverberar o que aprendeu nas suas redes sociais, como o InstagramLink externo, que conta hoje com mais de 130 mil seguidores, e o seu canal no YoutubeLink externo, com cerca de 45 mil inscritos.

Nascido em uma família itinerante de teatro, Antonio Gomides vem percorrendo o país há muitos anos e depois de conhecer o trabalho de Götsch tem atuado para que mais e mais pessoas se envolvam com o cultivo sustentável da terra. Ele mesmo passou a estudar o assunto e a oferecer cursos para quem se interessa por agrofloresta.

O que o solo precisa? Agricultores brasileiros aprendem com Ernst Götsch a gerenciar seus hectares de forma mais natural. © Florian Kopp

“Ouvi falar do Ernst a primeira vez em Brasília, onde o trabalho dele está muito presente e convivi com ele durante um mês”, conta Gomides, dizendo que tê-lo conhecido e estado com ele em vários outros momentos foi um divisor de águas muito profundo ao constatar como ele transformava de fato o ambiente por meio de uma nova forma de lidar com a terra.

“Eu vi que estava diante de uma obra genial, foi uma sensação como quando estive no Louvre e vi aquelas obras de arte”, completa ele, afirmando que o trabalho de Götsch é um grande legado para a humanidade que precisa ser conhecido no Brasil todo e no mundo.

E o que Götsch acha disso tudo? “Eu trabalho para isso”, diz ele. “Cada um faz o seu papel e eu faço modestamente aquilo que eu posso fazer na minha na profissão de agricultor, mas, de fato, trabalho muito com filosofia”, afirma, complementando: “Quando me perguntam o que seu sou, eu digo que sou agricultor e ao mesmo tempo eu sou filósofo”.

Uma questão de maquinário: agricultores e Goetsch discutem sobre o equipamento ideal. Foto: Florian Kopp

Preservação sustentável

Um filósofo e agricultor suíço que quer impactar as pessoas nas técnicas de regeneração e preservação de solos, mas principalmente no modo de viver em sociedade. No seu esforço de fazê-las compreender que o problema está muito mais nas pessoas não saberem lidar com erros que já deveriam ter sido historicamente aprendidos, como as guerras que estão acontecendo atualmente, ele mostra como o sistema de vida das plantas podem nos ajudar a entender como viver melhor e de forma mais abundante.

É o princípio da agricultura sintrópica, que tem por base replicar e acelerar os processos naturais de desenvolvimento das plantas e recuperação dos solos, dando a elas condições para o seu desenvolvimento, cada uma ocupando sua posição natural no espaço e tempo. Assim, a agricultura deixa de ser algo exploratório para ser um efeito natural da regeneração de ecossistemas, ou vice-versa.

Agrofloresta sintrópica de um pequeno agricultor para a produção de frutas e legumes no Brasil. © Florian Kopp

E é com esse olhar sobre a terra e as plantas que Götsch comenta sobre um dos temas globais mais discutidos atualmente, a preservação do meio ambiente. “O ser humano não precisa pensar em salvar o planeta; ele tem que ver como salvar a si próprio”, afirma, referindo-se a forma como as pessoas lidam consigo mesmas e em suas relações sociais. Para ele, é a partir da observação e do entendimento de como acontecem as relações das plantas em seu habitat que o homem pode ter uma chance de impactar mais positivamente o meio ambiente e, sim, se salvar.

“Precisamos repensar como podemos agir para conseguir a mesma coisa como as outras espécies conseguem, cada uma no seu nicho, cada uma cumprindo a sua função, sendo as relações inter e intraespecíficas baseadas na cooperação”, argumenta. Ele cita a importância do papel de cada organismo, como fungos, bactérias e as próprias plantas na restauração do solo e na recuperação de uma floresta, como funciona na agricultura sintrópica ou, por que não, na filosofia sintrópica.

Para exemplificar, Götsch lembra que depois da explosão na usina de Chernobyl, em 1986, já foram encontradas amostras de vegetação mais forte, taxa fotossintética mais alta, bactérias e líquens que fazem radiosíntese. “Todas essas espécies aparecem para realizar suas tarefas e para cumprir a função de levar a vida para frente; não para explorar”, diz ele na tentativa de mostrar que o ser humano já deveria ter aprendido a importância do modo cooperativo para manter e preservar a vida; e não o contrário.

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