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O dia em que a Suíça invadiu Liechtenstein

Os oficiais da companhia perdida em Liechtenstein colocaram a culpa no "mau" tempo. Keystone

Um grupo de soldados das forças armadas suíças invadiu Liechtenstein durante um treinamento noturno. O incidente sem importância teria passado despercebido se não virasse manchete de um jornal sensacionalista.

A reportagem terminou sendo tema de centenas de mídias internacionais e colocou o exército do país dos Alpes numa situação constrangedora. Uma lição do poder da imprensa.

Ninguém havia percebido a invasão. Os soldados de uma companhia da Escola de Recrutas de St. Luziensteig, um vilarejo no cantão dos Grisões, estavam fazendo um treinamento noturno em 28 de fevereiro, quando se perderam nas matas da região fronteiriça localizada entre a Suíça e Liechtenstein.

Comandados por um capitão e cinco oficiais, o objetivo da missão era apenas marchar quinze quilômetros através das florestas e campos com ajuda de bússolas e mapas. Os 170 soldados estavam apenas aparelhados com o fuzil 90, também conhecido pela sigla “SIG 550”, o armamento básico que todo o jovem suíço alistado recebe nos seus primeiros dias de serviço militar. As armas estavam, porém, descarregadas.

Em algum momento da marcha, os soldados perceberam que estavam pisando no território soberano do país vizinho, o principado de Liechtenstein. O erro não é tão difícil de ocorrer: nessa região não existem controles de fronteira ou postos alfandegários – veículos e pessoas trafegam livremente. Também os soldados suíços não poderiam ter sido repelidos, já que Liechtenstein, com seus 34 mil habitantes, não dispõe de exército próprio, mas sim de um reduzido número de policiais.

“Nem percebemos que eles haviam entrado, pois afinal os soldados não invadiram o nosso país com helicópteros ou outros aparelhos de guerra”, explicou Markus Amman, porta-voz do ministério do Interior de Liechtenstein ao jornalista do “Blick”.

Repercussão mundial

O incidente fronteiriço teria passado completamente despercebido se não fosse o fato deste jornal considerado sensacionalista, o segundo maior em tiragem na Suíça, ter publicado no sábado (3 de março) uma pequena reportagem contando toda a história. O que nem seus redatores esperavam era a repercussão mundial.

Depois de traduzida pelas agências internacionais, em apenas algumas horas jornais, revistas, televisões, rádios e sites informativos de várias partes do mundo já estavam publicando suas próprias versões da invasão. Só o motor de procura do Google News contabilizava 213 artigos que citavam a reportagem do Blick.

Muitas mídias não pouparam ironia para descrever as peripécias do exército do país dos Alpes: “Tropas suíças marcham no minúsculo Liechtenstein por engano”, publicava o jornal americano USA Today; “Opla! Suíça invade acidentalmente Liechtenstein”, dava a rede americana de televisão ABC News no seu site; “Tropas suíças se perdem e invadem Liechtenstein”, titulava o Chicago Tribune.

A nota também foi publicada em mídias de renome como o The Guardian (Inglaterra), BBC (Inglaterra), Fox News (EUA), Jerusalém Post (Israel), New York Times (EUA), Times of India (Índia), The Telegraph (Inglaterra), The Moscow Times (Rússia) e outros.

Mesmo jornais satíricos não perderam a oportunidade. O The Spoof (http://www.thespoof.com), da Inglaterra, colocou mais detalhes na história, dando a impressão deste ter tido repercussões importantes. “Diplomatas europeus trabalharam a noite inteira para impedir que a invasão acidental de tropas suíças de Liechtenstein não se transforme num conflito regional, que possa ter repercussões internacionais”, escreveu a publicação.

Explicações oficiais

O governo helvético confirma a história, mas se apressa em diminuir a importância do incidente. “Não apenas as fronteiras verdes da Suíça com Liechtenstein são abertas, mas também as com a França e a Alemanha. A entrada acidental de soldados suíços no país durante exercícios rotineiros não é nenhuma tragédia. Nós evitamos esse tipo de incidente e sempre nos desculpamos frente aos governos estrangeiros se isso ocorrer”, explica Felix Endrich, porta-voz do exército suíço.

Muitos do governo se mostraram surpreso com a repercussão mundial. “Provavelmente a imprensa achou interessante e divertido contar essa história, a de um país com um exército tão conhecido e renomado como o suíço, que invade um outro pequeno e sem forças armadas”, estipula Endrich. O militar acredita o Blick foi avisado por um soldado da companhia. “Todos sabem que esse jornal paga bem às fontes quando uma história tem um potencial sensacionalista”.

Os editores do Blick não escondem que o jornal paga para as fontes. Um exemplo ocorreu em junho de 2006, quando um DJ suíço vendeu à publicação fotos tiradas de Ronaldo, Roberto Carlos e Robinho, jogadores da Seleção Brasileira, durante uma noitada passada numa boate de Lucerna.

No caso da invasão de Liechtenstein, o Blick prefere a discrição. “Não podemos dar o nome da fonte e nem dizer o que a motivou a nos contar a historia, porém ela tinha o seu valor. Eu mesmo fiquei espantado com o interesse da imprensa estrangeira”, conta Dajan Roman, redator no Blick e autor da reportagem.

Punição?

Oficialmente a invasão do território de Liechtenstein pelas tropas suíças não foi considerado um problema diplomático. Os soldados também não devem ser punidos. “Esses erros podem sempre acontecer. O importante é que não se tratava de uma marcha de conquista”, brinca Felix Endrich.

O porta-voz apenas lamenta que a imprensa estrangeira não tenha dado o mesmo destaque para outros atos bravios do exército como no transporte de ajuda humanitária nas inundações de 2005 na Sumatra ou durante as inundações na própria Suíça no mesmo ano. “Brincadeiras a parte, mas somos considerados internacionalmente como uma tropa bem formada”.

swissinfo, Alexander Thoele

– Liechtenstein é um minúsculo principado do centro da Europa, encravado nos Alpes, entre a Áustria, a leste, e a Suíça a oeste. Sua capital é Vaduz.

– A união aduaneira e monetária com a Suíça foi firmada em 1924.

– Liechtenstein tem uma área de 160 quilômetros quadrados e 34.905 (dezembro de 2005).

– Lichetenstein não tem um exército ou serviço militar obrigatório.

O Blick é o segundo maior jornal da Suíça em tiragem: 254.657 exemplares (2006)Ele foi lançado em 1959 pela editora Ringier como primeiro jornal popular.
Na época a publicação foi muito criticada por político por focalizar o noticiário em temas como crimes, sexo e esporte.
Rapidamente o Blick se transformou no jornal mais lido da Suíça, mas perdeu recentemente a posição para os jornais gratuitos (“20 Min” e “Heute”).

As Forças Armadas são formadas pelo exército e aeronáutica. Como a Suíça não tem litoral, ela não dispõe de uma marinha. Uma característica das forças armadas helvéticas é não ter soldados profissionais, mas em sistema de milícia.
O chefe atual das Forças Armadas é o comandante Christophe Keckeis.
Atualmente as Forças Armadas possuem 200 mil membros, sendo que 120 mil estão em grupamentos ativos e 80 mil em unidades de reserva.
O serviço militar é obrigatório na Suíça.

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