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Seis cordas para a vida

"José Barrense-Dias é o único artista a sintetizar em 30 minutos a música brasileira", Claude Nobs, fundador do Festival de Jazz de Montreux. divulgação

De Angico para Nyon: a história da vida de José Barrense Dias é tão espetacular como seus mais de cinqüenta anos de carreira, grande parte vivida na Suíça.

Entre música, conservatório e teatro, o artista baiano lançou 18 discos, três métodos de violão, 20 álbuns de transcrição e até já salvou o show de João Gilberto e Tom Jobim em Montreux.

“Uma vez eu acordei pela manhã e, ao buscar as cartas, encontrei a minha vizinha no corredor do prédio. Ela me perguntou se eu não trabalhava naquele dia e eu respondi que não. Ela então me disse: – mas isso é óbvio, pois se você toca todos os dias a guitarra, não deve ter tempo para trabalhar”.

Essa é apenas uma das muitas histórias curiosas vividas pelo músico baiano José Barrense-Dias na Suíça e contada em palco, durante sua terceira participação no Festival de Jazz de Montreux.

Esse baiano de 72 anos é considerado parte do patrimônio cultural no país dos Alpes. E isso não se deve apenas à maestria com que ele domina as cordas de seu violão: José Barrense-Dias foi um dos primeiros músicos brasileiros a se radicar na Suíça e é também um dos mais profícuos.

Do garimpo para São Paulo

Nascido em 1932 em Angico, uma pequeno povoado no sertão baiano, José Barrense Dias foi o sexto dos quatorze filhos do casal Joaquim Barrense e Maria Antunes Dias Soares. “Minha mãe eu só conheci prenha”, conta o músico. Seu avô, apelidado de “Tonha”, foi um conhecido cangaceiro no nordeste brasileiro nos anos quarenta.

Quando sua mãe faleceu aos trinta e quatro anos, logo após um parto prematuro, José tinha apenas onze anos e a família vivia em Campo Alegre de Lourdes, um vilarejo não muito distante de Angico.

Um ano depois, seu pai decidiu levar a família para um garimpo na floresta amazônica, onde iria tentar a sorte na procura de diamantes. Essa aventura fracassou e a família retornou mais empobrecida para Campo Alegre.

Aos quinze anos de idade, Barrense-Dias decidiu abandonar o sertão nordestino. Acompanhado por um irmão, ele pediu carona a um caminhoneiro e imigrou para São Paulo. Durante seus anos na maior metrópole brasileira, o baiano exerceu as mais diversas profissões: entregador de remédios, fabricante de perfumes e até vendedor de bilhetes de ônibus. Porém, afora os biscates, o violão continuava sua maior paixão.

José Barrense-Dias aprendeu a tocar o instrumento de seis cordas como autodidata nos bordéis de garimpo na Amazônia, repetindo acordes de mestres do passado como o músico Américo Jacomino, mais conhecido como “Canhoto”. Outro mentor artístico e motivo de inspiração foi o violonista brasileiro Paulinho Nogueira, a quem José Barrense-Dias dedicava uma profunda amizade que durou até a sua morte, em agosto de 2003.

Músico profissional

Se José Barrense-Dias nunca chegou a aprender teoria musical em conservatórios, pelo menos sua maestria no violão convencia outros artistas paulistanos. Assim, o jovem baiano abandonou a vida de biscates, se transformou em músico profissional e tocou em diversas bandas como a da cantora Belina, do “seresteiro” Nélson Gonçalves e também em vários clubes na agitada vida noturna de São Paulo.

Um dia Barrense-Dias recebeu um convite para entrar num grupo chamado “Os Brasileiros”, que iria partir em turnê pela Itália. Em julho de 1961, o músico baiano embarcava num navio que o levaria pela primeira vez para fora do Brasil.

A tournée foi um sucesso e o grupo tocou por toda a Itália. A música latino-americana estava em moda na época. “Os Brasileiros” chegam mesmo a tocar para o antigo presidente brasileiro Juscelino Kubitschek.

Porém um dos concertos levou os brasileiros para Lausanne, a bela cidade suíça às margens do lago Léman. Nos país dos Alpes, a vida de José Barrense-Dias daria uma guinada que mudaria seu destino: durante uma noite de bar, o músico baiano encontrou uma jovem suíça, por quem terminou se apaixonando.

Entre várias apresentações na Itália, eles se casaram e pouco tempo depois nasceu a filha única. Na Suíça, a família se estabeleceu em Nyon, uma pequena cidade na parte francesa do país.

Assim como muitos estrangeiros, o baiano viveu os fortes preconceitos da época contra estrangeiros. “Eles pensavam que eu era siciliano”. Só não foi expulso do país, pois recebeu ajuda de um cônsul honorário do Brasil.

Carreira na Suíça

Os primeiros anos de José Barrense-Dias na Suíça não foram fáceis. Afora as aulas particulares e concertos esporádicos, ele penava para encontrar espaço para tocar. Afinal, a tradição do violonista que anima sozinho uma noite ainda era pouco conhecida na Europa.

Seu primeiro disco, intitulado “Noite em Brasília”, foi gravado em 1968. O produtor ficou impressionado com sua habilidade no violão e também o nome. “Até então eu era conhecido como Canhoto, mas quando ele escutou meu nome, disse que soava como Johann Sebastian Bach”.

A partir de então, o músico brasileiro passou a fazer sucesso nas rádios suíças e a dar shows em várias cidades européias.

Logo após o lançamento do primeiro álbum, Barrense-Dias foi convidado para dar aulas numa pequena escola de música em Genebra. A instituição ia fechar e terminou sendo integrada ao conservatório da cidade. Durante mais de trinta anos, o baiano ensinou violão clássico e popular a jovens suíços sendo, porém, uma exceção na academia: “Sou o único canhoto no mundo a ensinar violão clássico em conservatório”.

Paralelamente, através de uma editora francesa, Barrense-Dias lançou três métodos de violão e 20 álbuns de transcrição. Os livros permitem até hoje aos amantes da música brasileira de tocar composições de clássicos como Ari Barroso e Ernesto de Nazaré.

Além da música, o baiano também atuou na televisão e no teatro: no papel de gangster no filme “La visite de la vielle dame” (1984), baseada numa obra do escritor suíço Friedrich Duerrenmatt; e na peça “La Croix du Sud” (1985), que contava a história dos emigrantes suíços que fundaram Nova Friburgo. Como autor, ele compôs em 1996 a peça musical intitulada “Destination Brésil”, que incluía um coro de 25 vozes, percussão e guitarra e foi apresentada em várias cidades suíças.

Nos palcos de Montreux

A coroação da carreira desse músico baiano foram as participações no Festival de Jazz de Montreux, um dos mais conhecidos do mundo. Amigo pessoal de Claude Nobs, organizador e fundador do evento, José Barrense-Dias já tocou cinco vezes nos seus palcos. A primeira ocorreu em 1985. Sua história faz parte do folclore do festival e merece ser contada.

Nesse ano estava programada a apresentação de dois ícones da música popular brasileira: João Gilberto e Antônio Carlos Jobim. Como os dois artistas eram divididos por uma profunda inimizade e rancor, um recusava-se a abrir o concerto do outro. A ausência dos músicos no palco foi tornando o público cada vez mais impaciente e já havia ameaça de tumulto. No desespero, Claude Nobs perguntou a José Barrense-Dias se ele não gostaria de tocar algumas canções para esfriar os ânimos da platéia.

No final, seu show improvisado se tornou um sucesso. Não só o público adorou, como também a televisão suíça e o festival gravaram o concerto em vídeo e disco.

Para agradecer a gentileza, Claude Nobs convidou-o para uma segunda apresentação em 1987. Barrense-Dias se apresentou no mesmo dia com Paco de Lucia e Stanley Jordan. Na terceira experiência, em 1998, o músico baiano dividiu o palco com Carlos Santana. Depois seguiram mais duas apresentações no festival em Montreux.

Aos setenta e dois anos, José Barrense-Dias poderia se aposentar. Nos últimos cinqüenta anos de carreira, o músico baiano lançou 18 discos, sendo que o último chegou nas prateleiras há pouco tempo: “L’essentiel” (o essencial), uma coletânea com suas 18 melhoras músicas.

Em setembro próximo, José Barrense-Dias homenageia seu grande amigo Paulinho Nogueira através do lançamento de um DVD e CD, contendo dois shows realizados pelo grande violonista brasileiro durante sua primeira e última visita à Europa.

swissinfo, Alexander Thoele

Essas e outras histórias estão na biografia de José Barrense-Dias intitulada “Six cordes pour une vie” (Seis cordas para a vida), escrita durante 16 anos pelos jornalista e ex-aluno de guitarra Claude Gerbex e publicada em 1998 pela editora Cabédita.

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