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O desafio do ouro “limpo”

As origens sombrias do ouro refinado na Suíça

Barras de ouro
Em 2017, aproximadamente 2404 toneladas de ouro foram importandas pela Suíça no valor de 70 bilhões de francos. Keystone

A maioria do ouro no mundo passa pela Suíça, em um negócio que chega a movimentar entre 70 e 90 bilhões de dólares por ano. O metal precioso chega no país ainda não refinado e o deixa o país em sua brilhante pureza. 

Por vezes, porém, o ouro é de proveniência duvidosa. O governo reconhece o risco, como mostra um relatório publicado recentemente no qual manifesta preocupação quanto à exploração dos garimpeiros e faz diversas recomendações às empresas suíças ativas no setor.

As refinarias suíças processam anualmente 70% do ouro não refinado garimpado no mundo. Quatro dos nove atores mais importantes na indústria global do ouro conduzem a maioria dos seus negócios a partir da Suíça. Enquanto o ouro é extraído em noventa diferentes países, aproximadamente a metade do metal processado na Suíça é originado da Grã-Bretanha, Emirados Árabes Unidos ou Hong Kong, três países não produtores.

O ouro responde por 63% das exportações da Grã-BretanhaLink externo à Suíça, 92% dos Emirados e 78% de Hong Kong. Ao mesmo tempo, a Suíça importa uma quantidade significativa de ouro de países que tem no metal a sua principal matéria-prima de exportação como Burkina FasoLink externo (onde o ouro representa 72 das exportações do país), GanaLink externo (51%) e MaliLink externo (77%).

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Como pode ser visto nos gráficos abaixo, algum dos principais produtores de ouro são países que não se destacam pelo respeito aos direitos humanos. Mas também descobrimos que, entre os produtores de ouro, muitos encontram-se em guerra e sabe-se que os lucros servem também para financiar as hostilidades. Em todos esses casos, a frase utilizada é “ouro ilegal”,  “ouro sujo” ou mesmo “ouro de sangue”. 

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Um importante setor econômico

Apenas para mostrar como esse setor é importante à economia suíçaLink externo: em 2017, por exemplo, 2.404 toneladas métricas de ouro foram importadas no valor aproximado de 70 bilhões de francos. No mesmo ano, a Suíça exportou 67 bilhões em ouro. Em outras palavras, 24% das exportações suíças e 31% das importações estão diretamente ligadas ao metalLink externo

Comparativamente, no mesmo período, a indústria relojoeira exportou 20 bilhões, ou seja, o equivalente a 24 milhões de relógios. Os produtores suíços de chocolate exportaram um bilhão de francos, que correspondem a 128 mil toneladas da guloseima.

Para chegar ao mesmo nível, essas outras industrias teriam de exportar 85 bilhões de barras de chocolate ou 84 milhões de relógios. Apenas a indústria farmacêutica tem um peso ainda maior: em 2017, as multinacionais do setor exportaram produtos no valor de 98 bilhões de francos suíços. 

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Transparência limitada

O comércio de ouro vale um em cada três francos suíços importados e um quarto das exportações. Não é propriamente pouca coisa- Os gráficos fornecidos pelo Observatório da Complexidade EconômicaLink externo são instrutivos a esse respeito.

Esse não é um setor reconhecido pela transparência. Pelo contrário, pois nos últimos anos não foram poucos os escândalos, dentre eles em países como Peru ou Togo, passando por Burkina Faso e o Congo. Em todos esses casos o chamado “ouro do sangue” chegou à Suíça para ser refinado em suas forjas. Depois o precioso metal foi enviado em toda a sua pureza à Grã-Bretanha, Índia China e Hong Kong.

O que é o “ouro do sangue”?

O que significa essa expressão? Como diz, trata-se de ouro extraído com custos humanos elevados, ou seja, através de práticas que infringem os direitos humanos. O “ouro do sangue” também implica o não respeito dos direitos dos povos nativos à autodeterminação e à propriedade de suas terras ancestrais.

A mineração ilegal de ouro causa danos ambientais, sobretudo através da poluição provocada por metais pesados. Além disso, está intimamente associada à conflitos regionais, crime organizado e lavagem de dinheiro.

Uma parte desse ouro é levado à Suíça para refino. O governo suíço está ciente dos riscos. Em um recente relatório sobre a comercialização do ouroLink externo, seus representantes admitem a impossibilidade de excluir que a extração esteja isenta de crimes contra os direitos humanos.

Ouro de sangue – origem e rastreabilidade

Em uma declaração conjuntaLink externo, inúmeras ONGs suíças ativas na defesa dos direitos humanos concordam que a análise do governo aponta os problemas mais prementes desse setor econômico de alto risco, mas consideram inadequadas as soluções propostas.

Um dos principais problemas é o desconhecimento da verdadeira origem do ouro. Mais da metade do metal que entra na Suíça vem da Grã-Bretanha, Emirados Árabes Unidos e Hong Kong. Assim como a Suíça, esses países também não são produtores, mas sim apenas a segunda última parada na jornada do ouro não refinado de outras partes do mundo.

Origem do ouro

Ouro representa 24% das exportações de Hong KongLink externo (aproximadamente 30 bilhões de dólares, 16% dos Emirados Árabes UnidosLink externo (US$ 27 bi) e 4% do Reino UnidoLink externo (US$ 15 bi).

“As multinacionais refinadoras de ouro na Suíça conhecem perfeitamente a origem da matéria-prima”, afirma Marc Ummel, especialista da ong Swissaid. “Mas simplesmente não o dizem.”

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Enquanto o governo federal reconhece no relatório a necessidade da rastreabilidade do ouro, na prática as agências reguladores apenas sabem qual foi o último país onde este passou, mas não a verdadeira origem.

Para Ummel, a resposta ao problema é simples: “Exortamos o governo a exigir que a alfândega descubra a origem das mercadorias que chegam e não apenas o último país a exportá-las para a Suíça”.

Ao longo dos anos, acrescenta Ummel, as multinacionais de beneficiamento do ouro vêm prometendo melhorar a qualidade da informação disponível. “Mas o que isso significa? O importante é declarar a origem do ouro, de qual o país ele veio, de qual mina foi extraído e se as operações de mineração respeitaram os direitos humanos básicos e o meio ambiente. Isso iria melhorar a qualidade dessas informações. Mas não é o que acontece”.

Padrões de responsabilidade

1) Normas de ouro “responsável” Link externobaseadas nas diretrizes da OCDE sobre o dever de devida diligência para uma cadeia de fornecimento de minerais responsável (incluindo a luta contra o ouro originário de áreas de conflito, lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo).

2) Certificado de joias “responsáveisLink externo“: esta certificação visa garantir práticas responsáveis em toda a cadeia de fornecimento.

Há também a Iniciativa do Ouro “BomLink externo” (BGI, na sigla em inglês), lançada pela Suíça em 2013, que via apoiar a criação de cadeias de fornecimento para a produção responsável de ouro.

Cumprimento voluntário

Em seu relatório, o governo afirma que as refinarias suíças aplicam normas “voluntárias” para garantir que a produção esteja de acordo com as exigências sociais e ambientais, mas não há nenhuma obrigação de cumpri-las. O próprio governo endossa (mas não impõe) as normas desenvolvidas pela OSCE Link externoe incentiva (mas não obriga) as corporações a implementá-las.

A “Iniciativa do Ouro Bom” (BGI) foi lançada pela Suíça em 2013, no Peru, para garantir que o ouro extraído de minas de pequena escala estejam respeitando regras voluntárias de sustentabilidade. Desde então, 2,5 toneladas de ouro foram produzidos e comercializados entre 2013 a 2017 segunto esses critérios, um empreendimento louvável, mas representou apenas 0,015% da produção mundial anual.

Legislação bem-intencionada, mas imperfeita

A legislação suíça já é considerada uma das mais rigorosas do mundo na regulamentação do comércio de ouro, ressalta o governo helvético. As leis sobre o controle de metais preciosos e o combate à lavagem de dinheiro visam garantir que o ouro processado nas refinarias não seja proveniente da mineração ilegal.

Ummel não compartilha dessa visão.  “Não é realmente verdade”, diz ele. “A União Europeia, assim como os Estados Unidos, têm leis mais rígidas. As leis helvéticas tentam reduzir a mineração ilegal de ouro, mas, como o governo admite, faltam instrumentos explícitos para garantir o respeito aos direitos humanos”. Apesar desta admissão, as autoridades não veem necessidade de nova legislação na matéria.

Por que essa relutância? O representante da Swissaid tem suas teorias. “O governo federal fala sobre a dura concorrência internacional que a indústria suíça enfrenta”, observa. “Para não aumentar as dificuldades de um setor responsável por um terço de todas as importações, e um quarto de todas as exportações, o governo está pouco inclinado a resolver o problema.”.

A competição é um fato. Como Ummel admite, “existem muitas outras refinarias no mundo que também beneficiam ouro.

Qual a resposta?

Em seu relatório, o governo propõe oito recomendações para garantir uma maior transparência, mas não considera torna-las compulsórias.

As ONGs, pelo contrário, reivindicamLink externo “diligências devidas”, com sanções que possam ser aplicadas no não respeito às regras. Esse é, dizem eles, o único passo real a dar no sentido de ter mais transparência no setor. Resta saber se a indústria é capaz – ou está disposta – a fazê-lo.

Adaptação: Alexander Thoele

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