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Franz Caspar visita índios Tuparí na Amazônia

Franz Caspar filho e índio tupari Cláudio. swissinfo.ch

Sessenta anos após a visita do etnólogo suíço Franz Caspar aos índios Tuparí em Rondônia, oeste do Brasil, seu filho decide percorrer o mesmo caminho para visitar esse povo indígena, que até hoje se lembra do pai.

“Quando éramos pequenos, ele contava histórias sobre o cacique Waitô”, conta Franz Caspar, professor da Universidade de Berna.

Sessenta anos após a visita do etnólogo suíço Franz Caspar aos índios Tuparí em Rondônia, oeste do Brasil, seu filho, de mesmo nome, Prof. Dr. Diretor do Departamento de Psicologia e Psicoterapia da Universidade de Berna, visita esse povo indígena e ouve histórias sobre seu pai.

“Quando éramos pequenos ele costumava contar histórias sobre o cacique Waitô e às vezes, à noite, cantava músicas em Tuparí para que nós adormecêssemos”, conta Franz Caspar durante a visita à Terra Indígena Rio Branco (TI Rio Branco) em janeiro de 2008, local onde os Tuparí vivem hoje.

O primeiro encontro com os Tuparí

A primeira visita do etnólogo aconteceu em janeiro de 1948, depois de haver passado quase dez anos na América do Sul, onde teve contato com índios civilizados na Argentina. Caspar entrou em um escritório de viagem em La Paz, capital da Bolívia, a fim de comprar uma passagem para a Europa. O agente de viagens abriu um mapa da América do Sul sobre a mesa e lhe mostrou as possíveis rotas de viagem.

“O senhor pode ir de avião do Rio de Janeiro até Dacar ou pegar um trem até Buenos Aires. De lá partem muitos navios para a Europa. Também tem a opção de ir pela costa do Pacífico, assim fica conhecendo o Canal do Panamá.” Mas nenhuma das sugestões convenceu Caspar, pois ele queria, a todo custo, conhecer a floresta Amazônica. O boliviano do escritório de viagens balançou a cabeça em sentido de negação e disse não poderia oferecer esse tipo de viagem, pois acabaria em malária, febre amarela, pragas de insetos e animais selvagens.

Ao final Caspar se decidiu por uma viagem de avião rumo à fronteira, para depois cruzar para o lado brasileiro por via terrestre. Entretanto, pouco depois da fronteira, na cidade de Guajará Mirim terminou sua viagem. Ele resolveu ficar, fascinado pela “aventura de conhecer verdadeiros índios selvagens”.

Pessoas nuas

Dez meses mais tarde deixou a maloca (aldeia com casas de palha coletivas de forma oval) dos índios Tuparí, povo com quem conviveu durante quatro meses. Em seu livro Tuparí: entre os índios, nas florestas brasileiras, o etnólogo descreve a experiência.

“Nunca imaginei que pudesse me afeiçoar tanto àquelas pessoas nuas – no começo tão estranhas e repulsivas – ao longo dos meses nós nos tornamos bons amigos e vizinhos confiantes. Ninguém, naquela casa grande, que tenha me visto com fome, deixou de oferecer, de maneira gentil, uma raiz assada, um mamão ou uma cuia de chicha (bebida fermentada de milho ou mandioca).”

“Todos, à sua maneira, estiveram sempre preocupados com meu bem estar e também sabiam que havia me afeiçoado a eles. Bebês haviam nascido, outros aprenderam a andar diante de meus olhos e eu os deixei brincar sobre as minhas costas. Somente duas ou três dessas criaturinhas ainda tinham medo da minha barba. Os outros não se intimidavam em puxá-la e todos me chamavam, carinhosamente, de seu vovô ou “toto amsi-tan” – „o vovô com o narigão”.

Segunda visita

Em 1955, Caspar retornou à maloca dos Tuparí, depois de haver completado seus estudos em Hamburgo nas áreas de etnologia, psicologia e ciências políticas. Em sua segunda viagem levou equipamentos para completar a documentação sobre as tradições Tuparí e também foi capaz de fazer registros a respeito do idioma e costumes dos índios Makurap, Aruá, Jabutí, Arikapú, dentre outros. Mas a sua decepção ao rever seus amigos foi grande, pois as duas últimas malocas Tuparí haviam sido reduzidas a somente uma, a do cacique Waitó. Grande parte dos índios que havia conhecido em 1948 morreu em epidemias de gripe e sarampo.

Reencontro

Em janeiro de 2005, a jornalista e fotógrafa Gleice Mere, que residia na Alemanha, visitou a TI Rio Branco. Na ocasião levou um livro do etnólogo com fotografias dos índios Tuparí. Para sua surpresa alguns Tuparí se reconheceram nas fotos. De volta à Europa a fotógrafa tentou encontrar a família Caspar e foi bem sucedida porque o filho do etnólogo é acadêmico e tem o mesmo nome do pai.

Em Zurique sua viúva cedeu cópias das imagens para que os índios pudessem ver fotografias de seus antepassados. Em agradecimento os índios escreveram uma carta convite à família Caspar dizendo que os consideravam como parte de seu povo. Um dos filhos mais velhos do pesquisador aceitou o convite e veio conhecer os amigos que mesmo depois de tantos anos não esqueciam o “Dotô Francisco”, a quem conheceram ou já tinham ouvido muitas histórias.

Laços de família

Durante a visita do filho Franz Caspar os índios mais velhos contavam histórias e até algumas anedotas sobre o “doutor da tribo dos suíços”. Konkwat, um dos filhos do cacique Waitó, que conviveu mais proximamente com Caspar disse ao filho do etnólogo. “Seu pai aprendeu a nossa língua, conversava com a gente em Tuparí, bebia a nossa chicha, pintava o corpo e comia a nossa comida, era como índio puro. Meu pai não queria que ele fosse embora e pediu para ficar e ser cacique. Da primeira vez ele não ficou porque disse que morava longe, tinha que ir para casa porque os pais dele estavam esperando ele voltar.”

“Da segunda vez foi embora porque tinha deixado mulher e dois filhos. Ele caçava macaco e levava para a maloca onde entregava a caça para a nossa mãe. Ele também a chamava de mãe – nyã – e dizia: “Aqui está mãe, para a senhora cozinhar”. Ele chamava o meu pai de pai – aptsi – e a mim de irmão mais novo – ike.” Por causa do parentesco adquirido de forma sentimental com o etnólogo o velho Konkwat passou a chamar o filho de seu irmão suíço de sobrinho. Alguns índios o chamaram de primo.

O rádio

Vários índios contam uma anedota sobre o rádio trazido pelo doutor. Foi a primeira vez que haviam visto o tal aparelho onde havia pessoas pequenas que falavam e cantavam. Há divergências sobre a versão da história, que não foi descrita pelo pesquisador suíço em seus escritos. Entretanto todos Tuparí conhecem a lenda da velha da maloca que não queria mais ouvir aquelas vozes que às vezes cantavam, às vezes falavam, às vezes eram só ruídos. Um dia então, aproveitando a saída do doutor despejou água fervendo em cima do rádio, que nunca mais falou.

Do lado suíço também há anedotas. Franz Caspar conta que antes da segunda viagem de seu pai à maloca Tuparí, um jornalista perguntou à sua irmã mais velha, na época com quatro anos, o que ela gostaria que seu pai trouxesse dos índios para a sua casa. Ela respondeu que gostaria de ganhar mais uma mãe, uma irmã e um irmãozinho.

Comemorações

Em comemoração à visita ilustre uma aldeia da TI Rio Branco, onde vivem índios de vários grupos étnicos, mesmo sem haverem conhecido o doutor Francisco, decidiram, após sessenta anos, construir uma maloca. Revitalizaram seus costumes com apresentações de canto e dança. A prova de que a construção de laços, ainda que entre culturas muito diferentes, deixam raízes e frutificam.

swissinfo, Gleice Mere

Livros etnológicos publicados pelo etnólogo:

Tuparí – entre os índios, nas florestas brasileiras; Edição Melhoramentos, 1958 – 225 págs

Die Tuparí. Ein Indianerstamm in Westbrasilien; (Monographien zur Völkerkunde, VII). Berlin, New York. Walter de Gruyter, 1975. 442 págs

Livros infantis da autoria de Franz Caspar:
Das Rößlein Hü fährt wieder in die Welt; Einsiedeln/Benziger; 1952
Fridolin; Aarau/Sauerländer, 1959

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