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Startup suíça supera GPT-5 em teste mundial de inteligência artificial

Mulher olhando um monitor
Empresas de todo o mundo competem para aproximar a IA da inteligência humana. Copyright 2024 The Associated Press. All Rights Reserved.

A Suíça entrou de vez na disputa por uma inteligência artificial com capacidades humanas. Startups como a Giotto.ai desafiam gigantes globais em testes que medem raciocínio e adaptação. Pesquisadores veem avanços, mas alertam para os limites éticos e científicos dos modelos atuais.

Desde o lançamento do ChatGPT em 2022, milhões de pessoas se acostumaram a interagir com a inteligência artificial (IA) como se ela fosse um indivíduo de carne e osso. Mas, até agora, nenhuma ferramenta de IA provou ser inteligente no sentido “humano” da palavra.

As plataformas de IA mais populares são os modelos de linguagem ampla (LLMs), que fazem previsões com base em padrões recorrentes aprendidos a partir de grandes quantidades de dados. A maioria não é capaz de aprender em tempo real nem de se adaptar a novas informações, como faz a mente humana. “Eles nos dão a ilusão de que são tão inteligentes quanto nós, mas isso é apenas uma imitação estatística, não uma compreensão verdadeira”, diz Torsten Hoefler, professor do Departamento de Ciência da Computação da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH).

Para preencher a lacuna entre humanos e máquinas, empresas e institutos de pesquisa de todo o mundo estão correndo para desenvolver a inteligência artificial geral (AGI), ou seja, uma IA capaz de compreender e se adaptar ao nível humano. A AGI é o objetivo de muitos no campo da IA porque permitiria que as máquinas realizassem praticamente qualquer tarefa com a precisão e a flexibilidade de uma pessoa.

Na Suíça, há quem acredite estar perto de atingir essa meta. Mas alguns especialistas questionam se os LLMs ou modelos semelhantes serão suficientes para chegar lá – e se a IA “humana” é realmente uma meta desejável.

Teste de inteligência artificial

No centro dessa corrida está uma start-up suíça, a Giotto.ai, que atualmente lidera o Prêmio ARCLink externo, uma competição global que mede o quanto os sistemas de inteligência artificial se aproximam do raciocínio humano por meio de uma série de quebra-cabeças visuais.

O Abstraction and Reasoning CorpusLink externo (ARC) é um dos principais benchmarks do mundo para medir o progresso em direção à inteligência artificial geral. Ele consiste em quebra-cabeças visuais que testam a capacidade da IA de raciocinar de forma abstrata e generalizar a partir de exemplos. Essas são tarefas que os seres humanos conseguem resolver com relativa facilidade, mas que ainda são desafiadoras para os sistemas de IA atuais.

Exemplo dos quebra-cabeças arc
Um exemplo de quebra-cabeça da ARC. A IA deve compreender a regra oculta, seguindo o exemplo nas imagens de entrada (à esquerda), e aplicá-la nas imagens de saída (à direita). arcprize.org

No momento em que este artigo foi escrito, a Giotto.ai afirmava ter resolvido 27,08% dos quebra-cabeças, superando LLMs populares como o Grok 4 e o GPT-5. A competição deste ano será encerrada em 3 de novembro.

O Lab42 também aspira à inteligência artificial geral, apoiando programadores de todo o mundo na criação de algoritmos capazes de resolver esses testes. Em 2024, esse instituto de pesquisa sediado em Davos afirmouLink externo ter estabelecido um novo recorde mundial com uma de suas equipes, que resolveu 34% dos testes ARC em um desafio não oficial.

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Surge um novo centro de inteligência artificial nos Alpes

Este conteúdo foi publicado em A estação de esqui de Davos quer se tornar um centro de pesquisa de inteligência artificial “politicamente neutro”. Objetivo: contrabalançar a hegemonia da China e dos EUA.

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Embora o desempenho seja impressionante, ele ainda está muito abaixo da inteligência humana. O criador do teste ARC, François Chollet, afirmaLink externo que um ser humano “inteligente” deve ser capaz de resolver mais de 95% dos testes sem treinamento.

Tanto a equipe de pesquisa da Giotto.ai quanto a do Lab42 acreditam que vencer a competição pode aproximá-las da criação de uma tecnologia que funcione como o cérebro humano: criativa, capaz de aprender em tempo real e rápida para adquirir novas habilidades.

LLMs não são suficientemente inteligentes

Marco Zaffalon, diretor científico do Instituto Dalle Molle para o Estudo da Inteligência Artificial (IDSIA), em Lugano, acredita que a inteligência geral está além do alcance dos modelos atuais de IA, independentemente de seu desempenho em determinados testes.

“A maioria dos grandes modelos de linguagem atuais não tem nada de verdadeiramente inteligente: eles reconhecem padrões, mas não entendem as causas”, explica ele. De acordo com Zaffalon, sem o entendimento das leis de causa e efeito, a IA permanece confinada a um nível básico de inteligência – o das correlações.

Um sistema realmente inteligente seria capaz de imaginar cenários alternativos e perguntar “o que teria acontecido se…”. Os LLMs podem parecer capazes de fazer isso, mas apenas porque são bons em imitar padrões encontrados em textos escritos por humanos, acrescenta Zaffalon.

Segundo o pesquisador, o problema é que as empresas hoje preferem aprimorar seus modelos com big data e atalhos de engenharia, em vez de aspirar a uma verdadeira revolução científica que torne a inteligência artificial mais parecida com o cérebro humano. “A verdadeira inteligência exigiria uma abordagem totalmente nova da IA, que complementasse os sistemas existentes”, diz Zaffalon.

Ascensão dos modelos de raciocínio

Alguns pesquisadores acreditam que uma nova geração de modelos de IA – conhecidos como sistemas de raciocínio – pode superar algumas dessas limitações.

Esses sistemas também fazem uso da previsão estatística, mas tentam simular o pensamento humano, dividindo problemas complexos em partes menores e resolvendo-os sequencialmente.

Torsten Hoefler, pesquisador da ETH, afirma que esses sistemas podem lidar com problemas mais complexos, especialmente quando combinados com os LLMs. Seu grupo está trabalhando ativamente para melhorar o desempenho dessas ferramentas, com resultados que o cientista descreve como “quase humanos”.

Empresas de todo o mundo, inclusive a Giotto.ai, esperam que os modelos de raciocínio as levem à AGI. A Giotto.ai afirma que seu sistema é muito menor e mais eficiente do que os LLMs, como o Grok 4 ou o GPT-5, mas ainda não está claro como ele alcança esses resultados. A start-up não divulgou os detalhes técnicos de sua abordagem e planeja publicar um relatório ao final da competição.

IA: Inteligência Artificial
Conjunto de técnicas que permitem que as máquinas imitem determinados recursos humanos, como aprendizado, linguagem ou percepção visual.

LLM: Modelo de Linguagem Grande
Modelo de inteligência artificial treinado em grandes quantidades de texto. Ele usa estatísticas para prever a próxima palavra em uma frase, produzindo respostas consistentes com base em correlações, e não em compreensão.

AGI: Inteligência Geral Artificial (AGI)
Forma de inteligência artificial capaz de compreender, aprender e se adaptar como um ser humano, realizando qualquer tarefa cognitiva sem treinamento específico.

Suíça próxima da inteligência artificial geral?

Se a inteligência artificial da Giotto.ai ganhar o Prêmio ARC, superando os gigantes dos EUA, será uma conquista notável para a Suíça. Mas ainda não está claro como um modelo capaz de resolver quebra-cabeças pode ser aplicado na prática. “Um ser humano pode fazer muito mais do que resolver quebra-cabeças”, diz Hoefler.

Entrevistado sobre o IDSIA, o diretor-executivo Aldo Podestà afirma que, se a Giotto.ai atingir sua meta alcançar a inteligência geral até o próximo ano, todas as aplicações serão possíveis.

Zaffalon, porém, continua muito cético em relação a essas declarações. O pesquisador duvida que os sistemas baseados principalmente em grandes modelos de linguagem e previsões estatísticas possam realmente atingir um nível de inteligência comparável ao dos seres humanos. E ressalta que promessas semelhantes feitas por empresas como a OpenAI e a Anthropic se revelaram, até o momento, pouco mais do que truques publicitários para atrair grandes investimentos.

Nenhuma dessas empresas, diz Zaffalon, conseguiu de fato explicar como superar desafios fundamentais, como o raciocínio causal. “Com esses modelos, a inteligência humana continuará sendo um objetivo distante, a menos que sejam complementados por IAs capazes de compreender o mundo e raciocinar sobre ele por meio da causalidade – o que não é o caso atualmente”, ressalta.

O cientista chinês Song-Chun Zhu, um dos maiores especialistas em IA do mundo e diretor do Instituto de Inteligência Artificial Geral de Pequim, também ressaltou por e-mail na necessidade de desenvolver tecnologias de IA radicalmente diferentes, capazes de realmente compreender as leis de causa e efeito, e não apenas fazer previsões.

IA em nível humano: sedutora, mas arriscada

A IA em nível humano ainda parece fora de alcance. E, para muitos pesquisadores, isso não é algo ruim. Os modelos de IA que borram as fronteiras entre humanos e máquinas são eticamente problemáticos, diz Peter G. Kirchschläger, professor de ética da Universidade de Lucerna e professor visitante da ETH. “O risco não é que as máquinas nos imitem”, explica, “mas que elas acabem nos substituindo na tomada de decisões sem que ninguém seja responsabilizado.”

Para Kirchschläger, a IA tem grande potencial, por exemplo, para avançar na pesquisa científica ou resolver problemas cotidianos de forma mais sustentável. No entanto, ele insiste que é fundamental manter viva a distinção entre humanos e máquinas, para que cada escolha permaneça ancorada na responsabilidade do indivíduo. “As decisões devem permanecer nas mãos de um ser humano; as máquinas devem simplesmente executá-las”, conclui.

Edição: Gabe Bullard

Adaptação: Alexander Thoele

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Debate
Moderador: Sara Ibrahim

A Inteligência artificial está aí para facilitar nossas vidas – ou é uma ameaça?

Devemos delegar poderes às máquinas? A inteligência artificial é problema ou a solução para muitos problemas da nossa sociedade?

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