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O etnólogo e os índios Tupari

Em tempos modernos, a televisão é uma forma de lazer dos índios tuparis. (foto: Gleice Mere) swissinfo.ch

A curiosidade de conhecer e compreender o desconhecido levou o etnólogo suíço Franz Caspar a passar nove meses com índios Tupari nas florestas de Rondônia.

Setenta anos depois da primeira visita, os mesmos índios já estão hoje assimilados. Porém seu livro de 500 páginas consegue resgatar uma cultura perdida no tempo.

Alimentar-se de macaco moqueado, pupa de bicudo (larvas do coqueiro), chicha (bebida alcoólica de mandioca), lagarto e outras guloseimas da floresta Amazônica foram algumas das experiências realizadas por Franz Caspar.

Essas e outras histórias vividas pelo etnólogo suíço em 1948, durante uma estadia com os índios Tupari em Rondônia, estão relatadas no livro “Tupari – entre os índios nas florestas brasileiras”.

A história conjunta de Franz Caspar e os índios Tupari começou em 1948, quando o etnólogo suíço visitou uma agência de viagens em La Paz para comprar sua passagem de volta para a Suíça.

Depois de haver passado quase dez anos viajando pela América do Sul, onde teve contato com índios civilizados da Argentina, ele decidiu adiar a partida e seguiu rumo a Guajará Mirim, cidade fronteiriça da Bolívia com o Brasil.

Caspar não queria voltar para a Suíça sem ter conhecido índios de verdade. Por isso ele extendeu sua permanência no continente para viver nove meses índios Tupari no Território do Guaporé, o atual estado de Rondônia.

O etnólogo retornou à tribo em 1955, depois de haver completado seus estudos em Hamburgo nas áreas de etnologia, psicologia e ciências políticas. Na segunda viagem, Caspar levou equipamentos para completar a documentação sobre as tradições Tupari e também foi capaz de fazer registros a respeito do idioma e costumes dos índios Makurap, Aruá, Jaboti, Arikapú, Kampé, dentre outros.

População dizimada

Depois haverem sido expulsos de suas terras devido à exploração da borracha, exportada para a Europa no período da Segunda Guerra Mundial, os Tupari e índios de etnias vizinhas foram quase dizimados.

De acordo com estatísticas da Fundação Nacional do Índio, um órgão público do governo federal brasileiro, calcula-se que a população Tupari era de aproximadamente três mil indivíduos no início do século passado.

Porém conflitos com posseiros de terras, doenças e outros problemas resultados do contato com a civilização fez com que Franz Caspar encontrasse apenas 200 indivíduos na sua primeira visita. Hoje em dia, a tribo está reduzida a 66 pessoas.

Apesar de também terem a cidadania brasileira, os índios são considerados estranhos à população branca. De certa forma, eles são considerados como cidadãos de segunda classe.

Franz Caspar reconheceu essa discrepância. Na impossibilidade de impedir o silencioso genocídio indígena de Rondônia, onde muitas tribos foram extintas sem mesmo haver o registro de sua existência, ele decidiu catalogar o máximo possível a respeito dos hábitos, costumes e idiomas dos povos que conviveu.

500 páginas de cultura Tupari

A preocupação de Caspar em preservar a cultura Tupari foi tamanha que o etnólogo coletou todos os artefatos utilizados pelos indígenas e documentou sua cultura detalhadamente em uma monografia publicada pelo Museu Etnográfico de Hamburgo em 1975.

Durante 20 anos Franz Caspar e sua família se esmeraram em escrever um documento de aproximadamente 500 páginas, com fotos e gravuras, onde qualquer leigo é capaz de entender o universo do mundo cultural Tupari.

Seu filho, hoje professor na Universidade de Genebra, conta que sua família cresceu com a cultura Tupari. Seu pai às vezes brincava com os filhos em danças Tupari e eles até conheceram com certa intimidade as características de alguns índios sem nunca terem saído de Zurique.

As coleções de artefatos trazidas por Caspar estão hoje nos museus etnológicos de Hamburgo, Bremen e Basiléia.(Basel)

Obras infantis

Quase trinta anos depois de seu falecimento a universidade holandesa Adelaar of Leiden University retomou a documentação de Caspar. Seu objetivo é sistematizar o conhecimento etnológico sobre os povos indígenas de Rondônia através do material guardado cuidadosamente em um porão em Zurique por sua esposa, a alemã Frauke Caspar.

Além da etnologia, Caspar também se interessava pela literatura infantil. Em 1967 ele criou um instituto dedicado ao tema, tendo também traduzido e escrito obras como o “Der Kleine Bär” (O Pequeno Urso) e “Fridolin”.

O etnólogo faleceu inesperadamente em abril de 1977, somente dois anos após a publicação da monografia Tupari, sem haver terminado a sistematização dos dados das outras etnias.

swissinfo visita Tuparis

Em uma recente visita à reserva do Rio Branco, a repórter da swissinfo encontrou índios Tuparis, Arikapu, Aruá, Makurape e outras etnias em uma reserva delineada pelas leis dos brancos.

Na época da estiagem, o rio Branco quase seca. Seus peixes estão morrendo. Uma das principais causas é a construção de sete pequenas hidroelétricas acima das terras da reserva de propriedade de uma empresa do governador do estado, obra que está sendo financiada pelo Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

Desde 1997 os Tupari brigam na justiça federal pelo impedimento da obra, mas como eles mesmo dizem: ” já estamos cansados de lutar sem ter resultados.”

Na reserva indígena, três índios tuparis lembraram-se com carinho do amigo de maloca, o suíço que eles costumavam chamar de Francisco. Eles olharam as fotos no livro com tristeza e melancolia, lembrando dos parentes que faleceram.

A agonia parece não ter fim cinqüenta anos depois da visita de Franz Caspar. Sem a sua curiosidade e dedicação, seria provável que muitos poucos ainda saberiam sobre a existência desse imaginário indígena que agoniza há décadas para ceder espaço à civilização.

swissinfo, Gleice Mere

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