OEA alerta para ‘golpe’ contra eleitores e erosão democrática na Venezuela
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, alertou na terça-feira para uma “erosão da democracia” na Venezuela, qualificando a sentença do máximo tribunal contra três deputados opositores de um “golpe direto” contra os eleitores.
Em uma longa carta aberta dirigida ao presidente venezuelano, Nicolás Maduro, Almagro advertiu que, com suas decisões os magistrados extrapolaram suas funções e puseram em risco, inclusive, a “sustentação da convivência” neste país petroleiro, já asfixiado pela polarização e por uma severa crise econômica.
“Tudo o que signifique impedir sequer um deputado de assumir sua cadeira é um golpe direto contra a vontade do povo”, escreveu Almagro na carta aberta, na qual se diz contrário a qualquer medida que busque “interpretar e/ou distorcer o que este expressou nas urnas”.
A Sala Eleitoral do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) que, segundo a oposição, é alinhado ao governo, declarou nulos na segunda-feira todos os atos do Parlamento enquanto continuassem incorporados três deputados opositores do estado do Amazonas (sul), que tiveram a eleição suspensa temporariamente por este órgão em dezembro, ao admitir uma impugnação apresentada pelo partido do governo.
A corte também considerou em desacato a direção opositora do Parlamento que, desafiadora, empossou os três legisladores poucos dias após se instalar, em 5 de janeiro.
Nesta quarta-feira, a maioria opositora do Parlamento venezuelano afastou os três parlamentares, impugnados pelos governistas, acatando a decisão do TSJ.
Pondo um fim a quase 17 anos de hegemonia chavista no Congresso, a aliança opositora MUD obteve maioria de dois terços (112 de 167 assentos), com a qual busca um caminho para mudar o governo, aprovar uma anistia, bem como reformas econômicas.
Denunciando o assédio a opositores e violações à soberania popular e à independência dos poderes públicos, Almagro descreveu neste cenário um panorama de bloqueio institucional e maior polarização que aprofundam a crise política e econômica.
“Tudo isto constitui o que a doutrina conhece como erosão da democracia, que contradiz os pilares fundamentais da Organização” dos Estados Americanos, destacou.
A situação afirmou nesta quarta-feira que as críticas de Almagro “lhes são indiferentes”.
“A OEA não tem nada que se meter na Venezuela e o que pensa o secretário da OEA é absolutamente indiferente para nós”, disse a jornalistas o deputado e número dois do chavismo, Diosdado Cabello.
O secretário da OEA “pode fazer o que for, é um organismo absolutamente sem legitimidade, não tem caráter, nem qualidade para dizer que está acontecendo algo bom ou algo mau na Venezuela”, continuou Cabello, acrescentando que Almagro “tem uma parcialidade política evidente que o deslegitima”.
O parlamentar recomendou, ainda, que o secretário-geral da OEA, que foi ministro das Relações Exteriores do Uruguai, “se meta na Argentina” e “veja o que está acontecendo” neste país, após a chegada ao poder do conservador Mauricio Macri.
“Nós pensamos que a OEA tivesse chegado ao fundo do poço com (o anterior secretário-geral, José Miguel) Insulza, mas com Almagro foi ao subsolo”, assegurou Cabello.
Semanas atrás, o presidente venezuelano chegou a referir-se a Almagro como “senhor lixo” pelos questionamentos que faz do sistema político venezuelano.
Volta ao século XIX
Em sua carta de sete páginas, Almagro atacou os magistrados que “arrastam nas costas a militância política” e denunciou que o tribunal passou dos limites em suas funções e afastou-se do dever de “preservar a vontade dos eleitores”.
“A Sala Eleitoral, em sua aplicação jurídica, faz retroceder dramaticamente o direito ao século XIX”, enfatizou.
Citando Maduro diretamente, o titular do organismo lamentou que “seu governo tenha decidido integrar as instituição em função da política partidária”, o que “leva a crer” que as decisões que delas emanam têm conteúdo político.
A poucos dias de deixar o Congresso, a maioria chavista da legislatura anterior nomeou 13 magistrados do TSJ, o que a oposição refutou.
“O chavismo não pode significar divisão ou quebra quando uma sociedade se decide a construir suas instituições em função da dignidade humana”, afirmou, em alusão ao projeto socialista fundado pelo falecido presidente Hugo Chávez, padrinho político de Maduro.
Mas Almagro concluiu a carta certo de que o presidente venezuelano “cumprirá sua palavra e permitirá que se encaminhem as ações para o restabelecimento do equilíbrio de poderes, o respeito pela vontade do eleitorado”.
“Mais preocupantes”
Almagro, que conseguiu ser eleito secretário-geral da OEA com o apoio de Caracas, acumula uma série de farpas trocadas com a Venezuela, que atualmente preside o Conselho Permanente da instituição, em Washington.
Ao criticar o que denominou de ambiente de “medo” antes das eleições de dezembro, o diplomata uruguaio provocou a ira de funcionários venezuelanos. Maduro chegou a se referir a ele como “esse lixo”.
Depois que a entidade eleitoral venezuelana descartou uma missão de observação da OEA nestas eleições, Almagro respondeu em uma carta aberta de 16 páginas à presidente deste organismo, gerando duras reações em Caracas.
Naquela carta, o titular da OEA enumerou uma série de irregularidades com vistas às eleições.
Mas as decisões da suprema corte de justiça contra os parlamentares opositores “ainda são mais mais preocupantes”, destacou na carta a Maduro.