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Voto do minarete ajudou na “compreensão dos muçulmanos”

Opositores da alegada "islamização" da Suíça continuam a protestar. Keystone

O governo suíço iniciou em 2007 um um diálogo regular com a comunidade muçulmana, reforçado depois do resultado do plebiscito que baniu a construção de novos minaretes no país.

swissinfo.ch entrevistou a suíça de origem iraquiana, Amira Hafner-Al-Jabaji, uma pesquisadora envolvida no diálogo, e questionou-a sobre as mudanças desde 29 de novembro de 2009.













































Hafner-Al-Jabaji é presidente do grupo “Think-Tank Inter-religioso”. Ele visa promover a paz religiosa no país e se opõe ao fundamentalismo.

Ela declarou à swissinfo.ch que o controverso voto apenas destacou a necessidade concreta de um diálogo entre as autoridades suíças e a comunidade muçulmana. Em sua opinião, um dos aspectos positivos um ano após é que o diálogo passou da discussão sobre questões de segurança para a integração e participação de muçulmanos na sociedade helvética.

swissinfo.ch.: Após o voto sobre a proibição da construção de minaretes, o governo acelerou o processo de consulta. Quais são os resultados desse diálogo passado um ano?

Amira Hafner-Al-Jabaji: Do lado muçulmano conseguimos tornar claro quais são os nossos problemas, as nossas prioridades e qual é o nosso entendimento de um diálogo sustentável. Existem diferentes organizações muçulmanas, representantes, questões e prioridades. Mas nunca houve uma assembleia sustentável ou grupo que se dispusesse de continuar trabalhando, solucionando problemas e apresentando projetos, etc..

Mas esse diálogo nos aproximou e nos levou a promover uma compreensão mútua entre os próprios muçulmanos. Portanto, é um passo importante para os próprios muçulmanos como diálogo interno.

swissinfo.ch: Os muçulmanos da Suíça seriam capazes então de continuar esse diálogo mútuo sem o envolvimento do governo?

A. H-A-J.: Temos de ver que existem duas principais prioridades. Uma é o diálogo com o governo, pois existe na sociedade dificuldades, dificuldades jurídicas, após o resultado da iniciativa anti-minarete…

A outra questão: o problema da imagem dos muçulmanos e do Islã precisa ser solucionado pelos próprios muçulmanos. Eles precisam tomar a iniciativa. Eles precisam encontrar uma forma de cooperar, integrar e aumentar sua participação na sociedade de uma forma positiva e construtiva. Uma atividade não torna a outra desnecessária. Nós precisamos ir nessas duas direções. Até agora era sempre a sociedade suíça e os governos federal e cantonais que definiam a agenda e os muçulmanos tinham apenas de acompanhar. Agora espero que os muçulmanos sejam mais capazes de determinar sua própria agenda.

swissinfo.ch: Os muçulmanos na Suíça enfrentam uma série de problemas em diferentes áreas – emprego, formação profissional, etc. A senhora discutiu com o governo como esses problemas poderiam ser solucionados?

A.H-A-J.: O governo definiu diversas áreas onde eles devem ser ativos. Também discutimos como poderíamos ser ativos nessas questões. Uma delas é de como tornar os muçulmanos mais aptos para o mercado (de trabalho). Outra é como lidar com a mídia. Um terceiro ponto diz respeito à área de saúde…

Agora temos de encontrar o tipo de projeto que nós, como muçulmanos – e sem ajuda do governo – poderíamos promover. Eu diria ao analisar o diálogo interno entre muçulmanos, que estamos apenas no início desse trabalho. Mas o início é sempre o passo mais importante. E nós queremos realmente lançar iniciativas e atividades na sociedade. Mas quero ressaltar que não estamos fazendo isso como muçulmanos para muçulmanos, mas dentro do entendimento que somos, em primeiro lugar, cidadãos da Suíça. Estamos fazendo isso em prol da sociedade como um todo…

swissinfo.ch.: Em respeito à integração, o diálogo ajudou a encontrar um acordo sobre esse conceito em si?

A.H-A-J.: …Do lado do governo, ela (a integração) é uma questão de compreensão do idioma e de estar preparado para o mercado (de trabalho). Mas ressalto que existe na sociedade suíça outra compreensão do que significa estar integrado e ela difere enormemente da abordagem jurídica. Assim, essa lacuna precisa ser preenchida…Não é possível achar que os muçulmanos ou qualquer outro grupo tenham de ser assimilado e abandonar sua fé ou forma de viver. Penso que poderíamos tornar claro que temos dificuldade com o entendimento da sociedade e com o que significa estar integrado…

swissinfo.ch.: Muitas mulheres estão incapacitadas de trabalhar devido ao véu e o governo não pode fazer nada para ajudá-las. Seria possível convidar os parceiros econômicos para participar desse diálogo?

A.H-A-J.: Sim, absolutamente. Não é generalizado que as mulheres que utilizam o véu fiquem impossibilitadas de trabalhar. Penso que o governo tem a vontade de ter um papel exemplar nessa questão. Também outras grandes empresas na Suíça têm consciência que o véu não é uma questão quando se trata do trabalho em um laboratório ou o que seja. É mais no espaço público. Temos de conscientizar as pessoas para o fato de uma mulher utilizar o véu em público não causa problemas. Esse é o passo seguinte. Em primeiro, temos de tornar claro: em uma sociedade que recomenda a educação e capacidade econômica, véus não deveriam ser um problema.

swissinfo.ch.: Nos últimos anos a mídia teve um papel ativo na estigmatização da comunidade muçulmana. Como o governo pode ajudar para mudar essa situação?

A.H-A-J.: A liberdade de imprensa é um dos pilares de uma democracia. Obviamente o governo é bastante limitado em como pode ter influência sobre os meios de comunicação e fazer pressão pelo seu conteúdo. Mas o que podemos fazer, e temos disposição de fazê-lo, é tentar conscientizar os jornalistas. Um projeto nacional de pesquisa mostrou que falta conhecimento sobre religião, e especificadamente sobre o Islã, entre os jornalistas. Assim, medidas precisam ser tomadas na questão da educação dos jornalistas e como eles tratam as questões relativas ao Islã.

Mas como muçulmanos, temos atualmente de interagir muito mais com a mídia do que já o fizemos. Temos de tomar a iniciativa de declarar e definir os problemas reais.

swissinfo.ch.: Finalmente, a senhora está otimista em relação a esse diálogo?

A.H-A-J.: Estou absolutamente otimista, pois vejo que há uma ampla compreensão mútua entre muçulmanos que participam desse diálogo. E ele também torna bastante claro quais são nossas prioridades…

O censo 2000 indicou que 

310.807 muçulmanos viviam na Suíça. Em 1970 eram cerca de 16 mil, 57 mil em 1980 e 152 mil em 1990.

Em 1990, 2,2% da população suíça era de confissão muçulmana. Em 2000, a proporção subiu para 4,3%, com as guerras na antiga Iugoslávia e a chegada à Suíça de numerosos refugiados dos Bálcãs.

90% dos muçulmanos da Suíça provêm da Turquia e dos Bálcãs. Os de origem árabe são 6% e vêm de vários países. Aproximadamente 10% deles têm passaporte suíço.

Essa população é jovem e majoritariamente urbana.

Apenas uma pequena minoria pode ser considerada estritamente praticante.

Nasceu em Berna em 1971 de um pai iraquiano e mãe alemã.

Estudou ciências islâmicas, filologia do Oriente Médio e ciências da mídia na Universidade de Berna.

Desde 1996 trabalha como comentarista independente para assuntos ligados ao Islã e o diálogo inter-religioso.

Adaptaçao: Alexander Thoele

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