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Repressão do governo de El Salvador força ONG de direitos humanos ao exílio

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A ONG Cristosal, que investiga casos de corrupção e denuncia violações de direitos humanos em El Salvador, anunciou nesta quinta-feira (17) que foi forçada a partir para o exílio diante da “escalada repressiva” do governo de Nayib Bukele contra ativistas humanitários.

Cristosal, forte crítica à política de segurança de Bukele, denunciou ter sido vítima de “assédio”, “espionagem” e “difamação” do que classifica como uma “ditadura” instalada em El Salvador.

A ONG também presta assistência aos familiares dos 252 venezuelanos deportados pelos Estados Unidos em março e encarcerados em uma mega prisão para membros de gangues em El Salvador, o que qualificou como um “desaparecimento forçado”.

“Diante da crescente repressão e do fechamento dos espaços democráticos em El Salvador”, e “frente a um aparato repressivo que atua sem limites (…), nos vemos obrigados a escolher entre a prisão ou o exílio”, disse na capital guatemalteca o diretor da organização, Noah Bullock.

A ONG, criada por bispos anglicanos há 25 anos, assegurou que continuará trabalhando a partir de seus escritórios na Guatemala e em Honduras para garantir a segurança de sua equipe.

A Cristosal tomou essa decisão após a prisão, em 18 de maio, da advogada Ruth López, chefe de sua unidade anticorrupção e declarada “prisioneira de consciência” pela Anistia Internacional, que foi acusada de enriquecimento ilícito pela promotoria, alinhada ao governo.

Além disso, teve que encerrar suas operações em El Salvador após a entrada em vigor, em junho, de uma lei de “agentes estrangeiros”, semelhante às da Rússia e da Nicarágua, que exige que as ONGs paguem um imposto de 30% sobre os fundos que recebem. A Cristosal opera principalmente por meio de doações.

“É um instrumento de controle autoritário. Impõe sanções discricionárias, impostos punitivos e vigilância estatal para censurar e punir as organizações independentes”, afirmou a Cristosal.

Juanita Goebertus, diretora da Human Rights Watch (HRW) para as Américas, afirmou no X que a saída da Cristosal terá o “custo” de “menos justiça para as vítimas, menos supervisão dos abusos e menos espaços para a dissidência”.

– “A ditadura se instalou” –

A Cristosal, que contava com cerca de trinta ativistas em El Salvador, afirmou que esse país “deixou de ser um Estado de direito”.

“Quando exercer as liberdades ou simplesmente discordar do poder acarreta consequências, isso já são sinais claros de que a ditadura se instalou”, denunciou Bullock em uma coletiva de imprensa.

O ativista acrescentou que a “criminalização e o exílio de defensores de direitos humanos” é uma “violência política” para “submeter a sociedade” salvadorenha a um “regime de medo”.

Cerca de 40 comunicadores saíram para o exílio nos últimos meses, segundo a Associação de Jornalistas de El Salvador (Apes). Os mais destacados são os do jornal digital El Faro, que revelou um pacto entre Bukele e as gangues antes de o presidente declarar guerra a elas em 2022. Bukele nega veementemente essa versão.

O Escritório em Washington para a América Latina (Wola) expressou solidariedade aos ativistas e líderes civis que “enfrentam campanhas de assédio e difamação sob o governo de Bukele”.

O assédio ocorre de diferentes formas. No final de abril, policiais chegaram às instalações da Cristosal, a 10 km de San Salvador, e tiraram fotos dos veículos dos jornalistas pouco antes de uma coletiva de imprensa sobre a situação dos venezuelanos presos.

– Medo de ser preso –

Nos últimos meses, também foram presos em El Salvador outros críticos de Bukele, entre eles o advogado ambientalista Alejandro Henríquez, o constitucionalista Enrique Anaya e o líder comunitário José Ángel Pérez.

“O que está ocorrendo em El Salvador é devastador”, afirmou Kerry Kennedy, presidente da organização Robert F. Kennedy Human Rights.

Segundo uma pesquisa recente da Universidade Centro-Americana (UCA), administrada por jesuítas em El Salvador, seis em cada dez salvadorenhos têm medo de criticar o presidente ou seu governo, pois isso pode acarretar “consequências negativas”, como serem presos.

“Hoje em dia, a institucionalidade democrática em El Salvador desapareceu e está sob o controle do regime autoritário de Bukele”, acrescentou, na coletiva, Abraham Ábrego, diretor de litígios da Cristosal.

Bukele foi reeleito em fevereiro de 2024 graças à alta popularidade de sua “guerra” contra as gangues, que reduziu a violência criminal no país a níveis sem precedentes.

Mas essa ofensiva contra as gangues se baseia em um regime de exceção, vigente desde 2022, que é criticado por grupos de direitos humanos como a Cristosal, pois elimina normas do devido processo, permite detenções sem ordem judicial e restringe liberdades civis.

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