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“Mostramos ser possível fazer as Olimpíadas sem delírios e alucinações”

Para Eduardo Paes, o Rio de Janeiro foi escolhido para sediar as Olimpíadas devido aos seus problemas. Tânia Rêgo/Agência Brasil

Crise política e econômica no país, mortes em desabamento de ciclovia*, trânsito caótico, altos índices de criminalidade, poluição ambiental e epidemias de dengue e Zika: nenhum desses problemas irá afetar os Jogos Olímpicos, afirma Eduardo Paes. O prefeito da cidade do Rio de Janeiro considera que está tudo pronto e nem se incomoda se for vaiado no dia da abertura.

O ambiente de trabalho frenético na sede da prefeitura do Rio de Janeiro, um prédio de vários andares no centro da cidade, chamado pela população de “piranhão” por ter sido construído em uma antiga área de prostituição. Várias pessoas aguardam para falar com o prefeito Eduardo Paes na antessala. Administrar uma cidade de 6,5 milhões de habitantes e mais de 100 mil funcionários públicos não é fácil, lembra uma das suas assessoras. Ao receber o jornalista da swissinfo.ch, lembrou que gosta muito da Suíça, mas que não “troca o Rio por nada”.

swissinfo.ch: O Sr. assumiu a prefeitura em 1° de janeiro de 2009 e, em outubro, o Rio de Janeiro foi selecionado para receber as Olimpíadas. Como sentiu?

Eduardo Paes: As Olimpíadas sempre significaram para nós uma oportunidade de transformar a cidade. Esse não foi um projeto só do meu governo, pois já estava em andamento há algum tempo. O Rio até chegou a perder três disputas. Antes de ser prefeito, fui secretário de Esportes (de 2006 a 2009, no governo estadual de Sérgio Cabral). Portanto, participei da candidatura. Depois como prefeito participei do momento mais decisivo da candidatura, que foi o último ano. E vencemos. Desde aquele momento sabíamos que poderia acontecer muita coisa na cidade com inspiração olímpica.

swissinfo.ch: Quais foram as dificuldades iniciais?

E.P.: Não é uma tarefa simples fazer uma olimpíada. E a razão da nossa vitória, uma história curiosa, é que disputamos com três cidades com muito mais infraestrutura: Tóquio, Madrid e Chicago. Mas nosso grande ativo – o que nos levou a vencer a disputa – não foram nossas qualidades, mas sim os problemas. Nós os utilizamos para dizer (n.r.: ao comitê de julgamento): se as Olimpíadas significam transformação, vocês não precisam ir à Tóquio, Madrid e Chicago, que já têm tudo; vem para o Rio, pois aqui temos muitos problemas. Não foi fácil. Mas agora posso dizer que temos um modelo inovador, no qual utilizamos muito capital privado e uma quantidade enorme de legado. Temos estádios muito simples.

swissinfo.ch: Jogos estavam orçados em R$ 28 bilhões, mas alcançaram a marca de R$ 40 bilhões – um aumento de 42%. Por que?

E.P.: É uma maldade falar isso. Em primeiro lugar, o custo das Olimpíadas não é de quarenta bilhões, mas sim algo em torno de 7 bilhões e quatrocentos milhões, ou seja, o equipamento olímpico, os estádios propriamente ditos. O que você tem nessa conta são 25 bilhões de legado, ou seja, as obras de infraestrutura para a cidade. Se aumentasse para cem bilhões era melhor ainda. Seria o sinal que teríamos feito mais coisas. Tínhamos 17 projetos de legado na candidatura e estamos entregando 27, muito mais do que prometemos. E o resto é o comitê organizador, que é dinheiro totalmente privado. O custo das Olimpíadas é de 7,4 bilhões, sendo que dessa soma 60% vem do setor privado. É a primeira vez que você tem uma olimpíada que o parque olímpico é uma Parceria Público-Privada (PPP): a vila dos atletas, por exemplo, é totalmente privada, assim como o campo de golfe. Nós gastamos muito menos do que falamos na campanha e entregamos muito mais.

* Acidente com vítimas em ciclova

A entrevista da swissinfo.ch com o prefeito do Rio de Janeiro foi realizada no dia 13 de abril, oito dias antes de ocorrer o acidente com a Ciclovia Tim Maia (21 de abril), quando um trecho de mais de 50 metros desabou por volta das 11h10m devido a uma onda, deixando pelo menos dois mortos.

Segundo o blog do jornalista Roberto Maltchik, do jornal O Globo, Eduardo Paes não estava em Atenas para participar da cerimónia de acendimento da tocha olímpica, no dia do acidente, como havia sido anunciado oficialmente. Depois confirmado, o prefeito em Genebra a caminho de Lausanne, a cidade suíça onde fica a sede do COI. Em Lausanne, teria um encontro com o presidente do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach.

A reunião era de cortesia, mas foram tratados temas como a crise política no Brasil e seus impactos sobre os Jogos. Também foram discutidos temas relacionados à operação, como a confiabilidade do sistema de energia em preparação para os Jogos, que apresentou falhas durante o evento-teste de Natação, no Estádio Aquático, afirma o jornalista no seu blogLink externo.

swissinfo.ch: O Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a dizer em uma ocasião que eram “os piores preparativos” de uma cidade-sede da história. Isso procedia?

E.P.: Primeiro, essa não foi uma crítica do COI, mas sim o comentário de um membro do COI do comitê da Austrália. Ele devia estar mal-humorado nesse dia. Ele alegava isso devido às obras de Complexo Esportivo de Deodoro, que estão prontas desde novembro do ano passado. Mas é óbvio que o Brasil gera uma desconfiança. No momento em que ele declarou isso, o Brasil estava nas vésperas da Copa do Mundo, com os estádios atrasados e os preços lá em cima. Porem nós nos superamos e provamos ser capazes de fazer as coisas direito, no prazo e nos custos.

swissinfo.ch: A imprensa estrangeira dá destaque aos problemas ambientais da cidade, especialmente a poluição da Baia de Guanabara. Nenhum dos grandes projetos ambientais ligados à Olimpíada será concluído antes do início dos Jogos. Finalmente a prefeitura abandonou o projeto de recuperação de rios cariocas, o último projeto. O que aconteceu?

E.P.: O que nós não conseguimos fazer foi a despoluição da Baía de Guanabara no parâmetro definido, que era de 80% de esgoto tratado e nós tínhamos 15%. Porém chegamos a 60%, ou seja, é um grande avanço apesar de não ser total. Independente disso, você teve outros avanços. O Rio tinha um aterro de lixo às margens da Baía de Guanabara, o aterro de Gramacho. Era um compromisso olímpico que foi cumprindo em 2012, quatro anos antes das Olimpíadas. Quando você tem um investimento em transporte de massa, como estamos fazendo, com o objetivo de retirar uma grande quantidade de carros e ônibus das ruas, você tem um ganho ambiental. Se você tem um novo sistema de drenagem de toda a bacia da Tijuca e seus rios, em torno do Maracanã, são tratados, você também tem um ganho ambiental. Não ter conseguido despoluir 80% a Baía de Guanabara é ruim, mas não é uma tragédia.

swissinfo.ch: Porém uma agência internacional chegou a falar em níveis perigosamente altos de vírus e bactérias de esgoto humano na Baía de Guanabara, Lagoa Rodrigo de Freitas e até na Praia de Copacabana…

E.P.: Toda a cidade que se dispõe a organizar uma Olimpíada enfrenta esse tipo de coisa. Em Pequim, por exemplo, todo mundo ia morrer sufocado pelas nuvens de poluição. Em Londres as pessoas iriam morrer por ataques terroristas. Você sempre tem um destaque para esse tipo de coisa. De fato, temos um problema efetivo na Baía de Guanabara, que não é um problema para as Olimpíadas ou para os atletas, mas sim para a região metropolitana do Rio. Para as Olimpíadas e para os atletas, a área do ano em que ocorre o evento não terá esse problema na área da Baía de Guanabara. Isso é algo da imprensa. A AFP contrata um estudo de um biólogo qualquer e a OMS vem e diz que não, que é um erro. Entre a AFP e a OMS, fico com a OMS.

swissinfo.ch: Como impacto da Lava Jato influenciou as obras?

E.P.: Não atrapalhou. Apesar de você ter uma boa parte das empresas responsáveis pelas obras das Olimpíadas com problemas em outros setores, aqui no Rio não ocorreu isso, tanto que todas as obras estão ficando prontas. Isso mostra que aqui o processo se deu de uma forma distinta do que se deu em outras áreas, especialmente do governo federal. É mais uma superação em mostrar que as Olimpíadas estão sendo feitas de forma organizada, decente e honesta.

swissinfo.ch: Mas a Justiça do Rio determinou (12.04) a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os contratos das Olimpíadas. O Sr. teme essa CPI?

E.P.: Uma CPI é direito do Parlamento. Investigar nunca fez mal a ninguém. O problema é se encontrar alguma coisa. Mas tenho certeza que nada encontrarão.

swissinfo.ch: Quanto por centro das obras para as Olimpíadas já estão prontas?

E.P.: O COI acabou de dar uma entrevista e afirmou que 98% está pronto. Nós estamos agora nos últimos preparativos. E das obras de legado, uma boa parte está entregue e faltam só algumas coisas. Porém tudo será entregue em abril, maio ou, no mais tardar, em junho.

swissinfo.ch: Mas a Linha 4, o metro que deve ligar Ipanema com a Barra da Tijuca, onde estão a grande parte das instalações olímpicas, ainda está em obras…

E.P.: Só temos problemas nas duas coisas do estado do Rio de Janeiro: a Linha 4 e a Baía de Guanabara. Mas confio que ela também será entregue. Você tem de ver que é um desafio enorme para nós. A Linha 4 não era uma obra prometida na candidatura. Ela foi incluída depois. Você fazer um metrô desse tamanho, em uma área tão delicada da cidade e no prazo de seis anos, é uma super-vitória e mostra o que as Olimpíadas trazem para o Rio de Janeiro.

swissinfo.ch: As Olimpíadas têm esportes que podem ser considerados de elite. Em uma cidade com tantas carências, justifica o Rio de Janeiro construir mais campos de golfe?

E.P.: Para nós não foi só uma questão de trazer os jogos para cá, mas sim era a conquista e transformação da cidade. A nossa “Olimpíada” já está acontecendo há sete anos, à medida que você abre 150 quilômetros de BRT (n.r.: transporte articulado que trafega em corredor exclusivo) ou revitaliza a região portuária. Essa era a medalha de ouro que a cidade podia ganhar e o está ganhando. Não fizemos as Olimpíadas para ter um campo de golfe, algo exigido pelos organizadores.

swissinfo.ch: O Rio de Janeiro vive um surto do vírus Zika, mas também de dengue, chikungunya. Isso é ruim para a imagem da cidade?

E.P.: Isso é ruim, mas faz parte. O turista pode vir sem problemas. Se você conhecer alguma pessoa que tive zika, me apresente. O que existe é uma dramatização dos problemas. O Brasil enfrenta problemas com doenças como a dengue, que é muito mais grade do que zika, pois mata muito mais. Eu não acho ruim que esses problemas sejam destacados,

swissinfo.ch: Pesquisas de opinião (Hello Research, revista Exame) dizem que os brasileiros não estão se interessando pelas Olimpíadas. Ao mesmo tempo somente 50% dos ingressos foram vendidos? Por que?

E.P.: Pois você tem no Brasil um momento em que outras coisas chamam mais atenção. Assim as Olimpíadas ficam naquela logica do “no news is good news”. Como não tem notícia negativa, a cobertura da imprensa acaba ficando muito tímida nisso. Porém mais de 60% dos ingressos já foram vendidos e eu estou seguro que vai vender tudo. Só nas Paraolimpíadas é que as vendas estão mais devagar, mas isso é um processo de aprendizado. E tem uma coisa da cultura brasileira: o brasileiro deixa tudo para a última hora.

swissinfo.ch: No domingo passado (17.04), a Câmara dos Deputados votou a abertura de processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff. A crise política afeta as Olimpíadas?

E.P.: Zero! A prova é que está tudo pronto.

swissinfo.ch: Mas o senhor não teme que ocorram manifestações durante os Jogos Olímpicos? Vaias ao presidente nos estádios como durante a Copa?

E.P.: Não acho que haverá. Vaias também não são um problema. Quando o presidente Lula, em uma época que tinha 95% de aprovação, entrou no Maracanã para a abertura dos Jogos Pan-americanos, foi também vaiado. Eu já estou preparado para entrar no estádio com a minha bandeira e ser vaiado. Isso faz parte do jogo.

swissinfo.ch: O senhor não teme que manifestos, vaias e a apresentação de outros problemas internos não acabem mostrando as fraquezas do país em um momento em que está sob o foco da imprensa mundial?

E.P.: A gente não quer esconder o nosso país. Nunca nos vendemos como uma cidade e um país perfeito. Tenho muito orgulho do Rio e do Brasil. Estamos em um momento difícil politicamente e com a nossa economia, mas é um momento de transformação em que as instituições funcionam pela primeira vez. Você tem o cumprimento das leis se verificando no Brasil – as leis sempre só valeram para os mais pobres e nunca para os mais ricos. Isso são coisas positivas que a gente pode comunicar.

swissinfo.ch: ONG como a Amnesty International acusam o Sr. de ter removido milhares de famílias de pobres para construir a infraestrutura das Olimpíadas? É verdade?

E.P.: Nós tivemos um caso de remoção de família, que é a da Vila Autódromo ao lado do Parque Olímpico. Das 900 famílias que lá viviam, precisávamos remover 300 e, afinal, 880 quiseram sair. Isso ocorreu sem problemas, tanto que eles vieram protestar aqui na frente, dizendo que a “BBC de Londres não nos representa”. Têm petição deles aqui dizendo: essa ONG não nos representa, nem a Anistia Internacional ou a BBC de Londres. Esse foi um processo dramatizado e explorado politicamente.

swissinfo.ch: A criminalidade – arrastões, violência nas comunidades, etc. – é um problema. Como a prefeitura vai garantir a segurança dos participantes e turistas?

E.P.: Nós recebemos o ano todo turistas. O fato é que o Rio tem um problema de criminalidade, mas que durante os grandes eventos sempre mostrou conseguir reduzi-la quase a zero.

swissinfo.ch: E o risco de atentados durante os Jogos?

E.P.: Nós é que devemos ter medo de viajar à Europa. Eu teria medo hoje de ir à Paris ou Bruxelas. Temos aqui um plano, sim, de prevenção ao terrorismo.

swissinfo.ch: Grandes eventos tem uma má imagem. Eleitores em Hamburgo, Munique ou o cantão dos Grisões já vetaram as Olimpíadas nas urnas. Por que? Se o tema fosse votado hoje no Rio, passaria?

E.P.: Eu acho que sim. As pesquisas mostram mais de 70% de aprovação e isso vem desde o dia que ganhamos as Olimpíadas. Eu acho compreensível esse comportamento do eleitor europeu. Só para comparar: o estádio olímpico das Olimpíadas de Londres custou mais do que todos os nossos estádios juntos. É compreensível que as pessoas não gostem disso. Já que o Rio, mais uma vez, ajudou o movimento olímpico, pois está fazendo estádios simples, arenas temporárias que depois se transformam em outras coisas. Aqui não tem ninho do pássaro (n.r.: Estádio Nacional de Pequim). O nosso parque olímpico é bonito, legal, mas não tem luxos. Não chamamos arquitetos internacionais para fazer algo alucinado e até com dinheiro privado. Para você ter uma ideia, a prefeitura gastou em estádios, em sete anos de preparação, 650 milhões de reais; em saúde e educação, 65 bilhões de reais. Gastamos 1% em estádio do que foi feito em saúde e educação. Assim ajudamos o movimento olímpico: mostrando ser possível fazer as Olimpíadas sem delírios e alucinações.

Biografia

Eduardo da Costa Paes nasceu no Rio de Janeiro em 14 de novembro de 1969.

Estudou direito na PUC-RJ, mas não chegou a exercer a profissão.

No início dos anos 1990, iniciou-se na política ao aderir a chamada Juventude Cesar Maia. Aos 23 anos foi designado subprefeito da Barra da Tijuca e Jacarepaguá.

Em 1996, Eduardo Paes foi eleito vereador pelo Partido da Frente Liberal (PFL) com o maior número de votos da cidade. Em 1998, elegeu-se deputado federal. Em 2001, na segunda gestão de Cesar Maia como prefeito do Rio, foi escolhido para assumir a secretaria do Meio Ambiente, mas deixou o governo em 2002, após se eleger, pela segunda vez, deputado federal, trocando o extinto PFL pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Em outubro de 2007, a convite do governador Sérgio Cabral, deixa o PSDB e filia-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) para ser candidato a prefeito do Rio de Janeiro em 2008. Foi eleito prefeito no segundo turno, com 50,83% dos votos válidos, à frente de Fernando Gabeira, do Partido Verde. Em 2012, reelegeu-se no primeiro turno com 64% dos votos.

É casado e tem dois filhos.
 

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