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A Suíça e os pesticidas: Relação tóxica ou o mal necessário?

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Christian Beutler/Keystone

O povo suíço decidirá se quer uma proibição total dos pesticidas sintéticos. As alegações dos apoiadores e opositores da proibição são verdadeiras? Como os pesticidas realmente impactam a população? Veja os fatos.

No próximo dia 13 de junho, os cidadãos suíços votarão uma iniciativa que procura proibir o uso de pesticidas no país. Os apoiadores da iniciativa querem tornar ilegal o uso de herbicidas, inseticidas e fungicidas sintéticos no setor agrícola da Suíça, bem como o seu uso privado ou comercial. Também está nos seus objetivos proibir a importação de tais produtos.

O comitê antipesticida, sediado na parte francófona da Suíça, é formado por cientistas, juristas e agricultores sem vínculos diretos com nenhum grande partido político. No entanto, a iniciativa tem recebido algum apoio político, principalmente do Partido Verde, o qual argumenta que o país alpino não tem feito o suficiente para combater o uso de pesticidas. 

“Em uma comparação internacional, a Suíça está, na melhor das hipóteses, numa posição intermediária quando se trata da redução de pesticidas”, argumenta o partido em seu website.

Onde está a Suíça no ranking internacional?

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OECD

A Suíça realmente está atrasada em relação aos outros países quando se trata do uso de pesticidas? Alguns dados sobre as vendas de pesticidas podem dar uma indicação de como a Suíça está se saindo na limitação do uso dos agrotóxicos. O Partido Verde usa números compilados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por 37 países, para justificar sua alegação. Esses números indicam que a Suíça está, de fato, numa posição intermediária quando se trata de vendas de pesticidas por unidade de terra. 

No entanto, os números contemplam apenas o período de 2011 a 2015. Dados mais recentes (até 2018), compilados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), mostram que o uso de pesticidas na Suíça é de 4,9 quilos por hectare. Isso coloca o país no mesmo barco que a França e o Reino Unido (bem como o Turcomenistão, a Geórgia, a Argentina e a República Dominicana). Mais uma vez, o país não está nem entre as primeiras nem entre as últimas nações no que diz respeito ao uso de pesticidas.

Para avaliar a abordagem de um país em relação aos agrotóxicos, contudo, também é necessário analisar se o consumo aumentou ou diminuiu nos últimos anos. Uma comparação publicada pelo Eurostat (o Serviço de Estatística da União Europeia) mostra que as vendas de pesticidas na Suíça diminuíram entre 2011 e 2019, mas não tanto quanto em outros países europeus durante o mesmo período.   

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Quantidade vs qualidade

Para entender melhor o que está acontecendo, também convém observar mais atentamente os padrões de venda de diferentes tipos de pesticidas. As vendas de herbicidas diminuíram por seis anos consecutivos, com as vendas do controverso glifosato diminuindo 63% em dez anos. Os cinco pesticidas mais vendidos em 2019 foram enxofre (fungicida), óleo de parafina (inseticida), glifosato (herbicida), folpete (fungicida de viticultura) e Mancozebe (fungicida). Vale ressaltar que o enxofre e o óleo de parafina são permitidos na agricultura orgânica e também são utilizados na agricultura convencional.

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A Suíça pode ser “mediana com potencial para melhorias” em um contexto global, mas o que isso significa para sua população? Os perfis de toxicidade dos pesticidas pertencem a um amplo espectro e recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) os classificou quanto ao seu potencial de causar dano a seres humanos. Quando cruzamos a classificação de perigo da OMS com uma lista de 360 substâncias ativas aprovadas na Suíça, encontramos 170 elementos compatíveis. A análise revelou a presença de um pesticida que a OMS classifica como “extremamente perigoso”: o agente ativo bromadiolona, vendido na Suíça com o nome comercial Arvicolon 200 CT. Ele é usado em iscas para matar um roedor chamado “rato-dos-lameiros”, que é considerado uma praga na horticultura e viticultura. Quatro substâncias estão na categoria “altamente perigosas” (abamectina, metomil, teflutrina, zeta-cipermetrina), enquanto cerca de cem outras foram classificadas como “moderadamente perigosas” e “ligeiramente perigosas”.

A Suíça tem conseguido reduzir o uso de alguns tipos de pesticidas na agricultura doméstica, mas não tem lidado com a questão das importações, que se mostra importante, uma vez que a maioria das calorias vegetais dos moradores da suíça (60%) vem do exterior.

De acordo com uma investigação do grupo de ativistas Public Eye, “em 2017, mais de 10% dos alimentos importados testados pelas autoridades continham resíduos de pesticidas proibidos na Suíça por causa de seus efeitos nocivos à saúde ou ao meio ambiente”. Dados do Departamento Federal de Segurança Alimentar e Veterinária também mostraram que 52 pesticidas proibidos foram encontrados nos testes realizados naquele ano. Dessa forma, se as importações não forem levadas em consideração, o perigo para a saúde do consumidor provavelmente será subestimado.

Veredito: A alegação é majoritariamente verdadeira.

Baseando-se em dados comparativos internacionais, é possível afirmar que a Suíça está numa posição intermediária quando se trata da venda de agrotóxicos e da limitação de seu uso. No entanto, o país fez mais avanços na redução de alguns tipos de pesticida (como herbicidas) do que se é reconhecido. Os pesticidas aprovados para uso no país geralmente não são os mais tóxicos e mais de 40% dos produtos fitossanitários vendidos podem ser usados na agricultura orgânica.

Perigos ocultos

Um fator de risco raramente levado em consideração é a persistência de alguns pesticidas nos corpos de água, nas águas subterrâneas e no solo. Em um post de blog, Bernhard Wehrli, professor suíço de química aquática, menciona o herbicida atrazina, que há muito foi proibido na Suíça, mas que ainda pode ser detectado décadas depois. Ele também adverte contra os metabólitos dos pesticidas, que em alguns casos são mais solúveis em água e têm uma vida mais longa do que os próprios agrotóxicos. Um desses agentes é o fungicida clorotalonil, que ainda está em uso na Suíça, mas cuja autorização não foi renovada na UE devido a seus efeitos potencialmente cancerígenos. Uma análise científica de 31 amostras de águas subterrâneas feita recentemente encontrou metabólitos de clorotalonil em todas elas e novos metabólitos em 20 das amostras. De acordo com os pesquisadores, mesmo com tecnologias mais avançadas de tratamento de água, como o carvão ativado e a ozonização, as propriedades desses metabólitos os tornam difíceis de filtrar ou diminuir.

Por fim, há um fator raramente discutido que influencia a quantidade de pesticidas usados em cada ano: o clima. Enquanto tecnologias como os robôs de controle de ervas daninhas reduziram a quantidade de herbicidas, a aplicação de outros pesticidas sintéticos, como fungicidas, muda de acordo com as condições climáticas. Eva Reinhard, chefe do órgão suíço de pesquisa Agroscope, afirma que isso ocorre porque nos anos quentes e úmidos os fungos e bactérias se multiplicam exponencialmente, resultando num maior uso de fungicidas. Usando a praga da batata como exemplo, Reinhard afirma que se está trabalhando para desenvolver variedades resistentes – mas que isso depende da aceitação pública de alimentos geneticamente modificados.

“[Batatas geneticamente modificadas] são resistentes ao patógeno da praga e não precisam ser pulverizadas”, afirma. “Estamos diante de objetivos conflitantes: os consumidores querem produtos sem pesticidas, mas ainda não estão preparados para aceitar plantas geneticamente modificadas”.

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Adaptação: Clarice Dominguez

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