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Ajuda humanitária na visão dos escritores suíços

Foto em preto e branco de uma mulher
A escritora Fanny Wobmann. © Nathalie Ljuslin

Filha de um ex-funcionário da Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação (SDC), a romancista Fanny Wobmann, de Neuchâtel, lança um olhar crítico sobre a ajuda humanitária oferecida às populações africanas. Seu livro faz parte de uma abordagem iniciada por outros escritores suíços.

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Uma floresta. Fanny Wobmann a herdou em um dia de inverno. Seis hectares, que partilha com as suas duas irmãs, situados abaixo de La Chaux-de-Fonds, onde ela nasceu há 40 anos. “Eu era, portanto, coproprietária de um pedaço da natureza. Era impressionante, belo e perturbador”, escreve ela na primeira página de sua história intitulada “Les arbres quand ils tombent “As árvores quando caemLink externo“. Editora Quidam, Paris). Seu pai, um lenhador, havia comprado essa floresta, que ele legou às filhas. Um presente precioso para Fanny, que confessa um profundo amor pela natureza.

Capa do livro
Capa do livro “Les arbres quand ils tombent”, da escritora Fanny Wobmann.

Na floresta herdada, onde ela sai para passear, descobre de repente a noção de “fronteiras”, as de um território que agora lhe pertence. A partir daí, sua história se bifurca, deixando La Chaux-de-Fonds para trás. Então, aqui estamos no continente africano: Senegal, Ruanda, Madagascar, com viagens de ida e volta entre tais países e a Suíça. As fronteiras se expandiam ao sabor da cobiça. A Europa tinha suas colônias na África; a Suíça tem lá sua ajuda humanitária, generosa, às vezes calculada, às vezes mal direcionada. Uma contradição que os autores suíços Lukas Bärfuss, Anne-Sophie Subilia e agora Fanny Wobmann evocam em seus livros.

Elã altruísta

Romancista, dramaturga e atriz, Fanny Wobmann escreve peças e romances, incluindo “Nua em um copo d’água”, traduzido para o alemão e o russo e publicado em 2017 pela editora francesa Flammarion. Agraciada várias vezes com bolsas de estudo, ela estará em residência na Fundação Michalski (cantão de Vaud) em junho para escrever seu próximo livro. O tema: figuras maternas.

“Acabaram de me anunciar que sou a vencedora de um prêmio da livraria suíça Payot, 2024, por Les arbres quand ils tombent”, diz ela com orgulho. Com um mestrado em sociologia pela Universidade de Neuchâtel, Fanny Wobmann se interessa por feminismo, igualdade de oportunidades, integração e, sobretudo, pela questão racial. E por um bom motivo: quatro anos de permanência no continente africano a conscientizaram do mal que a “dominação branca” pode causar.

De seus pais, ela herdou não apenas uma floresta, mas também um grande elã altruísta que, segundo ela, a levou ao “respeito pelas pessoas, à humildade também, do tipo que ensina a não ocupar muito espaço”. Um dia, seu pai, que havia se formado na Escola Intercantonal de Guardas Florestais de Lyss (cantão de Berna), deparou-se com um anúncio da SDC (Agência Suíça para Desenvolvimento e Cooperação, um órgão ligado às Relações Exteriores) oferecendo um emprego no Senegal. Ele aceitou, e foi contratado.

Negros e brancos: relações severamente hierarquizadas

Lá está ele com sua esposa no Senegal, onde ensina os ofícios da floresta. Muito rapidamente, ele se vê confrontado com os problemas que surgem da relação extremamente hierarquizada entre negros e brancos; também com os estereótipos de ação humanitária que colocam a Suíça no Olimpo da perfeição, apesar de algumas falhas. Mais tarde, ele trabalhará (novamente para a SDC) em Ruanda e em Madagascar, esta outra parte da África onde Fanny Wobmann viveu como criança e adolescente.

Pessoas no mato
Memórias da infância africana de Fanny Wobmann.

Quando seus pais se instalaram no Senegal, ela ainda não havia nascido. São, portanto, os testemunhos deles que ela relata em seu livro, que é uma mistura de diário íntimo e pesquisa. Ela conta como, assim que chegaram, seus pais receberam a visita de um assistente suíço encarregado de acolhê-los. Seus comentários são chocantes. O homem expressa “com autoconfiança e um sorrisinho cúmplice a dificuldade – mas também a grande utilidade – do trabalho da SDC, diante da incompetência e estupidez do sistema político senegalês”.

Uma ajuda mal orientada

Para saber mais sobre as missões da SDC, a escritora de Neuchâtel irá, anos depois, visitar uma amiga suíça de seus pais, que conhece a África. “Como nós, ela viveu em Madagascar, mas tinha uma visão mais politizada sobre a situação naquele país”, nos confidencia Fanny Wobmann. “Foi ela quem me disse muito claramente que as populações locais não queriam ajuda humanitária porque ela não era adaptada às suas necessidades. No final das contas, essa ajuda beneficiava o Estado malgaxe, isentando-o de qualquer responsabilidade para com seus cidadãos”.

Mesmo eco em outra escritora romanda, Anne-Sophie Subilia, que em seu livro “A Esposa”, publicado em 2022, conta o cotidiano de um delegado do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha) e de sua esposa na cidade de Gaza, controlada por Israel. O ano é 1974. Surge então a pergunta, ainda bastante pertinente: para que serve a ajuda humanitária proposta a populações ameaçadas por conflitos armados ou pela fome?

A resposta, um tanto desanimadora, Anne-Sophie Subilia coloca na boca de uma mulher palestina que, falando de seus compatriotas presos nas prisões do Estado hebreu, diz à delegada do CICV: “Vocês são úteis aos israelenses, tudo o que fazem pelos detidos deles é o mínimo que eles precisam fazer”.

As aberrações na maneira como o sistema humanitário funciona, Lukas Bärfuss, escritor da Suíça de língua alemã, apontou, por sua vez, em “Cem dias, cem noites”. Uma obra publicada há quinze anos cuja ação se passa em Ruanda, no auge do genocídio em 1994. A ajuda humanitária então prestada a este país pela SDC também é questionada.

Uma salvaguarda, no entanto

Entrevistado sobre o assunto pela swissinfo.ch, Lukas Bärfuss nos confidenciava em 2009: “Eu me pergunto como uma democracia como a nossa pôde aceitar instalar no coração de uma ditadura um escritório de cooperação. Pensar que nessas condições se pode permanecer apolítico é falso. Nossa ajuda foi para uma minoria, para as pessoas no poder (é claro!), ou seja, para aqueles que posteriormente perpetraram o genocídio. Os mais pobres, aqueles que realmente precisavam de nós, não se beneficiaram de nosso apoio”.

Assim como Anne-Sophie Subilia e Lukas Bärfuss, Fanny Wobmann sabe que a ação humanitária sofre de algumas lacunas. No entanto, ela afirma: “A ajuda às populações continua sendo uma salvaguarda, impedindo os mais necessitados de cair no desespero”.

Edição: Samuel Jaberg/op

Adaptação: Karleno Bocarro

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