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Quando a democracia chegará na Rússia?

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A intimidação da população russa é bem sucedida porque não há alternativas políticas para o sistema Putin. Keystone / Ivan Sekretarev

A guerra contra a Ucrânia entrou em uma nova fase. O caminho que Kiev seguirá é rumo a Europa, ao Ocidente e à democracia. Mas o que vai acontecer com a Rússia? Será que ela ainda tem uma chance de desenvolvimento democrático? Ou continuará a se transformar em uma ditadura cada vez mais rígida?

A presidência de Dmitry Medvedev (7 de maio de 2008 – 7 de maio de 2012) foi vista por muitos, em parte ingenuamente, como o início de uma nova fase de democratização controlada do país – inclusive na Suíça. O lema de Medvedev “Liberdade é melhor do que a falta de liberdade” foi levado a sério como o programa de desenvolvimento do país para a próxima década. No entanto, no mais tardar com os protestos na Praça Bolotnaya em Moscou, em 6 de maio de 2012, ficou claro que estas esperanças não seriam cumpridas.

Seguiu-se uma série de etapas de autocratização: A emenda constitucional – no verão de 2020 – com o objetivo de prorrogar o mandato do presidente Putin, a tentativa de assassinato de Alexei Navalny, a consequente destruição dos remanescentes do governo autônomo local, uma padronização total da mídia – que culminou com a liquidação do canal de televisão “Rain TV” e da estação de rádio “Ekho Moskvy” -, as repressões até mesmo contra os chamados liberais do sistema no governo e, finalmente, a agressão contra a Ucrânia. Em retrospectiva, tudo isso não parece uma série de eventos aleatórios, mas sim uma preparação deliberada do regime de Putin para a guerra que agora se está travando.

Sociedade sitiada

“O Kremlin conseguiu colocar a sociedade russa em estado de dormência mental”, diz Ulrich Schmid, linguista eslavo suíço, crítico literário e professor universitário. “Três em cada quatro russos acreditam que a OTAN é uma organização hostil”, continua ele. “O desafio russo à hegemonia americana também encontra ampla aprovação. A intimidação do povo russo é bem-sucedida, porque não há alternativas políticas para o sistema Putin. Dos dois únicos dois políticos que poderiam mobilizar a população, um está morto, – veja Nemzow – o outro na prisão – veja Navalny.”

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A carreira acadêmica de Ulrich Schmid começou na Universidade da Basiléia, como professor de estudos literários eslavos. De 2003 a 2005 foi professor financiado pela SNF (Fundo Nacional Suíço destinado a pesquisas científicas) no Instituto de Línguas e Literaturas Eslavas da Universidade de Berna, e desde fevereiro de 2020 é pró-reitor de relações externas na Universidade de St. Gallen.

Segundo Schmid, pensamentos imperiais desempenham um grande papel na Rússia. “Infelizmente, a ideia imperial sempre teve o papel de um trunfo na Rússia, o que supera todas as outras cartas.” Assim, ainda hoje alguns oposicionistas liberais hesitam quando se trata de dizer adeus aos sonhos de grande poder, que são tão destrutivos para o país e para o mundo. Para ele, apenas um fortalecimento do federalismo russo poderia ser uma maneira de amortecer um pouco esse entusiasmo imperial.

“Pluralismo impressionante”

Na vizinha Ucrânia – que por violação do direito internacional foi atacada pela Rússia de Putin em 24 de fevereiro – a evolução após o colapso da União Soviética foi mais positiva. “Uma razão para isto é que na virada do milênio não havia nenhum homem forte do serviço secreto que pudesse explorar as fraquezas do sistema político para sua própria base de poder”, diz Benjamin Schenk, professor de História da Europa Oriental e de História Geral Moderna no Departamento de História da Universidade da Basiléia. “É por isso que o poder de mídia dos oligarcas concorrentes nunca foi esmagado na Ucrânia, o que assegurou um pluralismo impressionante de opiniões diferentes na televisão ucraniana, até muito recentemente.”

A sociedade civil ucraniana também foi capaz de se desenvolver livremente nos últimos 20 anos – em contraste com a Rússia sob Putin. O contato intensivo com pessoas da Europa Central e Ocidental também teve um efeito positivo no país nos últimos anos: em parte devido ao regime de isenção de vistos na União Europeia desde 2017. Além disso, muitos ucranianos alimentaram a esperança de participar do projeto de paz “União Europeia” de uma forma ou de outra, num futuro próximo.

Num vácuo

Em relação à Rússia atual, Benjamin Schenk aponta que as pessoas nas zonas de ocupação ocidental da Alemanha do pós-guerra foram literalmente instruídas pelos aliados para a democracia – ao contrário da Rússia pós União Soviética. Com o Plano Marshall, a reconstrução e a fundação de uma união econômica europeia, lançaram-se os as bases para o milagre econômico na Alemanha, no início da República Federal. Na Rússia, no entanto, não existiram programas deste tipo após 1991. De acordo com Schenk, este foi mais um dos motivos pelos quais a democracia não teve uma posição comparável na Rússia.

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Ulrich Schmid concorda com este ponto de vista – e vê oportunidades correspondentes no futuro. “Após a II Guerra Mundial, os alemães foram forçados a se vincular ao projeto ocidental de direitos humanos, democracia e tolerância”, diz ele. “Esta abordagem só foi possível porque o país se rendeu, e foi ocupado por potências ocidentais. Não há dúvida de que a Rússia também deve assumir a responsabilidade por seus crimes de guerra. Mas tal reavaliação do passado só será possível após o fim da era Putin”.

Assim, os dois vizinhos desiguais – Rússia e Ucrânia – enfrentam agora pontos de partida muito diferentes, com vistas a um período pós-guerra no futuro: enquanto na Ucrânia a luta defensiva e a solidariedade internacional fortaleceram o apoio aos valores de uma sociedade livre e democrática, a maioria dos russos que se aqueceram com tais desenvolvimentos antes da guerra deixaram o país.

Então, o que a Rússia precisa no futuro para uma mudança democrática? Ulrich Schmid faz uma lista: “Uma imprensa livre, que denuncia os abusos, um judiciário independente, que estabelece a segurança jurídica. E precisa de uma sociedade civil vigilante, que não se deixe adormecer pela propaganda.”

Falhas do Ocidente

Benjamin Schenk, por sua vez, denuncia os fracassos do Ocidente. “O Ocidente poderia e deveria ter apoiado muito mais a democratização do país, seja com uma ajuda econômica abrangente, seja com programas de intercâmbio para alunos e estudantes, com uma rede de parcerias entre cidades ou com a abolição da obrigatoriedade de visto para os viajantes.”  Ele também diz que o Ocidente “não deveria ter apoiado ativamente a nova elite econômica russa na pilhagem do país por interesse próprio.”

“As especialistas e os especialistas da sociedade civil russa sabem melhor do que eu, quais são as medidas necessárias na Rússia”, diz Schenk. “Eles não precisam de nenhum conselho de minha parte.”

Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos

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