As duas faces da polarização – de olho na Europa Oriental
A polarização em países do Leste Europeu muitas vezes tem mais a ver com conexões criminosas de um dos campos políticos do que com conteúdos ideológicos. A conscientização disso também é importante para promotores internacionais da democracia.
Um fantasma ronda a Europa: o fantasma da polarização. A hostilidade permanente e a falta de confiança política minam a capacidade de consenso da política e, em última instância, colocam em risco o funcionamento da democracia.
Mas por trás da polarização na Europa Ocidental e Oriental não estão os mesmos fenômenos. Em alguns lugares trata-se de conteúdos políticos, em outros de corrupção e do enfraquecimento da democracia e do Estado de direito.
Se, porém, os promotores internacionais da democracia não distinguirem as duas patologias da democracia, correm o risco de aplicar o remédio errado.
A polarização na Alemanha, França ou Polônia
A polarização convencional manifesta-se atualmente nas grandes democracias da Europa: Alemanha, França ou Polônia. Torna-se cada vez mais difícil formar maiorias e, dependendo da configuração política – como no caso atual da Polônia, com um presidente conservador e um primeiro-ministro liberal – a busca por consenso torna-se um desafio.
No curso da polarização, de repente torna-se aceitável violar normas democráticas, pois em países polarizados cada vez mais cidadãos passam a questionar a legitimidade do outro campo político.
Criminalidade como núcleo de outra polarização
Hostilidades e violações das normas democráticas são abundantes em outra série de países do Leste Europeu, como Bulgária, Geórgia, Moldávia, Montenegro, Sérvia, Eslováquia ou Hungria – todos países com grandes problemas de corrupção.
Talvez o termo “corrupção” banalize o problema, pois não se trata de corrupção cotidiana – como subornos a policiais de trânsito – mas sim de relações estreitas entre setores da política e o crime organizado, bem como do desvio de fundos públicos em grande escala. Esse é o núcleo dessa polarização.
Naturalmente, em tais países, outras políticas e políticos e a sociedade civil se insurgem contra essa situação.
Dez meses de protestos na Sérvia
Há dez meses, estudantes sérvios protestam pelo Estado de direito e contra uma política em que o partido governista utiliza o Estado para fins próprios. Projetos de infraestrutura são superfaturados para empresas ligadas ao governo e depois mal executados. O desabamento da cobertura da estação ferroviária em Novi Sad custou 16 vidas; segundo a acusação, mais de 100 milhões de euros foram desviados.
Nenhum tema divide tanto partidos de governo e oposição quanto a questão do Estado de direito. Por trás de algumas construtoras que cresceram graças a contratos públicos, há figuras que supostamente jogam em dois campos: o da política e o do crime organizado.
Trata-se aí de tráfico de drogas, exportação ilegal de armas, o assassinato de um político opositor e um atentado contra a polícia kosovar, ambos no norte do Kosovo. Talvez as ligações sejam ainda mais estreitas: recentemente, surgiram fotos do filho do presidente Aleksandar Vučić com membros do crime organizado. Vazamentos de conversas em aplicativos apontam para o envolvimento do presidente e de seu irmão com a máfia.
Como a atuação criminosa repercute na Moldávia e na Geórgia
O comportamento criminoso de políticos com “empresários” – como são conhecidos – pode levar economias inteiras à beira da ruína. A Moldávia até hoje mal se recuperou do escândalo bancário de 2014. Na época, os três maiores bancos desviaram, por meio de transações fraudulentas, 12% do produto nacional bruto.
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Os oligarcas por trás do escândalo bancário são hoje os adversários políticos da presidente reformista Maia Sandu.
Na Geórgia, o oligarca Bidzina Ivanishvili fundou e financiou o atual partido governista Sonho Georgiano e, assim, controla de fato sozinho o governo, sob o qual o país torna-se cada vez mais autoritário. Esses conflitos têm muitos pontos em comum com a polarização, pois inevitavelmente conduzem à perda de confiança mútua, na qual o adversário político deixa de ser visto como legítimo.
Mas aí se esgotam as semelhanças com a polarização ideológica. Quando na Moldávia partidos são proibidos, o cerne não são suas posições de conteúdo – ainda que os atores afetados gostem de se apresentar como vítimas de censura.
Atentados políticos na Eslováquia
Os conflitos muitas vezes deixam o parlamento e vão parar nos tribunais ou nas ruas. Na Eslováquia, a demonização de adversárias e adversários políticos e de jornalistas críticos culminou, em 2018, com o assassinato do renomado repórter investigativo Ján Kuciak e de sua noiva Martina Kušnírová. Seis anos depois, o primeiro-ministro de esquerda autoritária Robert Fico foi vítima de um atentado.
O termo “polarização” soa como um conflito simétrico, mas em todos os países aqui discutidos as ameaças e a violência políticas provêm predominantemente de um lado. Os dois atentados na Eslováquia mostraram isso de forma exemplar: o agressor de Fico foi aparentemente um indivíduo politicamente motivado, mas confuso, enquanto os vínculos por trás do assassinato do jornalista e sua noiva conduzem ao meio empresarial. Segundo a imprensa eslovaca, há indícios de ligações com a política, chegando até o antigo e o novo premier Fico.
Quem, em analogia a sistemas partidários ideologicamente polarizados, reclama da falta de diálogo e de disposição para compromissos, talvez banalize o problema ou até desrespeite as vítimas.
Ideologia é uma questão secundária
A ideologia funciona, quando muito, como subproduto. O político bósnio-sérvio Milorad Dodik aposta no nacionalismo sérvio para desviar a atenção de seus abusos de poderLink externo. Na Hungria, o partido Fidesz de Viktor Orbán promove campanhas contra George Soros ou contra direitos LGBT, com o objetivo de dividir a oposição e de desviar a atenção da má situação econômica e da corrupção. O ex-dirigente montenegrino Milo Đukanović e seus Socialistas Democráticos (DPS) sustentaram 30 anos de domínio absoluto com clientelismo, compra de votos e o tema da independência nacional. Đukanović rotulava todos os demais partidos como pró-sérvios ou colaboradores de pró-sérvios – em outras palavras, traidores da independência. Assim garantia sua sobrevivência eleitoral, enquanto na prática estava envolvido em negócios mafiosos.
Mas algo une Orbán, Dodik e Đukanović: todos, ao longo da carreira política, fizeram marcantes mudanças ideológicas. Talvez, portanto, sua ideologia seja, antes de tudo, um cálculo estratégico.
Ao partido governista da Sérvia ainda pesa o passado das guerras da Iugoslávia. Hoje, porém, ele vive de promessas de crescimento quase desprovidas de ideologia, de um quase monopólio sobre a televisão pública e de clientelismo, que também garante fidelidade eleitoral. A recorrência ao nacionalismo ocorre apenas esporadicamente, para atravessar crises.
Na Geórgia, o partido governista reivindicou nas eleições de 2024 o mérito de ter obtido o status de candidato à União Europeia. Assim, apropriou-se da principal reivindicação da oposição e tentou evitar distinções programáticas. Mas foi um truque: o abuso de poder já era, antes das eleições, o verdadeiro obstáculo às negociações com a UE. Depois da vitória, o governo fechou a porta para a adesão à EU.
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O que isso significa para atores internacionais no Leste Europeu
A história política de pequenos países da Europa Ocidental baseia-se em uma fórmula testada contra a polarização. Ela se chama: despolarização por meio de inclusão e compromissos. A “fórmula mágica” suíça ainda hoje testemunha isso. Embora altamente contestada na própria Europa Ocidental, como na França ou na Alemanha, atores internacionais no Leste Europeu muitas vezes buscam diálogo e compromisso.
Mas, diante do segundo rosto da polarização, o convite ao diálogo coloca a oposição e a sociedade civil em um dilema. É verdade que, mesmo em países marcados pela corrupção e estruturas mafiosas, diálogos e pactos podem às vezes conduzir à redemocratização e ao fortalecimento do Estado de direito, como aconteceu na Macedônia do Norte: ali, corrupção e um escândalo de escutas em 2015 geraram protestos, que levaram a um acordo entre governo e oposição para a criação de uma promotoria especial, novas eleições e, depois, a mudança de governo.
Mas isso depende de que o partido governista – ou ao menos parte dele – esteja disposto a reformas reais e à renúncia ao poder. Diálogo e compromissos não devem ser prescritos como receita universal.
Quem negocia com o crime organizado corre o risco de ficar com sangue nas mãos.
Se a comunidade internacional pressiona a oposição e a sociedade civil a dialogar, corre o risco de apenas descredibilizá-las. Na Macedônia do Norte, o diálogo em 2015 deu frutos porque a comunidade internacional pressionou o primeiro-ministro a renunciar e a aceitar um gabinete de transição e investigações criminais.
Edição: Benjamin von Wyl
Adaptação: Flávia C. Nepomuceno dos Santos
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