
Crescimento populacional torna África foco diplomático global

Até 2100, a África deve abrigar um terço da população mundial, ampliando sua relevância econômica e diplomática. De olho nesse cenário, a Suíça intensifica laços com a União Africana, mas enfrenta desafios de credibilidade e neutralidade em sua atuação no continente.
Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.
Dizem que a África é o futuro; e isso é verdade em particular porque, devido aos desenvolvimentos demográficos, o continente africano abrigará grande parte da população mundial no futuro. De acordo com as previsões, um terço da população mundial viverá no continente até 2100.
Isso tornou o continente um parceiro diplomático, econômico e geopolítico muito requisitado.
“A África…desempenhará um papel decisivo na definição dos desenvolvimentos globais nas próximas décadas.” Esta é a primeira frase da nova estratégia da Suíça para a ÁfricaLink externo. Cada vez mais países estão elaborando tais documentos estratégicos, um sinal de que estão intensificando seus esforços diplomáticos.
Só na última década, mais de 200 novas missões diplomáticas foram abertas no continente, um número particularmente grande de países do Sul Global que desejam aprofundar suas relações com a África.
Parte delas está localizada em Adis Abeba, capital da Etiópia, que também é a sede da União Africana (UA). A UA, da qual todos os Estados africanos são membros, representa o continente em nível multilateral e tem como objetivo a integração econômica e política, semelhante à UE na Europa, e tratar da paz e da segurança. É por isso que a UA está se tornando cada vez mais importante.

“A União Africana consolidou-se como o ator mais importante na promoção dos interesses africanos”, afirma Dêlidji Eric Degila, professor de Relações Internacionais no Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra. Embora enfrente inúmeros desafios a superar, da mesma maneira que a ONU ou a UE, por exemplo, ela se tornou indispensável desde sua fundação em 2002 como sucessora da Organização da Unidade Africana, afirma Degila. “Em 2023, a UA foi admitida no G20, sinalizando a sua crescente importância.”
Ueli Staeger, professor assistente de Relações Internacionais na Universidade de Amsterdã, tem uma opinião semelhante: “A UA tem estado ativamente envolvida no debate nas últimas duas décadas, concentrou poder diplomático e continua a ter um grande potencial, acompanhado de ambições correspondentes.”
Há, no entanto, muito espaço para melhorias: o continente é assolado por inúmeros conflitos que a UA não consegue conter, a integração regional progride lentamente, e a União está lutando com sua burocracia pesada e os seus déficits estruturais.

Um problema fundamental, concordam ambos os especialistas, é o financiamento. “Segundo meus cálculos, em alguns anos até 70% do orçamento da UA veio da União Europeia. Isso é um absurdo para uma organização comprometida com a descolonização completa da África”, diz Staeger. Muitos dos projetos da União dependem quase inteiramente de financiamento estrangeiro. E a sede simbólica da UA em Adis Abeba foi um presente da China. “Quem depende financeiramente de parceiros externos não tem autonomia. Portanto, é essencial que os Estados africanos mobilizem mais recursos financeiros para garantir o financiamento de sua própria organização continental”, diz Degila.
Suíça trabalha com a União Africana
Por meio de seu número relativamente grande de representações, a Suíça mantém boas conexões bilaterais com os Estados. E há muito tempo se esforça para manter boas relações com a UA e também é credenciada em várias suborganizações. “A Suíça está adotando uma abordagem inteligente, fornecendo um impulso importante com relativamente pouco esforço. Por exemplo, ela apoia o Processo de Oran, que aborda questões de segurança continental e o Conselho de Segurança”, diz Staeger.
Os esforços de países como a Suíça também têm razões sólidas. De acordo com projeções demográficas, a África também deverá ser um ator econômico fundamental: até 2100, espera-se que mais de 40% de todos os trabalhadores sejam africanos. Degila vê um grande potencial aqui, especialmente para a Europa: “A futura força de trabalho estará na África. Para a Europa, que enfrenta um declínio populacional de longo prazo, esta é uma oportunidade.”
No entanto, seria necessário que a Europa encarasse a migração transcontinental não apenas sob uma perspectiva de segurança: “Cerca de 85% da migração africana ocorre dentro do continente, o restante migra para o resto do mundo legalmente, frequentemente para estudos universitários, o que levanta a questão da fuga de cérebros. Rotas migratórias regulamentadas para a Europa, combinadas com autorizações de residência e trabalho, são mais eficazes a longo prazo. No entanto, isso também exige o abandono dos “bichos-papões políticos e midiáticos da suposta migração em massa” para a Europa.
Como um ator financeiro global, a Suíça também está se aproximando de instituições financeiras africanas. Por exemplo, ela está trabalhando para que o Afreximbank (Banco Africano de Exportação e Importação) abra um escritório europeu em Genebra. Essa instituição financeira multilateral é um desdobramento do Banco Africano de Desenvolvimento e visa aumentar a participação da África no comércio global. Tal escritório fortaleceria Genebra como um centro internacional e abriria para o mercado financeiro suíço canais diretos para a África.
O governo suíço também planeja contribuir financeiramente para o aumento do capital de garantia do Banco Africano de Desenvolvimento. O comunicado de imprensaLink externo a respeito enfatiza que a Suíça está, assim, enviando um sinal de solidariedade à África. No entanto, como um dos 28 Estados-membros não africanos, ela também está consolidando sua influência dentro do banco. Do ponto de vista da política diplomática suíça, isso é consistente com sua participação em importantes instituições financeiras internacionais.
Como a Suíça é vista?
Degila e Staeger concordam que a Suíça é popular como parceira entre instituições e autoridades africanas. Ela é vista como um país sem passado colonial, neutro e com uma agenda transparente.
No entanto, surgem questionamentos sobre sua neutralidade. Ambos os especialistas afirmam que existe uma opinião generalizada no continente de que a Suíça abandonou sua neutralidade. Isso se deve, em parte, à alegação russa de que a Suíça não é mais neutra devido à adoção de sanções europeias contra a Rússia. Na África, essa narrativa está ganhando ampla força por meio dos canais de propaganda russos. “Mas tem ainda mais a ver com a guerra em Gaza: o silêncio da Suíça neste conflito é percebido como hipócrita”, diz Staeger. Isso prejudica sua credibilidade, bem como a de todo o Ocidente, que é acusado de usar dois pesos e duas medidas.
A isso se soma uma compreensão diferente do que significa ser neutro. “Na África, a neutralidade é frequentemente equiparada ao não alinhamento, portanto, existem diferenças de opinião historicamente enraizadas”, diz Staeger. Enquanto o não alinhamento se baseia na equidistância de ambos os lados (aqui, a Rússia de um lado e “o Ocidente” do outro), a neutralidade suíça está sujeita a uma compreensão legalista na qual o respeito ao direito internacional é central. “A Suíça faria bem em continuar a realizar um trabalho educacional consistente nesse sentido”, diz Staeger.

Mostrar mais
Nosso boletim informativo sobre a política externa
Manter sua influência
Degila também aponta para a questão da credibilidade: “A Suíça está se tornando mais ‘pragmática’ em suas relações com Estados parceiros na África.” Como todas as regiões do mundo, o continente passou por uma onda de desdemocratização, retrocessos nos direitos humanos, no Estado de Direito e na governança. “Houve até mesmo uma série de golpes no continente.” No entanto, as críticas suíças foram pouco ouvidas”, diz Degila.
Como cientista político, ele compreende essa abordagem realista. A África agora tem mais opções entre seus parceiros e pode se afastar se houver muitas críticas. Mas, como cidadão do Benim, na África Ocidental, ele se preocupa quando a Suíça, que geralmente é vista como exemplar, não assume uma posição clara.
O capital diplomático e político se baseia fortemente na credibilidade. Se isso diminui, sua própria importância também diminui, diz Degila: “A Suíça precisa encontrar uma maneira de conciliar melhor seu pragmatismo diplomático com seus valores.”
Edição: Benjamin von Wyl
Adaptação: DvSperling
Mostrar mais

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.