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Rejeição conservadora quase derruba identidade digital suíça

Imagem simbólica mostrando um celular
A digitalização facial é pré-requisito para a identificação eletrônica. Keystone / Anthony Anex

A Suíça aprovou ontem a introdução da identidade eletrônica (e-ID), com 50,4% dos votos. O projeto do governo, reformulado após rejeição em 2021, promete segurança de dados e gestão pública, mas enfrenta resistência.

1) Os eleitores conservadores quase derrubaram o projeto da identidade eletrônica

O apertado “sim” ao projeto de identidade eletrônica foi o resultado de um efeito colateral. Foram os eleitores mobilizados pela outra questão de domingo – a abolição do valor locativo imputado – que influenciaram o resultado. A promessa de impostos mais baixos levou os eleitores dos cantões (estados) rurais conservadores às urnas. Essas regiões concentram muitos proprietários de imóveis que se beneficiariam diretamente da mudança no sistema.

Mas esses eleitores se comportam de maneira diferente da Suíça urbana e progressista. Eles são mais velhos e expressaram uma desconfiança mais acentuada: das autoridades, por um lado, mas também do aplicativo proposto pelo Estado para ser instalado em seus celulares. Assim, os eleitores motivados pela abolição do valor do aluguel acabaram rejeitando a identidade eletrônica.

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Por outro lado, faltou apoio ao projeto. A população urbana, potencialmente mais favorável, tinha poucos motivos para se deslocar até as urnas.

A utilidade prática da identidade eletrônica permaneceu difícil de identificar, mesmo para esse segmento da população, e ainda mais complicada de promover. O principal argumento segue sendo a ideia de conectar a Suíça a um futuro digital.

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2) Uma proposta cautelosa, tipicamente suíça, que venceu por pouco

Em 2021, os eleitores suíços haviam rejeitado a identidade eletrônica por 64%. Na época, o fato de a responsabilidade ser confiada a prestadores de serviços privados, somado às preocupações com a proteção de dados pessoais, levou ao “não”.

O governo voltou agora com uma proposta totalmente gerida pelo Estado, que incorpora o princípio da minimização de dados: os usuários compartilharão apenas as informações estritamente necessárias. Em termos práticos, uma pessoa poderá provar que é maior de idade para comprar vinho sem precisar revelar sua data de nascimento.

As autoridades também optaram por uma abordagem cautelosa: a identidade eletrônica será gratuita e servirá apenas para comprovar a identidade, como uma carteira de identidade física. Isso contrasta com os sistemas em vigor na maioria dos outros países, onde a identidade eletrônica geralmente oferece funcionalidades adicionais.

Embora essa restrição tipicamente suíça tenha, sem dúvida, tranquilizado parte do eleitorado, ainda há um ceticismo considerável em amplos setores da população. O governo, cujos argumentos tiveram pouco peso durante a campanha, agora terá de se esforçar em dobro para convencer os cidadãos da utilidade da identidade eletrônica.

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3) Os oponentes acertaram em cheio, apesar de estarem divididos

A campanha contra a identidade eletrônica não contou com uma frente unida. Raramente um comitê de referendo foi tão heterogêneo e dividido.

Entre os oponentes estava o Partido Pirata, que fez da “integridade digital” seu principal cavalo de batalha. No período que antecedeu a votação, um conflito interno dividiu o partido em dois campos, e essas disputas chamaram mais atenção da mídia do que o debate central.

Inicialmente, a direita conservadora também não conseguiu falar em uma só voz. A ala jovem do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) lançou o referendo, mas não conseguiu mobilizar seus representantes eleitos no parlamento, salvo alguns dissidentes na Câmara dos Deputados. Ainda assim, recolheu 55.638 assinaturas para viabilizar a votação.

O fato é que a ala jovem do SVP demonstrou estar mais em sintonia com os eleitores do partido do que seus parlamentares em Berna. Apenas na reunião de delegados em agosto o partido consolidou uma posição comum contra a identidade eletrônica.

Como único grande partido a favor do “não”, o SVP conseguiu mobilizar apoio muito além de sua base. Apesar da derrota, a alta proporção de votos negativos (49,6%) e o mapa do país mostrando a maioria dos cantões contrários ao projeto representam uma vitória simbólica para a direita conservadora.

4) Justificar a própria identidade a todo momento: um risco a evitar

No dia a dia, é raro que as pessoas precisem mostrar sua carteira de identidade na Suíça. O exemplo das verificações de idade na compra de bebidas alcoólicas foi repetido exaustivamente durante a campanha para justificar a introdução da identidade eletrônica. Na prática, essa situação ocorre raramente, pelo menos para pessoas com mais de vinte anos.

A carteira de identidade é mais usada em procedimentos administrativos ou em viagens ao exterior, situações que ocorrem no máximo algumas vezes por ano.

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Com a introdução da identidade eletrônica, porém, é provável que cresça a tentação de usá-la para outros fins. Bancos e outros agentes econômicos terão grande interesse em integrar essa identidade digital a seus serviços para reduzir riscos de fraude ou lavagem de dinheiro.

O uso generalizado da identidade eletrônica parece inevitável. As autoridades planejam investir 182 milhões de francos (US$ 230 milhões) no desenvolvimento da infraestrutura necessária para sua implementação.

Mas é preciso cautela: a exigência constante de comprovar a identidade pode enfraquecer ainda mais o vínculo de confiança – já abalado no domingo – entre os eleitores e o poder público. As autoridades terão de assegurar que a identidade eletrônica seja utilizada de forma proporcional, sob pena de estimular novos movimentos de contestação contra o Estado, como ocorreu durante a pandemia de Covid-19.

5) As autoridades terão de dialogar com os analfabetos digitais

A identidade eletrônica continuará sendo opcional. Essa foi uma promessa forte de seus defensores, que enfatizaram o ponto durante a campanha – embora a palavra “opcional” não conste da Lei. Entretanto, a experiência de outros países mostra que é difícil prescindir dela sem enfrentar procedimentos burocráticos mais complicados.

A identidade eletrônica pode muito bem se tornar o padrão mínimo, criando problemas para quem se recusar a usá-la ou tiver grandes dificuldades com tarefas digitais simples. Na Suíça, esse grupo representa quase um terço da população.

O corolário é o aumento da dependência em relação aos celulares, já centrais na vida privada e profissional. Esse desenvolvimento parece inevitável, mas deverá ser acompanhado de medidas de capacitação para evitar o agravamento da exclusão digital.

Edição: Alexander Thoele (n.r.: traduzido com ajuda do DeepL)

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