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Cinco anos depois, justiça ainda patina no caso de Gâmbia

Ousman Sonko in The Gambia
O ex-ministro do Interior da Gâmbia, Ousman Sonko, está em prisão preventiva na Suíça desde janeiro de 2017. A investigação ainda está em andamento, mas a ONG TRIAL International, que iniciou a queixa, espera uma acusação em 2022. FNI

Na Gâmbia, Ousman Sonko foi ministro no regime do ex-ditador Yahya Jammeh, entre 2006 a 2016. Na Suíça, ele é acusado de ser responsável por abusos generalizados cometidos por agentes e forças militares que estavam sob seu controle - incluindo a polícia, as prisões, a agência de inteligência nacional e o notório esquadrão de ataque conhecido por “Junglers”.

A Comissão da Verdade, Reconciliação e Reparação da Gâmbia (TRRC), em um relatório publicado em dezembroLink externo, aponta que Sonko deve ser processado. O documento assinala que ele foi um membro próximo do regimeLink externo de Jammeh, responsável por abusos generalizados contra civis, incluindo tortura, execuções extrajudiciais, execuções simuladas e violência sexual. Muitos desses crimes ocorreram em prisões e centros de detenção secretos, sob a autoridade de Sonko.

Detido na Suíça em janeiro de 2017, Sonko está preso desde então. Seu processo foi iniciado a partir de uma denúncia de tortura, feita pela ONG TRIAL International, sediada em Genebra. Depois, a acusação requalificou o caso para “crime contra a humanidade”.

Para o advogado de Sonko, mantê-lo em prisão preventiva na Suíça por cinco anos enquanto a Procuradoria-Geral da Suíça continua investigando o caso é violação de direitos.

“Posso entender que em um caso de jurisdição universal contra um ex-ministro de um terceiro país, possa ser considerado que possa haver risco de evasão ou interferência no processo. Mas isso não significa que você pode desconsiderar seus direitos”, disse o advogado de Sonko, Philippe Currat, ao Justice Info. “Ele está em prisão preventiva há cinco anos sem ser informado de nenhuma acusação precisa. Dizem que cometeu crime contra a humanidade, mas sem precisão nem individualização.”

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A acusação sai este ano?

O Gabinete do Procurador-Geral da Suíça (OAG) é lento e tem poucos recursos para lidar com casos de crimes internacionais. A TRIAL International criticou a morosidade do processoLink externo no passado, mas agora Philip Grant, diretor da ONG, acreditaLink externo que o caso Sonko esteja acelerando. Segundo ele, há razões para acreditar que uma possível acusação saia neste ano. Grant pontua que os investigadores suíços estiveram na Gâmbia várias vezes, cooperando com o governo e a TRRC. O diretor também explica que o caso tem ganhado mais atenção da sociedade a cada vez que os promotores procuram renovar a prisão preventiva de Sonko.

Desde 1º de janeiro de 2022, a Suíça tem um novo procurador-geral no cargo em 1º e espera-se que ele possa dar mais prioridade ao julgamento de crimes internacionais. “Eles não podem se arrastar por anos com esses casos que são tão importantes”, diz Grant. “Há muitas razões para melhorar a atuação em casos de crimes internacionais, mas isso dependerá da visão estratégica do novo procurador-geral.”

‘Novas provas’

Grant ressalta que a lei suíça permite períodos mais longos de prisão preventiva do que países como Alemanha e Estados Unidos, que também atuam em casos da Gâmbia sob o princípio da jurisdição universalLink externo. De acordo com a lei suíça, os suspeitos podem ficar em prisão preventiva por mais tempo e com mais frequência do que nos países vizinhos. A prisão preventiva de Sonko deve ser autorizada por um tribunal a cada três meses, e até agora o tribunal tem mantido a  aprovação. Em 1º de setembro de 2021, o Tribunal de Apelações do Tribunal Penal Federal da Suíça acatou novas provas no caso, aceitando o pedido dos promotores que pediam um prazo maior para concluir as investigações. Na ocasião, a acusação citou testemunhas gambianas trazidas a Berna ou entrevistadas na Gâmbia que falaram de Sonko como sendo próximo de Jammeh e que afirmaram que ele estava presente e ciente de vários abusos graves cometidos.

Sonko, se for finalmente levado a julgamento, será a segunda pessoa a ser julgada por um tribunal civil suíço por crimes internacionais. Ao contrário do caso do liberiano Alieu Kosiah, que em junho de 2021 foi condenado a 20 anos por crimes de guerraLink externo, os investigadores suíços do caso gambiano estiveram no país para reunir provas e entrevistar testemunhas. O Gabinete do Procurador-Geral confirmou em e-mail ao Justice Info que “uma delegação da OAG e da fedpol [Gabinete Federal de Polícia] deslocou-se várias vezes à Gâmbia no âmbito do processo para recolher provas em cooperação jurídica, inclusive para conduzir interrogatórios”.

Entrevistados pelos nossos correspondentes na Gâmbia, Ajie Adam Ceesay e Baffo Jeng, os advogados do Estado gambiano que facilitaram a visita dos procuradores suíços ao conselho do Ministro da Justiça da Gâmbia, confirmaram ao Justice Info que “arranjaram essas entrevistas” para os suíços. “Mas não participamos diretamente do processo. Eles fizeram algumas entrevistas em nossa sala de conferências”, disseram. As entrevistas ocorreram através de um link de vídeo, que também era acessado por Sonko e seus advogados.

Poucas informações vazaram sobre quais testemunhas ou possíveis locais que a equipe suíça teria visitado. No entanto, com base nos registros da Comissão da Verdade da Gâmbia, as testemunhas podem incluir Binta Jamba, que alegou ter sido estuprada por Ousman Sonko; Lalo Jaiteh, que alegou estar a par das circunstâncias em torno do assassinato de Almamo Manneh, um antigo aliado do ex-governante que teria sido assassinado por Sonko e outros por ordem de Jammeh; e testemunhas no caso de assassinatos de imigrantes da África Ocidental.

O relatório do TRRCLink externo apurou que o então ministro do Interior foi uma das pessoas que “planejou e organizou” o assassinato ilegal de Almamo Manneh, um membro da Guarda do Estado acusado de ser um golpista. O relatório também assinala que Sonko era um dos “facilitadores e cúmplices”Link externo na “prisão, desaparecimento forçado e execução extrajudicial na Gâmbia de mais de 67 migrantes econômicos desarmados da África Ocidental que o regime de Jammeh percebeu como mercenários”.

O relatório também descobriu que o ex-ministro do Interior foi implicado no assassinato ilegal de nove presos em agosto de 2012 e na tentativa de assassinato do advogado Ousman Sillah.

Violência sexual

Uma das grandes questões é se Sonko pode ser acusado na Suíça por estupro e/ou violência sexual. Grant diz que o TRRC, embora não seja um tribunal ou um escritório de promotores, confirmou em seu relatório que “muitos crimes sexuais foram cometidos pelo sistema do qual Sonko era uma figura principal”.

Decisões judiciais para renovar a prisão preventiva de Sonko, que incluem a coleta de provas pelo Gabinete do Procurador-Geral, sugerem que essa acusação já está no radar dos investigadores suíços. Se tais acusações fossem feitas, seria apenas por responsabilidade de comando, ou também estupro direto como alegado por Binta Jamba perante o TRRC?

De acordo com o relatório do TRRC, Jamba, que trabalhava como policial, declarou que Sonko a assediou sexualmente e a estuprou mais de 70 vezes após a morte de seu marido, Almamo Manneh, além de espancá-la e ameaçá-la com uma pistola. O relatório conclui que “perante o exposto, Ousman Sonko é responsável pelas várias violações e torturas contra Binta Jamba”.

Se Sonko for julgado na Suíça o será um caso emblemático. Considerando que o ex-presidente da Gâmbia Jammeh está exilado na Guiné Equatorial, sob a proteção de seu líder de longa data Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Sonko poderia se tornar a pessoa mais importante do regime de Jammeh levada à justiça. Pode ser importante para a justiça transicional na Gâmbia. Também pode ser importante para o compromisso da Suíça em processar crimes internacionais.

Este artigo foi publicado pela primeira vez porJusticeInfo.netLink externo.

Adaptação: Clarissa Levy
(Edição: Fernando Hirschy)

Adaptação: Clarissa Levy

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