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Votações de domingo expôem o fosso crescente entre governo e cidadãos suíços

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Os políticos parecem estar sem noção dos humores e desejos da população. Keystone / Peter Klaunzer

Os cidadãos suíços não apoiaram o ponto de vista dos políticos sobre três das quatro questões submetidas a uma votação nacional no domingo. A Covid-19 poderia ser uma das causas.

A maioria dos eleitores rejeitou o parecer do governo sobre a publicidade do tabaco dirigida a menores (aprovado por 56,6% dos eleitores), o financiamento da mídia privada (rejeitado por 54,6%) e a abolição do chamado ‘imposto de selo’ sobre o patrimônio corporativo (rejeitado por 62,7%). A única questão que os cidadãos concordaram com seus representantes eleitos foi a que pedia a proibição dos testes em animais (rejeitada por 79,1%).

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“Esses resultados mostram que há uma diferença crescente entre as preocupações da população e as da maioria dos líderes no parlamento e no governo”, escreveu o jornal de língua francesa Le Temps na segunda-feira. 

O jornal de língua alemã Neue Zürcher Zeitung (NZZ) chamou a tripla perda de “uma rara vergonha”. 

Um dos fatores culpados pela divergência em relação à posição oficial foi que havia demasiados assuntos em pauta. Faltando um ano e meio para as eleições federais, políticos e partidos políticos estão ansiosos para deixar sua marca. 

“Mais uma vez, os suíços mostraram que odeiam pacotes eleitorais. O Conselho Federal e os parlamentares deveriam finalmente prestar atenção”, escreveu o Le Temps.

Humores pandêmicos

De acordo com Martina Mousson, analista política do instituto de sondagens GfS Bern, há um clima de desconfiança que ocasionalmente é manifestado por meio das urnas. 

“A pandemia mudou o debate político na Suíça. Antes da crise, um em cada quatro referendos era aceito e agora temos quase um em cada dois”, disse ela em entrevista à SWI swissinfo.ch.

O jornal genebrino Le Temps também está convencido de que a pandemia é um fator que contribui para essa divergência de pontos de vista entre os cidadãos e o Estado. 

“Questões relacionadas à saúde são de particular preocupação para o povo suíço, sejam as regulamentações sobre o tabaco ou as condições de trabalho dos profissionais da saúde. As contrapropostas mal elaboradas não são mais suficientes para derrotar iniciativas com segurança”, escreveu o jornal em editorial.

A situação atual também deu origem a muitas preocupações econômicas, e é provavelmente por isso que os cidadãos suíços rejeitaram iniciativas financeiras como a abolição do imposto de selo para empresas e fundos públicos para a mídia privada.

“Para a maioria da população, este não é o momento de oferecer novos benefícios fiscais às grandes empresas. O fim da incerteza sobre salários, pensões e aluguéis tem precedência sobre reformas que não beneficiam a maioria”, acrescentou o Le Temps

A pandemia da Covid-19 e o tratamento que o governo deu a ela também poderia ter levado a uma base de votação mais crítica. Lukas Golder, do instituto de pesquisas de opinião GfS Bern, suspeita que desde a pandemia, cada vez mais cidadãos que são críticos em relação às autoridades têm participado das votações. A crise levou a uma politização que não acontece desde a introdução do sufrágio feminino, acrescentou ele em uma entrevista ao NZZ.  

No entanto, as estatísticas não indicam um movimento maciço de cidadãos descontentes que se mobilizam contra o governo. Em 2021, o comparecimento médio dos eleitores foi de 57,2%, mas esse comparecimento voltou aos níveis normais, em torno de 44%.

Escrito na estrelas?

Será que o governo e a classe política vão continuar a levar uma surra quando se trata de democracia direta? Segundo o NZZ, os votos que não são do interesse das autoridades estão em voga. Desde 2019, o governo perdeu várias votações ou só ganhou por um fio. As derrotas recentes incluem a lei do CO2, deduções fiscais para os pais e a introdução da identificação eletrônica. Foi uma decisão acertada com outros votos como o de responsabilidade corporativa e a aquisição de novos jatos de caça para a força aérea.

A votação de domingo mostrou que a classe política não pode perder o contato com os cidadãos em uma democracia direta como a Suíça. 

“Eles também deveriam ouvir com mais atenção para evitar que a distância entre a população e seus representantes eleitos aumente”, escreveu o NZZ.

No entanto, segundo a analista política Mousson, o resultado dessa votação não é uma crítica fundamental ao governo ou à política suíça em geral. Ela disse à SWI swissinfo.ch que a confiança no governo é importante e intacta.

“O Conselho Federal está tendo mais dificuldade de fazer-se ouvir, talvez porque a comunicação é mais difícil em tempos de uma pandemia. As pessoas falam menos umas com as outras, e a capacidade de compreender as posições umas das outras é enfraquecida”.


 

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